Um dos maiores craques da história do futebol brasileiro, Paulo Roberto Falcão ainda se emociona quando fala da reverenciada seleção que defendeu como titular do meio-campo do time comandado por Telê Santana na Copa do Mundo de 1982. Embora o Brasil tenha sido eliminado de forma traumática com uma derrota por 3 a 2 para a Itália, na Espanha, no jogo que ficou conhecido como a Tragédia do Sarriá (nome do estádio que recebeu aquele duelo em Barcelona), o ex-jogador ressaltou nesta quarta-feira, exatos 35 anos após aquele fatídico 5 de julho, que no final das contas o mais importante foi o legado histórico e a impressão altamente positiva que aquela equipe deixou para os torcedores em todo o mundo.
O próprio fato de esta seleção ainda ser exaltada pelo futebol-arte que exibiu, apesar de ter caído antes das semifinais daquele Mundial, já é considerado por Falcão um argumento mais do que suficiente para que aquele time seja reconhecido como um dos maiores que o Brasil e o próprio futebol viu jogar ao longo da história. E ele citou exemplos de outras seleções que deixaram saudade mesmo sem ficar com o título de uma Copa.
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"A Hungria de 1954, por exemplo, eu não vi jogar, mas era a favorita a ganhar a Copa naquele ano e não ganhou. Tem times que não ganharam que ficaram na história, como a Holanda de 1974 (vice-campeã no Mundial daquele ano). Eu gosto de time que jogue bem. Gosto de time que jogue bola, do goleiro ao número 9. É claro que não é fácil perder, mas nós poderíamos simplificar assim o que aconteceu em 1982: o futebol não é uma questão de justiça. O futebol é um jogo e pode acontecer de tudo em um jogo. A justiça não faz parte de futebol", afirmou Falcão em entrevista exclusiva ao Estado, por telefone, direto da Itália, onde estava para receber um prêmio como lenda do futebol e onde alcançou o apelido de Rei de Roma pelos feitos históricos que conquistou pelo clube na primeira metade de década de 1980.
Falcão lembra que não é por acaso que a seleção brasileira de 1982 ainda é exaltada, fato que ele considera único para uma seleção que sequer chegou às semifinais de uma Copa, diferentemente do que aconteceu por exemplo com a Hungria e com a Holanda, que caíram com grandes esquadrões e não confirmaram o favoritismo que defendiam em decisões contra a Alemanha, respectivamente nas Copas de 1954 e 1974.
"Trinta e cinco anos depois é muito difícil falar sobre a seleção de 1982 e a comparar com outras seleções. E quem tem 40 anos hoje não lembra daquele time. Fica difícil fazer algum comentário pra quem não viu a seleção de 1982 jogar, mas ainda se fala daquele seleção, e que não ganhou. Repito: que não ganhou. Até fiz um livro para falar sobre isso, cujo título é 'O time que perdeu a Copa e conquistou o mundo'", afirmou o ex-meio-campista ao citar a publicação da editora AGE que foi lançada no início de 2012, ano em que se completaram três décadas da Tragédia do Sarriá.
Também ex-técnico da seleção brasileira, pela qual teve passagem curta entre 1990 e 1991 depois de ter defendido o time nacional como jogador no período entre 1976 e 1986, Falcão ressaltou que, mais do que ganhar títulos, uma equipe ou seleção precisa deixar uma marca de quem ao menos tentou apresentar um futebol bonito ou bem jogado aos olhos dos torcedores.
"O mais importante é você ter um time que jogue bem. É claro que um técnico tem que construir um time para vencer, mas precisa também fazer o time jogar bem porque, se você ganha sem jogar bem você, vira apenas um dado estatístico", enfatizou ao Estado.
ORGULHO POR 1982 - Ao falar sobre Brasil x Itália em 1982, Falcão já chegou a qualificar aquele confronto como o "jogo da sua vida", apesar da dura derrota. Autor do belo gol que empatou a partida em 2 a 2 em forte chute da entrada da área - apenas seis minutos antes de Paulo Rossi marcar pela terceira vez no duelo e se tornar o carrasco dos brasileiros -, o ex-jogador de 63 anos de idade disse que o próprio orgulho por integrar uma seleção que vinha encantando o mundo o fazia se sentir como um verdadeiro "torcedor dentro de campo". Isso ficou claro na sua efusiva comemoração ao empatar o tenso embate diante dos italianos.
"Eu tenho vários jogos que posso considerar os mais importantes da minha carreira, como por exemplo quando fui campeão com a Roma e deixamos os seus torcedores enlouquecidos com um título (italiano) que o time não conquistava há 41 anos. Mas eu falei que aquele jogo Brasil x Itália foi o mais importante para mim porque ali envolveu o Brasil inteiro. Era um País que era encantado com a seleção, era um País que tinha orgulho da seleção de 82", ressaltou Falcão, que depois comparou a sensação que tinha na época com a que passou a ter como torcedor de grandes nomes da história do esporte brasileiro.
"Eu me lembro do maior orgulho que eu tinha quando o Guga (Gustavo Kuerten) ganhava, quando o (Ayrton) Senna dava show na pista, sendo que no automobilismo ainda tivemos o Emerson (Fittipaldi), o (Nelson) Piquet, assim como Rubinho (Barrichello) e o (Felipe) Massa, que não ganharam títulos, mas mostraram talento. No caso do tênis, quando eu via o Guga ganhando um título em Roland Garros, eu via que aquilo era uma coisa que nos enche o peito de orgulho, pois era um brasileiro que estava ali ganhando. Em 1982, eu tinha o orgulho de fazer parte daquele time como brasileiro. Eu me via como um torcedor dentro de campo daquela seleção", disse.
PREMIADO E EXEMPLO PARA GUARDIOLA - Embora o Brasil tenha caído antes das semifinais e não possuísse o protagonismo de quem marcava gols com maior frequência no time nacional, até porque não estava entre as peças mais ofensivas de um meio-campo que também contava com Toninho Cerezo, Sócrates e Zico, Falcão acabou sendo eleito o segundo melhor jogador da Copa de 1982. Só ficou atrás do grande carrasco do Brasil naquele Mundial e ainda superou Rummenigge, que foi eleito o terceiro melhor daquele Mundial como destaque da Alemanha, batida pelos italianos na decisão.
"Falando apenas do meu caso específico naquela Copa, eu fui eleito o Bola de Prata, como segundo melhor jogador, mesmo tendo disputado apenas cinco jogos, dois a menos do que fizeram Paulo Rossi e Rummenigge, pois eu não joguei a semifinal e a final. É uma Copa em que eu até me emociono ao falar dela... E aí tu vê um Guardiola ficar emocionado ao ser lembrado de que foi citado por jogadores da seleção de 1982 que lembraram dele (como um dos exemplos de técnicos que se inspiraram naquele time e fizeram sucesso ao priorizarem a prática do futebol bonito e de toque de bola como o que implementou no Barcelona). Vi em um documentário estes dias isso e a expressão do rosto dele é indescritível quando ouviu jogadores daquele time falarem dele. Ele disse que este reconhecimento é mais importante do que ganhar a Liga dos Campeões", destacou Falcão.
E o ex-jogador enfatizou ao Estado: "As pessoas se enganam quando dizem que ganhar é levantar troféu. Ganhar é muito mais do que isso". E um fato surpreendente ocorrido com Falcão quando ele viajava junto com a seleção brasileira que iria para a Copa do Mundo de 2002, realizada no Japão e na Coreia do Sul, serve como um ótimo exemplo para sintetizar, na sua opinião, o que significou a seleção brasileira de 1982 para os amantes do futebol-arte em todo o mundo.
"Eu estava em uma semana em Kuala Lumpur com a seleção. Cheguei pra fazer o credenciamento em um lugar e a senhora que me atendeu, ao ver o meu nome, olhou para mim e me perguntou: 'Por que vocês não ganharam a Copa do Mundo de 1982?'", disse o ex-jogador, se referindo ao fato de que a pessoa estava lamentando, 30 anos depois, o duro revés amargado pelo Brasil naquele Mundial da Espanha. Mais do que isso, Falcão voltou a se convencer naquele momento de que o futebol que jogou ao lado da seleção brasileira naquela Copa será sempre inesquecível. Apesar da Itália de Paulo Rossi. Apesar de tudo que envolveu aquela sofrida eliminação.