Dizem que futebol é alegria, e é, de fato. Mas também é frustração, decepção e, em alguns casos, medo, que assim como a alegria, está diretamente ligada aos estádio, muito por conta da violência que uma partida pode trazer.
Vândalos nas ruas brigando, truculência da polícia, homofobia e machismo nas arquibancadas, a violência vem de qualquer lado. E mesmo não sendo de uma maioria, é o suficiente para afastar muitas pessoas dos estádios.
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Por obra do destino, a punição do STJD imputada ao Sport, consequência da violenta invasão de campo na partida contra o Vasco pela Série B do Campeonato Brasileiro em 2022, acabou virando uma oportunidade para algumas mulheres retornarem à Ilha do Retiro, ou até mesmo ter seu primeiro encontro com o campo. O jogo deste sábado (20), contra o Botafogo-SP, às 16h, só contará com público feminino, crianças e PCDs.
Estreia
Jessica Albuquerque, de 33 anos, irá com seu filho, de sete, pela primeira vez ver um jogo de futebol ao vivo. “Eu nunca tive confiança de ir sozinha por conta da segurança e da violência que geralmente tem. Meu marido dizia que a gente ia em um jogo mais tranquilo, mas deixou passar e não foi. Como vai ter público de mulher, criança e pessoas com deficiência, eu pensei que essa era uma oportunidade”, disse.
Jéssica e Pietro vão juntos pela primeira vez para a Ilha do Retiro. Foto: Arquivo pessoal
Mas também existe quem deixou de ir por outros motivos que não fosse a violência, mas ainda assim com o medo envolvido. Caso de Elaine Guimarães, que, desde 2018, não vai à Ilha e que não se sentiu segura de retornar após a pandemia da Covid-19.
“Ver os jogos pela televisão é muito diferente de ir ao estádio, mas as condições desses últimos anos não eram favoráveis. Quando houve a retomada, eu não me senti segura [mais pela pandemia]. Raramente presenciei episódios de violência em jogos que vi na Ilha do Retiro. Meu pai sempre montava um esquema para que a nossa chegada e saída do estádio fossem tranquila”. O pai de Elaine faleceu em 2020, mas não teve relação com a pandemia.
Já katya Marques, que disse com suas próprias palavras, ter sido “criada na Ilha do Retiro”, até ano passado ainda ia com certa frequência, mas a violência e a truculência da polícia fez com que ela diminuísse suas idas. Sua rotina de torcedora assídua parou em 2022.
“A última vez que eu fui foi no final do ano passado e a entrada não foi das melhores, a gente foi literalmente amassada, minha filha levou pancada no tórax. A gente estava em um grupo grande e meu ex-marido foi empurrado, o genro perdeu o chinelo, foi uma entrada bastante complicada e acho essa questão difícil”, reclamou.
"Você quer assistir o seu time do coração, mas não tem segurança, ou tem essa coisa exacerbada de conflito com polícia que bota o cavalo em cima da pessoa. Tem bomba, bala de borracha, assim é complicado”, relatou Katya.
Dá punição àà oportunidade
Mas mesmo que as três tenham motivos próprios para terem se afastado da Ilha do Retiro, ou dos estádios como um todo, o motivo do reencontro é o mesmo: a oportunidade de um jogo em paz só com mulheres, crianças e PCDs.
“Este é o meu primeiro jogo com o meu filho. A gente acompanha algumas partidas pela TV, mas voltar à Ilha, após esses anos, e com Gael tem muito significado. Aprendi a gostar de futebol e do Sport com o meu pai e o que eu mais quero é passar esse amor para o meu filho. Essa ida também é minha primeira vez no estádio sem o meu pai, que faleceu em 2020. Então, ir para essa partida será duplamente significativo para mim. Sei que meu pai iria adorar levar o neto pela primeira vez ao estádio para ver o Sport jogar”, contou Elaine.
Elaine e Gael também vão juntos para o estádio pela primeira vez. Foto: arquivo pessoal
Jéssica resumiu a primeira ida à Ilha do Retiro como um sonho: "Muita emoção, estou doidinha que chegue o horário, já arrumei minha roupa, vai ser bastante emocionante. É um sonho para mim, era uma vontade imensa, não sei porque não ia, acho que era medo mesmo”.
Katya que conta ter feito com os filhos delas o mesmo que o seu pai fez com ela - frequentar a Ilha com eles desde muito novos. Ela, que lembra até de ir em jogos com torcida mista, acredita que esse jogo sem o público masculino adulto seja a chance de uma partida de futebol na paz.
“Acredito que seja bem mais tranquilo justamente por ser mulheres, crianças e pessoas com deficiência, então acho que o clima amanhã vai ser muito massa”, comemora.
O Sport ainda terá mais dois jogos a cumprir apenas com mulheres, crianças e PCDs nas arquibancadas. Todas as entrevistadas afirmaram ter o desejo de comparecer e até já falando em ir em jogos em situações normais.