A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), se manifestou publicamente pela primeira vez nesta segunda-feira, 27, sobre os atos golpistas do dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicais invadiram e depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes.
Ela disse que o mês de janeiro foi 'tempestuoso' para os ministros do STF e chamou de 'criminosos' os protestos antidemocráticos. "Apesar de tudo, vale muito a pena o Brasil", afirmou.
##RECOMENDA##A declaração foi dada em uma aula magna para professores e alunos do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A palestra foi no Teatro Tuca, em Perdizes, palco de manifestações contra a ditadura militar nos anos de chumbo da repressão.
Diante do auditório lotado, a ministra falou sobre memórias que ela própria viveu durante o regime militar e lembrou as vidas perdidas para a repressão.
"Eu fiz prova de Direito Constitucional com o Congresso fechado em abril de 1977. É algo que só quem sentiu é capaz de descrever. Não haver liberdade é perder um pouco ou muito de si mesmo", contou.
Cármen Lúcia repetiu que a democracia é um 'direito fundamental' imprescindível para o exercício de todos os outros direitos previstos na Constituição. "Nosso compromisso é que a democracia prevaleça no Brasil para que a gente seja capaz de se reconstruir", afirmou.
A ministra também pregou o cumprimento intransigente do texto constitucional. Ela disse que a Constituição de 1988 é a garantia de uma 'democracia institucionalizada', que segundo a ministra precisa ser 'respeitada' e 'aprofundada'.
"Toda Constituição tem defeito. Não significa que ela seja intocável, mas significa que, enquanto ela vigorar, ela tem que se cumprida. Dizia Ulysses Guimarães: 'criticar sim, divergir sim, descumprir jamais'. E por isso vinha a frase: 'traidor da Constituição é traidor da pátria'. Ela foi uma conquista do povo brasileiro para estabelecer uma democracia para o Brasil, uma democracia necessária", defendeu.
Sensível a temas ligados aos direitos humanos, a ministra disse que é impossível não se 'indignar' com a fome no Brasil. A desigualdade foi classificada por ela como o maior desafio atual do País.
"Somos um povo de muitas humanidades e também de muitas, enormes desumanidades", afirmou. "Nós temos que trabalhar permanentemente pela igualação. Somos desigualados porque não temos as mesmas oportunidades."
O tema da aula foi 'O Direito e o País que queremos em 2023'. A resposta da ministra foi um Brasil em que todos os cidadãos tenham a 'oportunidade de receber informação precisa'. "A mentira é planejada e tem um objetivo: desinformar", comentou sobre as redes organizadas na internet para espalhar fake news.
Cármen Lúcia foi a segunda mulher a ocupar uma cadeira no STF. Ela foi nomeada no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que terá que indicar mais dois ministros para as vagas abertas com as aposentadorias de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, ambas em 2023. Se o presidente não indicar outra mulher, Cármen Lúcia será a única representante feminina na composição da Corte.
"Há pouco tempo uma autoridade me dizia: 'vocês (mulheres) ficaram invisíveis e silenciosas'. Não senhor. Nós fomos inviabilizadas e silenciadas e estamos ainda hoje lutando por isso, como os negros, como os gays, como os indígenas, como os deficientes, como todos os que são distintos por uma decisão de um grupo que acha que é melhor do que os outros e, portanto, são humanos de primeira classe e nos deixam em outra categoria", criticou.