Entre os onze residentes de todo o Brasil, dois pernambucanos estão morando em um hotel da Zona Boêmia, em Belo Horizonte, convivendo diariamente com as profissionais do sexo. Considerado como uma ocupação, elas vivem sua sexualidade de forma aberta e na “clandestinagem”. Com nomes fictícios, personagens de uma vida real, descobrindo histórias e abrindo através de pesquisas e estudos performáticos, estão desenvolvendo trabalhos itinerantes de reflexão. Inicia-se, assim, a fase de construção do Museu do Sexo das Putas.
O projeto realizado pela Associação das Prostitutas de Minas Gerais, e contemplado pelo Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 12ª edição, busca pesquisar e transformar, através da arte, a profissão que traz mulheres de todo o país para a prestação de serviços sexuais em Belo Horizonte. Os trabalhos itinerantes contemplam diferentes linguagens e formatos - vídeo, performance, fotografia, grafite, radionovela, do dia 7 a 12 de outubro e podem ser vistos no site do projeto ou no canal Tecnologia a serviço da Orgia.
##RECOMENDA##
Dois pernambucanos estão participando: o artista visual Bruno Farias e a jornalista e performer Kalor Pacheco, que apresentará nesta terça-feira (11), sua segunda performance, intitulada Modos de fazer sabão. As apresentações podem ser vistas na internet, pois são transmitidas em streaming e pode ser acompanhada de qualquer lugar. Pensando em alcançar um grupo maior de observadores e olheiros, Kalor criou a #tecnologiaaservicodaorgia. "O grande jogo da #tecnologiaaservicodaorgia é que ela alcança tanto o próximo, presencialmente, quanto os meus amigos conterrâneos e de outros lugares do Brasil. Por isso as escolhas das plataformas sexuais, a exemplo do Cam4 da primeira performance, como também o Facebook Live e o Youtube", explicou AO LeiaJá.
Quando criou a série, decidiu dar o seu próprio corpo para o trabalho, ao invés de utilizar o corpo dessas mulheres, tão explorados. “Sou jornalista e a minha habilidade em entrevistar, e também em concatenar ideias, me ajudou na pesquisa. Mas ter sido selecionada para o Museu do Sexo das Putas foi abrir uma nova ala de percepção artística, e para isso escolhi a performance”, completa.
Dezenas de hotéis hospedam mulheres todos os dias no Brasil, elas pagam as diárias e podem utilizar os quartos para prestar os seus serviços sexuais. No entanto, facilitar a prostituição é crime, enquanto a atividade é legal, consta na Classificação Brasileira de Ocupação – CBO. De acordo com Kalor, “tudo continua a ocorrer numa boa aqui, e as mulheres e seus corpos são o lado mais fraco da corda - daí a importância da arte nesse contexto e o nosso trabalho em torno do Museu do Sexo das Putas.”, completa Kalor.
Por outro lado, Na Calada, realizado pelo artista visual Bruno Faria, faz uma intervenção dos postes da Guaicurus onde se passa à fase de estudos e insere uma gelatina, usada como filtro de iluminação de refletores de cinema, modificando o espaço ao cair da noite. Na Calada tem como interesse estabelecer uma reflexão simbólica em relação à luz vermelha, muito presente em bordéis e garçonniéres , em que sinaliza que naquele espaço há um lugar destinado ao sexo, e no imaginário popular. O artista visual assina também uma publicação intitulada, Guia das Putas, com a colaboração das profissionais do sexo, da rua Guaicurus. Diferente de um tradicional guia de turismo, que elege pontos turísticos e outras dicas da cidade por um jornalista ou profissional de turismo, neste guia os lugares são escolhidos por elas a partir de suas vivências na cidade. “
Em entrevista ao LeiaJá, a jornalista Kalor Pacheco conta como está sendo a experiência.
Como você soube da inscrição para o projeto?
Quando eu me inscrevi no projeto, logo vi, por ser uma proposta da Associação de Prostitutas de Minas Gerais - Aprosmig, que seria um projeto marginal. Não somente por tratar do sexo, mas principalmente por colocar a questão da prostituição como tema principal. Pensei que ia trabalhar principalmente as madrugadas, mas foi chegando aqui que me dei conta de como tudo gira no entorno da Rua Guaicurus, no Centro de Belo Horizonte.
Como pretendem dar voz à essas mulheres através da arte?
Primeiro, que se trata de um museu descolonizado. Não é um museu apenas para elites; é um museu que tem como protagonistas as prostitutas - isso por si só já aproxima o público, que não está habituado com cultura e educação. A arte é crítica também, joga um olhar sensível sobre questões que normalmente passam despercebidas - afinal, quem se importa com as putas?
Qual a importância da rua em que se passa os estudos?
Existe uma casa abandonada na Rua Guaicurus, que a Prefeitura de Belo Horizonte é proprietária, pleiteada pela Aprosmig para ser a sede do Museu das Putas. Enquanto correm os trâmites, optamos por fazer essa exposição itinerante que compreende tanto a rua Guaicurus, epicentro da prostituição, como outros espaços culturais da cidade, a exemplo do Centoequatro e Espanca.
Tem alguma vivência que te deixou arrepiada, te tocou ou marcou?
Toda a residência me toca de forma muito particular, afinal sou mulher também. Mas sim, o meu quarto no hotel Styllus. Por ter todo o dia trânsito de muitos homens nos corredores, e as mulheres a espera na porta, os lugares ficam sobrecarregados de energia. Teve uma semana que eu mal conseguia ficar no meu quarto, com uma janela que dava para um fosso, ele era muito escuro. Muitas mulheres aqui utilizam incensos, espadas de São Jorge, canela, sal grosso e até açúcar para espantar os maus espíritos. Quem me ajudou nesse sentido foi a prostituta Marina (nome fictício). Ela me preparou um banho de hortelã para melhorar o meu astral.
Na curiosidade, o que seriam os “maus espíritos” ?
Energeticamente falando, querida. As más vibrações. Tu não sentes quando estás num lugar bom, ou em um ambiente carregado? Aqui também é lugar de muita superstição.