Há 30 anos, em 15 de janeiro de 1984, o Congresso Nacional elegia Tancredo Neves primeiro presidente civil do Brasil após 20 anos de regime militar. O fato é considerado um dos mais importantes da história recente do país e influencia o modelo de democracia brasileiro até hoje, na opinião de estudiosos e políticos.
“Hoje estamos vivendo o aniversário de 30 anos do fato político mais importante da história do Brasil”, define o senador Pedro Simon, que já estava na vida pública, no antigo MDB, partido de Tancredo, quando a eleição aconteceu.
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Para Simon, esse é o fato mais importante porque foi o primeiro que partiu de um movimento popular, o das Diretas Já, e obrigou o regime militar a ceder. Segundo ele, em outros eventos históricos importantes, como a independência, a Proclamação da República ou a criação da Consolidação das Leis do Trabalho, a iniciativa partiu de quem já estava no Poder e não foi motivada por levantes populares. “O movimento que teve a participação do povo, que o povo fez, que o povo lutou e é obra do povo é o das Diretas Já. Foi nesse movimento que começou”, avalia.
Mozart Viana, secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara, já trabalhava na Casa quando Tancredo Neves foi eleito. Ele concorda com Simon sobre a importância do Movimento das Diretas Já para que um presidente civil fosse o escolhido em 1974. “Ali os militares perceberam que teriam que fazer a transição, e não seria mais possível manter o regime”, pontua.
Próximo a se aposentar, Mozart ainda se lembra como era o clima nos corredores da Câmara nos dias que antecederam a escolha de Tancredo. “Como as eleições diretas perderam por poucos votos – apesar de o Congresso ter sido sitiado no dia da votação, e os militares terem cercado o prédio, a emenda Dante de Oliveira perdeu por pouquíssimos votos –, isso fortaleceu a oposição. Então, houve migração de muitos deputados da base aliada na época para a oposição. E foi isso que permitiu a eleição do doutor Tancredo”, recorda.
Na avaliação do sociólogo e professor da Universidade de Brasília Elimar Nascimento, a eleição de Tancredo Neves foi fruto de um “pacto conservador”. Segundo ele, os mais moderados da oposição conseguiram ampliar o diálogo com os mais moderados da situação e alcançaram um acordo que propiciou a chapa com Tancredo e Sarney. “A eleição de Tancredo significou a forma possível, naquela época, de sairmos da ditadura militar por meio de um pacto entre os mais moderados. Foi uma saída do regime militar de maneira conservadora”, avalia.
Segundo o professor, esse pacto influencia a forma de fazer política no Brasil até hoje, porque em nome da democracia propiciada por ele, todos os partidos relevantes que vieram posteriormente acabaram deixando de lado, cedo ou tarde, posturas excessivamente à esquerda ou à direita, e se tornaram mais moderados para evitar rupturas.
“A vitória da dinâmica da negociação conservadora obrigou, mesmo os partidos mais à esquerda, como o PT, a aceitarem suas regras para ter acesso ao Poder”, afirma. “O que a dinâmica conservadora fez? Esvaziou a esquerda e obrigou os partidos a caminharem para o centro”, completa.
Elimar Nascimento exemplifica a influência do pacto conservador nas políticas atuais por meio do Bolsa Família. Ele recorda que o programa foi feito a partir de outros quatro já existentes, entre eles o Bolsa Escola, que condicionava a concessão da bolsa à permanência das crianças na escola, e era tocado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal.
“O Bolsa Escola era um programa educacional para que as crianças fossem mantidas na escola e tivessem melhores condições de inserção no mercado de trabalho, posteriormente. Quando o Bolsa Família foi criado, ele não foi para o Ministério da Educação, e sim para o da Assistência Social, é um programa de assistência. E isso se mostra importante, de tal maneira, que influenciou no resultado das últimas eleições. Nada mais liberal”, comenta o professor.
Para Nascimento, “o PT se mostrou um partido tancredista” quando optou pela negociação com outros partidos ideologicamente diversos, em busca de uma coalizão. A negociação em busca de acordos era uma característica típica do presidente eleito pelo colégio eleitoral de 30 anos atrás.