A postura silenciosa e reclusa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de não aceitar o resultado da derrota nas eleições de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fervilhou os ânimos dos seus apoiadores, que também não aceitaram o pleito, em manifestações antidemocráticas espalhadas por todo o Brasil. Enquanto o então presidente mantinha-se em silêncio, bolsonaristas acampavam em frente aos quartéis pedindo intervenção militar.
Esse movimento foi trabalhado por Bolsonaro desde quando foi eleito, em 2018, e ainda assim questionou a veracidade das urnas eletrônicas. Ele investiu, durante todo o governo, em discursos contrários ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Supremo Tribunal Federal (STF), além de ataques com ofensas a ministros. Não seria diferente com a derrota nas urnas.
##RECOMENDA##
Depois de passar 37 dias sem manifestar-se publicamente no ano passado, o ex-presidente rompeu o silêncio e fez declarações dúbias a apoiadores no Palácio da Alvorada. “Estamos vivendo um momento crucial, uma encruzilhada. Um destino que o povo tem que tomar (...). Nunca é tarde para acordarmos e sabermos da verdade (...). Vamos acreditar. Vamos nos unir. Buscar alternativas e cada um ver o que pode de fato fazer pela sua pátria. Vamos vencer”, disse. Ele também chegou a exaltar a “essencialidade” das Forças Armadas como “o último obstáculo para o socialismo”.
Não demorou muito para que os apoiadores bolsonaristas invadissem a Praça dos Três Poderes, em Brasília e, em um ato terrorista, destruíssem as sedes das instituições, em resposta à não aceitação da não reeleição do ex-presidente, como aconteceu no último domingo (8).
O Palácio do Planalto, o STF e o Congresso Nacional foram destruídos por terroristas bolsonaristas no início da tarde do domingo. Bolsonaro, por sua vez, só apareceu nas redes sociais à noite, por volta das 21h, e afirmou que “depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”.
O mestre em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Antônio Fernandes, comentou que a estratégia de Bolsonaro “sempre foi contestar os resultados eleitorais”, e que o silêncio fez parte desse processo. “Inclusive, a não aceitação do resultado fez parte dessa estratégia.
Assim como a ideia do voto impresso e exigir sua aprovação para que a eleição acontecesse, as denúncias totalmente sem embasamento das propagandas eleitorais no rádio que supostamente não foram veiculadas, e tantas outras denúncias sem pé nem cabeça além das notícias falsas, que foram alimentando essas narrativas mais extremadas”, disse.
Fernandes ressaltou que, do ponto de vista político, “não há dúvidas” da relação dos atos terroristas com Bolsonaro. “As investigações continuam e então saberemos se existe uma conexão direta, do ponto de vista jurídico, entre o que aconteceu domingo e o ex-presidente Bolsonaro. Entretanto, do ponto de vista político não há dúvidas dessa conexão. São seus apoiadores mais radicais”.
De acordo com o especialista, ainda sobre o ponto de vista político, Bolsonaro foi um incentivador dos atos, e que a falsa equivalência levantada por ele sobre os atos de 2013 e 2017 “fazem parte do arsenal de tentar colocar a discussão em seu favor, como se o ocorrido no domingo fosse apenas ‘mais um protesto que descambou para violência’”.
>> Golpistas tentam 'terceirizar' culpas, avaliam cientistas
“Mas o que presenciamos domingo foram atos que vêm sendo gestados há tempo, com redes de financiamento e organização com o intuito de derrubar o Estado Democrático de Direito, inclusive com suspeitas de participação de agentes públicos. O final das investigações elucidará toda essa cadeia de ação”, observou.
Ele também lembrou da forte conexão do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) com a extrema-direita americana, que atentou contra o Capitólio americano há dois anos, após a derrota de Donald Trump para Joe Biden.
“Tolerância ao golpismo”
A deputada estadual diplomada Dani Portela (PSOL), afirmou que deve-se parar “de ter tolerância com o golpismo e fascismo” proclamados por Bolsonaro há muito tempo. “Ele fala absurdos e dizem que é o jeito dele. Só que esses absurdos foram incentivando atos como esse, desde o momento que ele questiona a credibilidade das eleições, das urnas eletrônicas. Ele vai atacando as instituições, tribunais superiores de várias formas e minando essa democracia por dentro”, apontou.
Para Portela, o ex-presidente estimulou o caos e “fugiu covardemente” ao deixar o Brasil no dia 31 de dezembro de 2022. “Mas deixa o exército, o gado com esse berrante tocando bem de longe. Mas ele não teve a responsabilidade porque ele não tem a coragem. Bolsonaro tem medo de ser preso. Ele, como seus filhos, precisam ser responsabilizados. As falas escorregadias, dúbias, que não se posicionam corretamente, mas fala para o seu cercadinho entender. Ontem [domingo] foi um golpe de morte de Bolsonaro e do bolsonarismo no Brasil. Não podemos tolerar, dentro de uma democracia, a construção de movimentos totalitários fascistas reacionários e golpistas”, declarou.
O deputado estadual Doriel Barros (PT) declarou que Bolsonaro foi “o grande incentivador dessa situação”, e relembrou que o ato foi incentivado durante todo o mandato do ex-presidente. “Foi resultado do acúmulo que foi se tendo nos últimos anos, patrocinado e alimentado por ele. A demora dele se posicionar é porque havia um interesse dele de que isso viesse a acontecer”, disse.
Já a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) também coadunou com a incitação feita por Bolsonaro e que ele precisa ser punido por isso. “A gente precisa ter um País que puna seus criminosos. O que estamos vivendo hoje é fruto do apagamento histórico do golpe militar. A gente não pode deixar por baixo do tapete os crimes cometidos por Bolsonaro”.
Parlamentares bolsonaristas
Além disso, parlamentares eleitos em Pernambuco declararam, nas redes sociais, apoio ao movimento golpista que aconteceu em Brasília no domingo, como a deputada federal diplomada Clarissa Tércio (PP), e o seu marido, o deputado estadual diplomado Júnior Tércio (PP) que publicaram um vídeo em apoio à invasão.
A atitude foi veementemente criticada por parlamentares do Estado. “Eles coadunam com os atos que atentam a democracia brasileira. O que aconteceu foi uma tentativa de golpe fracassada e apoiar isso dentro de um parlamento deve ser cobrado a responsabilidade dessas pessoas eleitas pelo voto popular. Assim como esse presidente que eles defendem, são covardes. Recuaram, retrocederam da posição e apagaram as postagens”, afirmou Dani Portela.
Cida Pedrosa afirmou que “tem que rechaçar qualquer parlamentar que tenha dado apoio a isso”. De acordo com ela, é incoerente estar numa instituição democrática e apoiar ato terrorista. “O que é conduta criminosa. É papel de qualquer parlamentar apoiar manifestações pacíficas, que é livre no Brasil e direito da cidadania. Mas o que aconteceu em Brasília foi um ato criminoso, e quem apoia esse tipo de atitude está apoiando ações criminosas”.
Por sua vez, Doriel Barros repudiou o apoio dos parlamentares bolsonaristas. “A gente não aceita de forma alguma. Pernambuco é um Estado que tem uma história de defesa da democracia, de luta libertária. Isso não pode acontecer”. Ele disse, ainda, que estará vigilante na próxima legislatura para que os parlamentares possam ser punidos a partir de uma comissão de ética na Alepe.