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Adolescentes que cumprem medidas de privação de liberdade no Ceará são submetidos à violência de agentes do estado, à falta de infraestrutura nas unidades conforme determina a lei e à oferta irregular de escolarização. Além disso, entre 2006 e 2022, 19 jovens foram mortos dentro do Sistema Socioeducativo Cearense em contexto de violência.

Os dados que apontam tais violações de direitos estão no relatório do 5º Monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense, que será lançado na próxima terça-feira (12) e foram antecipados à Agência Brasil. Foram entrevistados 23% dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação e semiliberdade do Ceará, ou seja, 132 de um total de 563, nas 18 unidades do sistema.

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As visitas foram realizadas em maio e junho do ano passado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), pelo Fórum Permanente de ONGs em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) e pelo Coletivo Vozes. Foram entrevistados também 52 profissionais, incluindo equipe técnica, socioeducadores e diretores das unidades.

A maior parte (78%) das unidades não tem estrutura adequada, de acordo com os parâmetros do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que regulamenta a execução das medidas socioeducativas no país, destacou a coordenadora do Núcleo de Monitoramento de Políticas Públicas do Cedeca, Ingrid Leite.

“Mais da metade das unidades nunca passaram por uma reforma para poderem ser adequadas aos padrões, que seriam dormitórios ventilados e minimamente iluminados, que os banheiros tenham saneamento básico. Porque hoje são espaços extremamente insalubres, úmidos, com muito mofo, mal cheiro, muriçoca, rato, então é uma questão mesmo que fere a dignidade humana dos meninos”, aponta.

Em 13 centros socioeducativos, funcionários da própria unidade admitiram que houve denúncias de violências contra os adolescentes praticadas por agentes do estado. “Quem foi que afirmou? Socioeducador, direção e equipe técnica, porque a gente sempre triangulava essas informações. Então, 13 [unidades] afirmaram que há denúncias de violência contra adolescentes praticadas pelos socioeducadores”, relatou.

Mais da metade (58%) dos adolescentes que participaram de grupos focais durante o monitoramento – total de 100 jovens – relataram que já sofreram violência na unidade de internação. Dentro das denúncias de violência, estão ameaças, intimidações, maus tratos, agressões verbais, xingamentos e tortura.

O governo do estado do Ceará, por meio da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, destacou, em nota, que em 2023 não foram registradas “ocorrências, assim como situações de crises graves”. “As unidades socioeducativas do estado apresentam metodologia e equipes qualificadas para a prestação de serviço, e vem atuando para evoluir ainda mais na estrutura física e infraestrutura externa de algumas unidades para atender cada vez mais os padrões do Sinase”, diz a nota.

“Mãe de um jovem vivo”

“Eu nunca tive resposta por toda a tortura que meu filho vivenciou. Eu sou mãe de um adolescente, de um jovem hoje, de um jovem vivo”. O relato é de uma mãe que faz parte do Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional de Ceará, que prefere não se identificar. Ela faz questão de dizer que o filho está vivo. 

Quando adolescente, o filho dela cumpriu medida socioeducativa em meio fechado de 2014 a 2017, enquanto outras mães perderam os filhos em um quadro de violências e violações nas unidades de internação do estado. “Nós, mães da periferia e mães institucionais, duelamos para manter os nossos filhos vivos e livres.”

Ela lembra que em 2015, com a entrada de facções criminosas no estado, foi um período muito duro para adolescentes institucionalizados. “Foi um período de severas rebeliões, de descasos e violações de direitos de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.” 

Foi nesse momento que ela pensou qual deveria ser o papel das mães nesse cenário. “Houve uma virada de chave. Vou me tornar defensora de direitos humanos, porque eu estava tentando defender e reivindicar os direitos básicos do meu filho”, relembra. 

“Eu nunca acreditei no caráter ressocializador, que esse espaço pudesse entregar o meu filho de volta, tanto que eu tive a sorte de ser uma mãe que o filho migrou para o sistema prisional, porque muitos dos meninos dessa época foram assassinados”, conta a integrante da organização. É nesse contexto que surge o Coletivo Vozes. 

Prioridade absoluta

A especialista do Cedeca avalia que os dados de violência refletem que não há prioridade absoluta para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no estado. “Ainda faltam muitas ações, principalmente essas que garantem integridade física dos meninos lá dentro. Os centros socioeducativos, a depender da gestão, do diretor, a gente percebe que ainda não tem um cenário de estabilidade”, disse. Segundo Ingrid Leite, a falta de prioridade se dá principalmente na perspectiva pedagógica no cumprimento das medidas.

Em 12 unidades, foram verificadas revistas corporais com desnudamento dos adolescentes, embora não conste, na Portaria 4/2021 da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) que se despir seja uma forma de revista. O desnudamento em revistas também é um descumprimento da lei sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), ressalta Ingrid.

Gênero e educação

No dia da visita, havia seis adolescentes grávidas nas unidades socioeducativas, o que está em desacordo com resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) 233/2022. “Isso é muito alarmante. A resolução do Conanda estabelece que a internação não deve ser aplicada a adolescentes gestantes, lactantes, mães ou que [tenham] na guarda delas crianças e adolescentes”, esclareceu Ingrid. Como alternativa a medidas de privação de liberdade, poderiam ser aplicadas às jovens a liberdade assistida e a prestação de serviço à comunidade.

A coordenadora do Cedeca ressalta que o levantamento identificou ainda que há uma seletividade racial na privação de liberdade no estado do Ceará, já que 74,2% dos adolescentes entrevistados são negros.

“Em 2021, a educação regular ofertada aos adolescentes de 12 a 15 anos de idade estava de forma irregular, porque conforme a lei de diretrizes curriculares de educação, a modalidade EJA, que é a educação de jovens e adultos, só tem que ser fornecido a partir dos 15 [anos], caso o adolescente esteja numa faixa etária irregular de escolarização de dois anos”, explica.

No entanto, a modalidade EJA estava sendo ofertada de forma totalizante para todas as unidades. Já durante as visitas da pesquisa, no ano passado, 40% dos adolescentes entrevistados não estavam sequer tendo acesso aos estudos.

Alas disciplinares, chamadas de “trancas” pelos adolescentes, estão presentes em 12 das 18 unidades. Essas áreas são dormitórios separados dos demais, para onde os jovens são levados quando infringem alguma regra da unidade. Lá eles passam de 5 a 7 dias. O documento aponta que as trancas costumam ser ambientes insalubres, quentes e úmidos.

Houve relatos de que nas trancas não são disponibilizados blusas, chinelos, lençol, colchão, produtos de higiene, bem como atividades escolares, de lazer e esporte, e os banhos são reduzidos. As entidades apontam que trancas estão em desacordo com o Sinase, que estabelece que a “arquitetura socioeducativa deve ser concebida como espaço que permita a visão de um processo indicativo de liberdade, não de castigos e nem da sua naturalização”.

“Quando o adolescente está na tranca, são suspensas todas as atividades pedagógicas dele. Em alguns centros, a gente identificou que até é retirado o direito à sala de aula. Isso é muito perigoso, porque ameaça diretamente não só o objetivo da medida [socioeducativa], mas reforça esse viés da violência e da punição, que não é a proposta que as unidades deveriam ter, e não é o que o ECA preconiza”, explica Ingrid.

Saúde mental

Ingrid também relata que foi percebido aumento de adolescentes com adoecimento mental e consequente automutilação dentro das unidades. Dos jovens entrevistados, 43% relataram apresentar pensamentos suicidas e também 43% relataram já terem se lesionado. 

A parcela de 41% dos adolescentes afirmaram que estavam fazendo uso de medicamentos psicotrópicos. Outro dado considerado alarmante pelas entidades é que 94% dos centros socioeducativos visitados tinham adolescentes fazendo uso de medicação psiquiátrica. 

Foi o que a mãe do Coletivo Vozes entrevistada pela Agência Brasil relatou. “Eles dopavam os meninos desde o presídio de Aquiraz [município da região metropolitana de Fortaleza]. Foi um contexto bem difícil para mim, porque o meu filho usou mais drogas no cumprimento da medida dele do que fora. Para mim, o Estado me devolve outro filho e é sempre assim que a gente fala. Nós não reconhecemos os meninos quando passam por esses espaços. Eu falo de uma época anterior, mas as violações de direitos aconteceram.”

“Sabemos desse contexto de adoecimento mental, mas tem nos preocupado que uma das principais medidas para o tratamento dos adolescentes tem se restringido à medicação. Na política de saúde mental, fala-se muito desse atendimento integral”, pontuou a coordenadora do Cedeca. O atendimento integral incluiria apoio psicológico regular, oferta significativa de atividades e oficinas, de forma a preencher o dia dos jovens e estimular sua criatividade e autoestima.

Recomendações

Há uma grande dificuldade de identificar o que é tortura dentro das instituições, segundo apontou a coordenadora do Cedeca. Diante disso, ela avalia que é fundamental a existência de protocolos de combate a torturas e maus tratos contra crianças e adolescentes.

Outras medidas relevantes seriam a existência de um Mecanismo Estadual de Combate e Prevenção à Tortura no Ceará, que não está implementado no estado, e a criação de um fluxo institucionalizado para registro de denúncias de violações de direitos. Atualmente, o que existe é uma corregedoria interna da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo do Ceará (Seas), relatou Ingrid.

“É necessário ter um espaço externo, uma ouvidoria externa também para mães, familiares, realizarem as denúncias, não só um órgão interno, e que esse fluxo pudesse de fato existir. A gente tem feito uma articulação com a Defensoria Pública e com o Ministério Público, mas é preciso institucionalizar esse fluxo de recebimento [de denúncia], acompanhamento, investigação e responsabilização dos casos que ocorrem”, acrescentou.

O Cedeca, o Fórum Permanente de ONGs em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e o Adolescente (Anced) fizeram uma denúncia, em 2015, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). As entidades relataram tortura, maus tratos e revista vexatória no socioeducativo no Ceará. Em razão da denúncia, em janeiro de 2016, a CIDH expediu medidas cautelares para que o Brasil adotasse ações urgentes para garantir os direitos dos jovens.

No entanto, o Cedeca avalia que tais medidas não foram completamente implementadas e reafirma que unidades do sistema socioeducativo continuam registrando ameaças, agressões e intimidações a adolescentes por parte de agentes do estado, além de violência sexual.

Governo

Sobre a escolarização, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo aponta que ela é feita por meio de ações regulares de atendimento, com execução intermediada com secretarias municipais e estadual de Educação. Informa ainda que, a partir de 2021, três escolas regulares da Secretaria Estadual de Educação, uma na capital e duas no interior, foram designadas para atender adolescentes e jovens abaixo do corte etário da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Eles permaneciam com matrícula regular nas escolas de origem. 

“Os adolescentes e jovens estudantes em salas de aulas nos Centros Socioeducativos (CS) têm sua matrícula cadastrada em um estabelecimento de ensino da rede estadual ou municipal, credenciado e com cursos autorizados e reconhecidos pelos respectivos Conselhos de Educação.” 

Ainda de acordo com o governo, dados de outubro de 2023 mostram a existência de 85 salas de aula para atendimento de jovens em internação provisória e internação, com 433 adolescentes e jovens matriculados na EJA ou em ensino regular. Os jovens em cumprimento de semiliberdade frequentam as atividades de forma externa à unidade.

 

 

Nesta segunda-feira (16), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) iniciou o prazo para envio do termo de adesão ao Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade ou sob medida socioeducativa que inclua privação de liberdade (Enem PPL). 

A segurança da aplicação deve ser garantida pelas secretarias responsáveis em cada Estado. Como pré-requisito mínimo, as unidades prisionais e socioeducativas precisam ter um espaço físico adequado para a aplicação das provas, com um ambiente escolar coberto, silencioso, mesas, cadeiras, e boa iluminação que permitam a realização do Exame. 

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Os órgãos responsáveis pela administração de unidades prisionais e socioeducativas têm até 27 de novembro para indicar unidades para aplicação do Enem PPL 2020, enviando um ofício por e-mail para o Inep. O documento deve indicar o responsável pedagógico de cada unidade, que é um profissional com a missão de acompanhar todos os trâmites do exame, além de ter acesso aos resultados dos participantes no Enem PPL e Sistema de Seleção Unificada (Sisu, sendo de sua responsabilidade a divulgação das informações sobre o exame aos participantes privados de liberdade).

Na edição de 2019, o Enem PPL recebeu 46.240 inscrições, com 1.228 instituições homologadas para a aplicação da prova em 25 estados e no Distrito Federal. O Estado de São Paulo teve o maior número de inscrições, 15.826, seguido de Minas Gerais, que contou com 4.959. Para este ano, as inscrições deverão ser realizadas entre 30 de novembro e 11 de dezembro de 2020, com aplicação das provas em 23 e 24 de fevereiro de 2021. Para mais detalhes, acesse o edital do Enem PPL 2020.

*Com informações do Inep

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Nesta terça-feira (10), foi realizado o primeiro dia de aplicação de provas do Exame Nacional do Ensino Médio Para Privados de Liberdade (Enem PPL), além da reaplicação dos do Enem para pessoas que tiveram problemas de logística. Os participantes tiveram cinco horas e meia para responder às 90 questões de linguagens e ciências humanas, além da redação. 

Nesta quarta-feira (11), serão realizadas as provas de matemática e ciências da natureza. O LeiaJá esteve em uma unidade prisional na Região Metropolitana do Recife (RMR) durante a tarde desta terça-feira (10) e, em entrevista com alguns detentos, a reportagem apurou que o tema da redação tem relação com o abuso do uso da internet.

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Procurado pelo LeiaJá, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), organizador do Enem, informou que não há, até o momento, nenhuma informação oficial sobre o tema da redação do Enem PPL. A divulgação será realizada apenas nesta quarta (11).   

Na edição de 2019, foram registrados 46.163 inscritos no Enem PPL. São Paulo é o estado que concentra mais participantes, com 15.826, seguido de Minas Gerais, com 4.959. As inscrições foram feitas pelo responsável pedagógico de cada unidade prisional ou socioeducativa. As inscrições no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e outros programas de acesso ao ensino superior também dependem do intermédio de responsáveis pedagógicos. 

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