Um traço necessário para que qualquer personagem seja aceito e bem sucedido com seu público é a empatia. Isso significa que o público precisa (em algum nível) se identificar com o personagem... ver algo de si refletido nesse personagem. E isso não é de forma nenhuma diferente com os super-heróis.
Algo muito claro em muitos deles é que a sua construção se baseia exatamente em traços característicos de seus nichos de mercado... ou seja: os escritores observam o público que desejam atingir, as pessoas que não são representadas por algum tipo de herói e desenvolvem algo que lhes reflita. Pode parecer um pouco "frio", mas é mais ou menos assim que funciona. Se tomarmos alguns exemplos como o Capitão América, que foi criado no momento em que os Estados Unidos aquecia o nacionalismo devido à guerra e os cidadãos se viam representados nele, ou o Homem Aranha, um herói que fez sua carreira sendo um "cara comum com super poderes", enfrentando vilões e ao mesmo tempo tocando a vida ganhando pouco, aguentando um chefe irritante e assim por diante. Quando pegamos um elemento da vida e o representamos de modo artístico criamos uma alegoria, e é isso que os super-heróis são.
E nós precisamos das alegorias. Através das alegorias nós compreendemos melhor a nós mesmos.
Pensando nisso, um quadrinho que em muito se adaptou ao longo dos seus CINQUENTA E DOIS anos de existência foram os X-Men, que investem considerável tempo de suas histórias com o desenrolar de suas vidas pessoas... seus amores e suas tragédias, seus desejos e suas "normalidades" que afloram entre uma luta e outra para salvar um mundo que os teme e odeia.
Então, vamos dar uma olhada em algumas das fases dos X-Men e nas relações que eles criam com os seu público:
1) A Equipe Original
Os X-Men são mutantes, e pela definição fornecida pelo próprio Professor Xavier, a mutação que dá poderes especiais a eles se manifesta na adolescência, deixando esse jovem confuso, se sentindo diferente e excluído. Em resumo, os mutantes são a alegoria da Marvel que representa todos os adolescentes do mundo. Para completar, o slogan que a editora usou quando do seu lançamento foi "The Stangest Heroes of All" (os heróis mais estranhos de todos).
A primeira equipe é composta apenas por jovens americanos, caucasianos e de boa aparência, exceto por detalhes, como o tamanho das mãos e pés do Fera, o uso de óculos do Ciclope e pelas asas do Anjo (que ele geralmente conseguia esconder). O Homem de Gelo podia estar em sua forma congelada ou não (o que inclusive escondia a sua identidade) e Jean Grey não tinha qualquer alteração em sua aparência.
A relação que essa equipe fazia com seu público era a de auto-aceitação e de perceber que, estranhos ou não, cada pessoa pode ser um herói de sua própria história, e que mesmo não sendo compreendido ou aceito, cada pessoa tem o dever de usar suas potencialidades para o bem maior.
2) Segunda geração: Deadly Genesis
Em 1975 a equipe foi renovada. Os escritores perceberam uma nova necessidade percebendo que o público convivia cada vez mais com o diferente... não apenas SER diferente, mas outros diferentes de si. Dessa forma, num momento em que o grupo original estava aprisionado numa ilha viva, o Professor Xavier recruta novos membros para sua equipe. Esses novos componentes eram todos de países ou etnias distintas, mas que de alguma forma participaram da formação do povo americano (sobretudo após a segunda guerra mundial).
O grupo passou a contar com uma negra africana, um indio nativo americano da tribo dos Apache, um japonês, um canadense e um irlandês, um russo, um alemão de aparência azul (não é a pele, e sim pelo azul que recobre seu corpo) além de Ciclope, americano caucasiano.
A relação dessa equipe tinha um forte apelo de união, cooperação e de aceitação das diferenças, visando um maior senso de coletividade.
3) Os X-Men Australianos
Muitas histórias se passaram e membros entraram e saíram do grupo, mas uma formação que se tornou significativa e perdurou unificada por um bom tempo foram os "X-Men australianos". O grupo precisou forjar sua própria morte (o que não é nenhuma novidade) para superar o inimigo, e por isso passou a viver no deserto australiano (onde o mutante aborígene "Teleportes" fazia portais para que eles viajassem pelo mundo).
Nessa fase o grupo conta com personagens com maior profundidade emocional e lutam com suas próprias peculiaridades para se integrarem e coexistirem. Temos uma telepata britânica (nascida rica e mimada, ex-modelo), uma loira americana (cantora deslumbrada com o show business), uma forma de vida artificial de outra dimensão (criado para ser um gladiador de programas de Tv), uma "caipira" americana (que não pode fazer contato físico com outras pessoas), além do irmão do Ciclope, do canadense, da negra africana e do russo metálico.
Esse grupo fazia relação não com lidar com os "forasteiros", mas com a ideia de SER o forasteiro e se sentir deslocado numa terra que não é a sua.
4) All-new... All-different... AGAIN!
Um bom tempo depois, e algumas formações depois, a equipe recebe alguns novos integrantes que representam o "diferente" de uma nova forma... o bizarro, inapropriado ou o inadequado.
Os novos integrantes da equipe foram Maggot (um mutante cujo poder era seu sistema digestivo, composto por duas "lesmas" que lhe davam super-força e deixavam sua pele azul), Medula, uma garota basicamente caucasiana, mas com protuberâncias ósseas que ela usa como armas ou ferramentas (esse é o seu poder) e pela Dra. Cecilia Reyes, uma médica com o poder de gerar campos de força.
Esse arco de histórias lidava com o diferente num nível da debilidade, quase beirando a deficiência (o que no caso da Dra. Cecilia Reyes se deu na forma de um abuso de substâncias ilícitas (a droga RAVE).
Várias outras formações e personagens passaram ou ficaram nos X-Men, e cada um deles mereceria uma análise (tanto coletiva como individual) no que se refere às formas como atraem a empatia do público. Cada um deles daria uma análise profunda, mas a este texto basta ilustrar a forma como podemos perceber tais ganchos nos personagens.
E caso você esteja se perguntando, aquela imagem lá em cima é uma das mais recentes construções de apelo dos X-Men: um membro que saiu do armário. Os X-men originais, criados há mais de cinquenta anos, agora trazidos diretamente para o presente se deparam com um mundo diferente daquele em que cresceram... e o Homem de Gelo descobre que é gay. A história fala sobre a auto-aceitação dele num ambiente em que ele se permite travar essa batalha, diferentemente de um lado dele mesmo que teria sido deixada reprimida pelo ambiente em que se encontrava.
Essa relação criada é capaz de apresentar algo com o que muitos jovens (e não tão jovens) vão se identificar. Pode ser que não dê em nada, mas pode ser que represente uma tendência para várias histórias e quadrinhos e a discussão sobre orientação sexual, ambiente, situações e assim por diante.