Responsável pela morte de quase 1,6 milhões de pessoas no planeta, o coronavírus não age de modo idêntico nos organismos. No mundo, cerca de 45 milhões de vítimas se recuperaram da doença. No entanto, alguns desses pacientes podem ter sequelas que, entre outros problemas, trazem complicações respiratórias e motoras.
Procedimentos como a intubação, necessária nas situações em que o vírus compromete a capacidade de respirar do paciente, fazem com que seja necessária a atuação de um fonoaudiólogo durante a fase de restabelecimento.
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Os profissionais da fonoaudiologia prestam assistência a quem precisa reaprender coisas básicas, como falar ou se alimentar sem o uso de sonda.
Mudança de rotina
O que antes da pandemia era uma prática de atendimentos ambulatoriais mudou de maneira drástica para a fonoaudióloga Andréa Bizarria Cintra, 46 anos. “Virou a rotina de cabeça para baixo. Tive que suspender ambulatórios e ver alguns atendimentos regredirem é bastante frustrante”, lamenta a profissional, que atua há 22 anos na área.
Ela conta que a compaixão pela vulnerabilidade das vítimas já a fez ir além da própria função. Para Andréa, proporcionar conforto a quem está em tratamento é fundamental em tempos de crise. “Costumo dizer que lidamos com as pessoas no seu ‘pior’ momento, afinal está mais frágil. Muitas vezes temos que ser um apoio, mesmo estando fragilizados também”, comenta.
A fonoaudióloga Andréa Cintra teve sua rotina profissional totalmente transformada pela pandemia. Foto: arquivo pessoal
Segundo Andréa, os casos mais graves geram preocupação devido à incapacidade que alguns pacientes apresentam em cumprir funções comuns. O trabalho da profissional acompanha a recuperação dos infectados pelo coronavírus após a equipe médica aprovar a retirada da respiração mecânica.
“Os pacientes que passaram por intubação podem apresentar dificuldades para se alimentar e para se comunicar e cabe ao fonoaudiólogo a reabilitação da deglutição”, explica.
Ritmo intenso
Há 15 anos na função, a fonoaudióloga Daniela Ribeiro afirma que o ritmo de trabalho também passou a ser mais intenso. Segundo ela, alguns recursos tecnológicos estão sendo utilizados para dar sequência à recuperação dos pacientes.
“Passamos a atender apenas casos de urgência e emergência presencialmente, após triagem respiratória, e demos início às consultas de orientação por videochamada e por telefone. Infelizmente essas consultas são muito espaçadas, já que na maior parte do tempo estamos nos revezando entre os atendimentos nas Unidades de Terapia Intensiva, Pronto-Socorro e enfermarias”, explica a profissional, que ressalta a importância dos uso dos Equipamentos de Proteção Individual para evitar contaminação.
A fonoaudióloga Daniela Ribeiro relata a frustração com a perda de tantos pacientes. Foto: arquivo pessoal
“A maioria dos nossos pacientes antes da pandemia não se encontrava em isolamento de contato. Passamos a utilizar máscara PFF2, face shield, touca e avental descartáveis durante nossos atendimentos”, afirma.
Para Daniela, a rotina de evolução positiva dos pacientes que atende deu lugar a uma triste realidade. “O mais difícil neste período tem sido perder tantos pacientes. Na rotina normal de atendimento em disfagia (dificuldade ao engolir), a maioria apresenta quadro clínico mais estável e com bom prognóstico. Com o coronavírus é imprevisível”, relata.
“O paciente está estável e precisando apenas de adequação de consistência dos alimentos devido ao cansaço respiratório, amanhã ele pode estar intubado ou nem ter resistido”, desabafa.
Medo constante
Embora os EPI sejam uma forma de reduzir o risco, Daniela afirma que a insegurança persiste. Embora haja apoio psicológico disponível, ela menciona que o medo está no semblante de cada profissional ou paciente durante a pandemia da Covid-19.
“É muito triste ver o medo o tempo todo no rosto das pessoas. Perdemos muitos colegas no hospital, médicos, profissionais de enfermagem, motoristas de ambulância, maqueiros, profissionais da limpeza e da administração interna”, diz a fonoaudióloga.
Segundo ela, os amigos de trabalho que perderam entes queridos para o coronavírus ficam muito abalados. “Muitos colegas perderam seus companheiros e familiares e convivem com a dúvida de terem sido de alguma forma responsáveis pela contaminação. Muitos trabalham em mais de um hospital e o esgotamento físico e mental é uma preocupação de todos”, relata.