Mais de 15 mil condutores foram multados em Pernambuco somente este ano por dirigir falando ao celular. Com isso, o poder público cobrou mais de R$ 1,3 milhão, até o dia 19 de maio, aos motoristas que cometeram esta infração, que segundo o Código de Trânsito Brasileiro, é considerada média. Mas a prática é realmente perigosa? Este ato que parece banal põe em risco a vida de alguém? A resposta é sim.
“O uso do telefone celular enquanto dirigindo é extremamente perigoso no trânsito e pode levar a acidentes fatais. Há dados mostrando que uma grande parcela dos acidentes de trânsito, atualmente, deve-se ao fator humano (90-95%) e destes a maioria provocada pelo uso de telefones celular (50-60%)”.
A afirmação é do professor José Aparecido da Silva, Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), com Pós-doutorado em percepção e psicofísica pela Universidade da Califórnia (EUA), e autor de diversos artigos sobre o tema. Segundo ele, o motorista que fala ao telefone no trânsito tem sua capacidade de dirigir seriamente afetada. “Afeta a capacidade cognitiva e perceptual de atender aos estímulos relevantes ao ato de dirigir. O nível envolve a redução das capacidades, habilidades cognitivas e sensoriais. Há competição entre as duas tarefas. O sistema visual não pode, devido à sua capacidade limitada, atender a dois estímulos apresentados simultaneamente”, explica.
Tramita desde 2010 na Câmara Federal um projeto de autoria do deputado Carlos Bezerra, do PMDB do Mato Grosso, que propõe que a infração seja mudada de média para gravíssima, o que implicaria um aumento no valor da multa e na quantidade de pontos na carteira do motorista que comete a irregularidade. No entanto, o projeto, que já foi alterado pelo deputado Edinho Bez (PMDB-SC), não deve ser apreciado até o final de 2014, segundo a assessoria de Bezerra.
Bez fez uma modificação na proposta do colega, que alterou o projeto, passando de gravíssima para grave. Além disso, sugere que o uso de fones de ouvido ou viva voz – sistema que alguns carros dispõe como item opcional de fábrica – sejam permitidos. Para o o professor da USP, um erro. “A literatura científica mostra que em ambos os tipos de uso do celular, viva-voz, manual ou auricular, provocam igualmente a mesma redução na capacidade sensorial em atender aos estímulos relevantes no trânsito. Não se trata de carga motora, mas sim de carga cognitiva. Seja viva voz, manual, fone de ouvido, todos sobrecarregam o sistema cognitivo e não o sistema motor. A atenção não é melhorada quando se usam formas alternativas ao manual”, afirma.
O argumento do Deputado Bez seria que o uso do viva-voz seria semelhante à uma pessoa ao lado do motorista, o que José Aparecido contesta. “O uso do celular requer resposta ou atendimento imediato, o interlocutor está direta e imediatamente requerendo respostas que demandam rapidez, raciocínio, percepção, cognição, resolução de problemas, habilidade verbal e estas tarefas competem com aquelas de dirigir, tais como atender aos sinais trânsito, pedestres, outros veículos, tempo de reação para parar ao ver as luzes de freio do carro adiante, etc. O uso do radio ou alguém falando do lado não requer tais respostas e nem requerem respostas ou atendimento imediatos. São tarefas passivas. Embora o passageiro ao lado possa requerer alguma resposta do motorista, ele molda as perguntas ou a conversação em função do cenário de trânsito que ele vê que, em geral, idêntico àquele do motorista”, diz.
As outras funções dos celulares, como o uso de torpedos, mensagens ou internet, principalmente, as redes sociais, podem ser ainda mais perigosas. “Usar torpedos tem o mesmo impacto e com taxas de redução da atenção muitos maior. Porque neste caso o sistema motor, digitalizar ou usar o teclado consome mais atenção mesmo que os tipos sejam viva-voz (falar para responder) ou manual”, alerta o professor.
As campanhas educativas relativas à bebida e direção são várias. Os anúncios e até embalagens de cervejas, por exemplo, ganharam a frase “Se beber não dirija”. Para o professor, a infração de dirigir usando o celular deveria ser igualmente combatida. “O uso do celular é tão perigoso quanto dirigir no nível álcool usualmente permitido pelas leis brasileiras. Alias, é mais perigoso. É uma cegueira atentiva. As campanhas deveriam ser mais agressivas”, aconselha.
Outros assessórios que não são proibidos também podem se tornar um problema, pelos mesmos motivos. DVDs, televisores e até mesmo o GPS podem distrair o condutor. “Se requerem respostas dos motoristas podem se tornar mais perigosas que os celulares e álcool”, finaliza o especialista.
Fotos: Clélio Tomaz/LeiaJáImagens