O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, suscitou à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, duas arguições de impedimento, suspeição e incompatibilidade do ministro Gilmar Mendes, relator dos Habeas Corpus (HC) 146.666/RJ e 146.813/RJ, respectivamente dos empresários Jacob Barata Filho e Lélis Marcos Teixeira. As petições foram encaminhadas nesta segunda-feira, 21, a pedido dos procuradores da República da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. As informações foram publicadas no site da Procuradoria-Geral da República.
O HC impetrado pela defesa dos pacientes perante o STF, investigados na Operação Ponto Final, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, se deu em virtude da negativa tanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro de rever a prisão preventiva de Barata e outros investigados. O inquérito da Operação Ponto Final investiga crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, cometidos por organização criminosa com atuação no governo estadual do Rio de Janeiro, de 2007 até os dias atuais.
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No STF, o habeas corpus de Barata Filho foi distribuído à ministra Rosa Weber, mas a defesa requereu a redistribuição ao ministro Gilmar Mendes, alegando prevenção. A presidente da Suprema Corte decidiu pelo pleito da defesa, ponderando que a Operação Ponto Final está vinculada às Operações Eficiência e Calicute, que têm tido os processos distribuídos ao ministro Gilmar Mendes. Este deferiu, em 17 de agosto, o pedido liminar do HC para substituir a prisão preventiva de Barata Filho por medidas cautelares diversas da prisão. Quando o habeas corpus chegou ao STF, este já foi distribuído por prevenção a Gilmar Mendes, após decisão da presidência do tribunal.
Um novo pedido de prisão, em outro processo a que responde o empresário, foi decretado no mesmo dia. A defesa, por sua vez, apresentou reclamação e pediu a extensão da decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes, que a concedeu na última sexta-feira, 18 de agosto, para revogar a nova prisão.
As causas
Conforme a arguição, há múltiplas causas que configuram impedimento, suspeição e incompatibilidade do ministro Gilmar Mendes para atuar em processos envolvendo Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira. "Há entre eles vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo", diz Janot.
Gilmar Mendes, em 2013, foi padrinho de casamento de Beatriz Barata, filha do paciente, com Francisco Feitosa Filho. O noivo é filho de Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, irmão de Guiomar Mendes, que vem a ser a esposa de Gilmar Mendes. A relação entre as famílias vai além. Conforme apuração do Ministério Público Federal, Jacob Barata Filho integra os quadros da sociedade Autoviação Metropolitana Ltda, ao lado, entre outros sócios, da FF Agropecuária e Empreendimentos S/A, administrada por Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, cunhado do ministro Gilmar Mendes.
Busca e apreensão realizada na Operação Ponto Final permitiu compreender que, além das ligações sociais e comerciais, Jacob Barata Filho mantém estreita relação de amizade e compadrio com Francisco Feitosa, cunhado do ministro Gilmar Mendes. As conversas de aplicativos que demonstram proximidade (encontro em Fortaleza) são de junho deste ano, dois meses antes de Gilmar Mendes assumir a relatoria. A busca e apreensão permitiu revelar, ainda, que o contato de Guiomar Mendes, esposa do ministro, está registrado na agenda telefônica de Jacob Barata Filho.
Há ainda o fato de o escritório de Sérgio Bermudes, integrado por Guiomar Mendes, representar e vir assinando diversas petições postulando o desbloqueio de bens e valores nos processos cautelares de natureza penal da Operação Ponto Final. Nas cautelares penais, foram decretadas constrições em prejuízo de pessoas jurídicas diretamente relacionadas a Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira, que foram processualmente representadas pelo escritório de Sérgio Bermudes: Fetranspor, Riopar, Alpha Participações e Guanabara Participações e Empreendimentos Imobiliários.
O fato de Barata Filho e Lélis Teixeira serem clientes do escritório de advocacia em que trabalha a esposa de Gilmar Mendes o torna suspeito/incompatível para atuar como magistrado no caso, principalmente na condição de relator de HC. Por serem clientes, Barata Filho e Lélis Teixeira se tornam devedores da esposa do ministro do STF, ainda que indiretamente, pois ela possui evidentemente participação nos lucros da sociedade advocatícia.
Não resta dúvida para o MPF de que há vínculos pessoais entre a família de Gilmar Mendes e Jacob Barata Filho, circunstância também representada simbolicamente na função de padrinhos de casamento da filha do paciente. Os vínculos são atuais, ultrapassam a barreira dos laços superficiais de cordialidade e atingem a relação íntima de amizade, a exemplo do contato no telefone celular. Existem ainda vínculos na relação de sociedade entre Barata Filho e o cunhado do ministro Gilmar Mendes, bem como na atividade exercida pela esposa do magistrado. Tudo isso compromete a isenção do ministro na apreciação da causa, ou, no mínimo, abalam a crença nessa imparcialidade.
A arguição de suspeição se dá com base no art. 254, I, do Código de Processo Penal (CPP), no caso de Barata Filho, e no art. 145, III, Código de Processo Civil (CPC), combinado com o art. 3º do CPP para os dois. No caso de impedimento, o pedido é feito com base no art. 252, I, do CPP e no art. 144, VIII, do CPC, combinado com o art. 3º do CPP. Já a incompatibilidade, com o art. 112 do CPP, para atuar no mesmo objeto de litígio em que está envolvido o paciente.
O procurador-geral pede a nulidade dos atos decisórios de Gilmar Mendes praticados no que se refere a Jacob Barata Filho, Lélis Teixeira e outros investigados. Para Janot, os vínculos verificados entre o magistrado e os pacientes podem comprometer a atuação do ministro, portanto devem ser estendidos aos demais sujeitos passivos da investigação.