"Você precisa de pessoas como eu, para que você possa apontar seus dedos e dizer: 'Esse é o cara mau'", dizia Tony Montana, o mafioso vivido por Al Pacino, no clássico de Brian de Palma Scarface. Em Atibaia (SP), na sala do sítio em que Frederick Wassef escondia o ex-policial militar Fabrício Queiroz, uma prateleira exibia miniaturas do personagem. Se a vida fosse um filme, o estilo, o penteado e as roupas de Wassef bem que poderiam vestir um dos malfeitores dos tempos da Lei Seca, perseguidos por Eliot Ness.
Na vida real, porém, o advogado está mais para um personagem saído das sombras, desses que, de vez em quando, aparecem em Brasília e fazem fama ligando seus nomes a de poderosos de plantão e desaparecem junto com eles. No caso de Wassef, para todos os efeitos, ele era "o advogado do presidente Bolsonaro".
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Nos últimos anos, conforme o freguês, Wassef montou seu perfil. Rico e bem-sucedido para uns, devedor contumaz para outros. Como explicar que o mesmo cidadão que recomprou um relógio Rolex do ex-presidente em Miami estimado em US$ 68 mil - o equivalente a R$ 346.983,60 - deva R$ 3.516,35 de IPTU para a prefeitura de Atibaia? Que justificativa dar para a vida milionária que Wassef ostentou nos últimos anos, ocultando contas atrasadas, processos por falta de pagamento de impostos e até o abandono da obra de sua mansão em Brasília?
O Estadão conversou com políticos, empresários, militares e advogados que conviveram com Wassef nos últimos anos. Em comum, a maioria passou a dizer que já não tem mais tanto contato com o advogado, que, após a Polícia Federal capturar seus quatro celulares, parece ter passado de "anjo" - codinome que ganhou no governo Jair Bolsonaro - a "demônio". A apreensão dos telefones foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, no inquérito que apura suspeita de venda de presentes diplomáticos no governo Bolsonaro. Procurado, Wassef se disse vítima de "inverdades" (mais informações nesta página).
GRAVAÇÕES E ARMA
São tantas histórias mal contadas sobre Wassef que, no fim, pouco se sabe do homem que, segundo seus interlocutores, grava todas as conversas que mantém e anda armado. Até seus casamentos e separações são controversos, aconteceram em clima de disputas judiciais. Wassef, há alguns anos, enfrentou um câncer que deixou uma sequela física.
No ano passado, quando concorreu a uma vaga de deputado federal e perdeu, Wassef declarou um patrimônio de R$ 18 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), incluindo um apartamento em Miami avaliado em R$ 4,96 milhões. Entre 2013 e 2021, as taxas do imóvel foram pagas, majoritariamente, pela empresária Maria Cristina Boner, ex-mulher de Wassef. O boleto de 2022, no valor de US$ 12.847,59 (ou R$ 62.621,72), está em aberto.
Durante a campanha, Wassef publicou mensagens de apoio do então candidato ao governo paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho mais velho de Bolsonaro gravou dois vídeos. Em um deles se referiu ao advogado como "meu amigo". Em outro, afirmou: "Frederick Wassef é o nosso advogado e, como advogado, demonstrou sua competência e lealdade". O Estadão não localizou vídeo de Bolsonaro pedindo voto para ele e os santinhos que mostram os dois lado a lado são montagens de fotografias.
O jingle escolhido por Wassef tinha uma mensagem clara sobre a atuação com a família Bolsonaro que o advogado queria passar aos eleitores. "Todo mundo já sabe, o Wassef resolve, resolve", dizia a música. O "advogado de Bolsonaro", como ele se identificou na campanha, recebeu 3.628 votos.
Em julho, cerca de um ano depois de informar seu patrimônio à Justiça Eleitoral, Wassef fez um gesto inusitado: voltou a procurar a Corte sob alegação de que estava "buscando a plena transparência". Assim, apresentou lista com três novos bens que disse ter adquirido. Uma casa em Brasília, um jet ski e um carro usado.
Em São Paulo, Wassef disse ter um veículo Silverado de 1995, estimado em R$ 24 mil, e uma Ranger de R$ 112 mil. Em Brasília, circula em um Jetta que comprou de segunda mão, cujo valor declarado ao TSE foi R$ 125 mil. Ele deve R$ 6,7 mil do IPVA do veículo referente a 2022 e 2023.
OBRA PARADA
Um dos bens mais valiosos do patrimônio de Wassef se tornou um canteiro de obras parado. O Estadão esteve no local. A casa no Setor de Mansões Dom Bosco foi comprada em março do ano passado por R$ 3,7 milhões, segundo o registro, pagos via transferência bancária.
"A obra está parada há bastante tempo e depende de ele voltar ou não", afirmou o empresário Almir Pereira Filho, ligado à empresa responsável pela obra. Essa casa também está com o IPTU atrasado. Três parcelas no valor de R$ 3.155,89 já venceram e há outras três para serem pagas nos próximos meses. Por enquanto, os impostos podem ser pagos em boletos. Outras dívidas de Wassef, contudo, já chegaram ao Judiciário. O advogado foi acionado em dois processos que correm no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em um deles, um condomínio em Tuiuti (SP) cobra R$ 46 mil de Wassef. No outro, a prefeitura de Atibaia cobra R$ 3.516,35 em dívidas de IPTU de uma casa que fica próxima a outro imóvel do advogado. Neste segundo - onde ele mantém os bonequinhos de Tony Montana - Wassef deu guarida a Queiroz.
HERANÇA
Neto de imigrantes libaneses, Wassef deve aos pais e avós parte dos bens adquiridos ao longo da vida. O advogado declarou ao TSE, em 2022, 12 imóveis registrados em São Paulo e no Distrito Federal e um em Miami. Os imóveis representam 55% dos R$ 18 milhões declarados por Wassef ao tribunal. O imóvel mais recente comprado pelo advogado foi o apartamento em que mora, de 189 metros quadrados, no Morumbi, por R$ 1.610.200, em agosto.
DEFESA
Por meio de nota enviada pela assessoria do senador Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef se disse vítima de "inverdades, maldades e covardias". Segundo ele, a obra na casa em Brasília está parada por razão técnica, não financeira. "Ninguém da minha relação fala com jornalistas e menos ainda sobre minha pessoa."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.