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 O coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, da comunidade homônima localizada na Ilha do Retiro, Zona Oeste do Recife, está em campanha para arrecadar alimentos ou doações financeiras para famílias em situação de miséria. A pandemia de Covid-19 vem pressionando a renda familiar de muitos moradores, que perderam seus empregos ou já eram trabalhadores informais.

“As pessoas da comunidade que vivem em vulnerabilidade continuam sofrendo por não ter como trabalhar, ambulantes não podem sair para ganhar seu pão de cada dia. A vacina já existe, e não chegou a metade da população. O governo atual não tem um pingo de consciência, e quem sofre com isso? Por isso, nós do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste estamos voltando com nossa campanha de arrecadação de alimentos. Não podemos ficar parados enquanto as pessoas da nossa comunidade passam necessidade”, diz o texto do coletivo.

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Interessados em colaborar podem transferir dinheiro via pix, através da chave do celular de número (81) 98378-1489, bem como para a seguinte conta poupança:

Caixa Econômica Agência: 3018

Conta: 805218042-0

Operação: 1288

Ilka Martins de Oliveira

CPF: 021.610.814-46

Também é possível doar diretamente os alimentos, combinando o procedimento com o coletivo através do direct do Instagram @caranguejotabaiaresresiste. Através deste canal, aliás, é possível acompanhar a rotina de entregas das doações.

Na tarde desta terça (1), o prefeito Geraldo Julio (PSB) se reuniu com o correligionário João Campos, eleito para sucedê-lo a partir de 2021, para tratar da transição de governo, em seu gabinete, na Prefeitura do Recife. Na ocasião, Campos informou que as definições sobre as secretarias serão feitas nos próximos 30 dias e evitou dar detalhes sobre a composição da nova administração municipal. O LeiaJá questionou se o prefeito eleito cumpriria a promessa, feita por seu antecessor em 2013, da construir um conjunto habitacional para os moradores de Caranguejo Tabaiares, na área central do Recife. À época, Geraldo Julio visitou a comunidade em razão de um incêndio, que destruiu 24 palafitas.

Campos culpou a conjuntura nacional pelo atraso, mas afirmou que irá “olhar para a questão habitacional”. “É importante ressaltar que o Brasil não tem uma política continuada de moradia nas últimas décadas, inclusive as mais recentes foram desmontadas, como o ‘Minha Casa, Minha Vida’, como o novo programa ‘Casa Verde e Amarela’, que não contempla habitação de faixa 1, que seria habitação de interesse social. Todas as cidades brasileiras estão sofrendo com o déficit de moradia e a capacidade financeira de vencer esses déficits sozinhos é completamente ‘desafiador’, devido a um problema no pacto federativo”, colocou.

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O prefeito eleito argumentou ainda Geraldo Julio iniciou um projeto habitacional no Aeroclube, na zona Sul, para construir mais de 600 casas. “Essas moradias vão ser o suficiente para zerar o número de palafitas de algumas áreas. Isso mostra o compromisso que ele tem com habitação”, acrescentou.

De 2013 para cá, a gestão Geraldo Julio deverá deixar pelo caminho mais 1,5 mil unidades habitacionais (que ainda estão em andamento ou para serem iniciadas) embora tenha entregue 2,4 mil unidades. Apesar de alegar que faltam recursos federais, a Prefeitura do Recife nunca aprovou, por exemplo, o Plano Local de Interesse Social, um instrumento exigido pela lei de 2001 que cria o sistema nacional de habitação de interesse social. O atual prefeito se despede da prefeitura sem ter concluído as obras dos habitacionais do Pilar (256 unidades), do Sérgio Loreto (224 unidades) e do Encanta Moça I e II (600 unidades).

“Essas habitações estão em obras e as obras públicas são assim. Tem obras públicas que foram concluídas antes do prazo, como a da Conde da Boa Vista, que para 20 meses ficou em 12 meses, o Hospital do Idoso, que era uma obra para 16 meses ficou pronta em 12 meses. Tem obras que são feitas antes do prazo e tem obras que são feitas depois do prazo na administração pública. Quem tem experiência e conhece, sabe que isso pode acontecer”, defendeu-se Geraldo Julio.

Devido à pandemia da Covid-19, Bruno e Alexandra perderam os "bicos" e agora só contam com o auxílio moradia e o Bolsa Família para sustentar quatro filhos. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

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Confiada a algumas vigas de madeira, a família constituída por Bruno da Silva, Alexandra Araújo e seus quatro filhos- garotos de 7, 5 e 4 anos, mais os gêmeos recém-nascidos- dorme amontoada em uma cama de casal, torcendo para que o dia seguinte não seja de chuva ou sol escaldante. “De dia, o calor aqui é grande. Quando chove, a correnteza da água é muita e o vento balança tudo”, comenta Bruno, que ergueu com as próprias mãos a palafita em que mora, à margem do canal do ABC, na comunidade de Caranguejo Tabaiares, na Zona Norte do Recife. Cercada por esgoto, porcos criados pelos vizinhos e pelo mau cheiro perene que deriva do entorno, Alexandra lamenta que não consiga cumprir com a política de isolamento social em prevenção à Covid-19, adotada pelo governo de Pernambuco. “Não aguento ficar aqui dentro”, resume.

Em termos de renda fixa, Alexandra e Bruno só contam com R$ 450, resultantes da soma dos benefícios do Bolsa Família e Auxílio Moradia. “Antes [da pandemia da Covid-19], de vez em quando, apareciam umas ‘ôias’ para eu fazer, como ajudante de pedreiro. Agora tá difícil”, acrescenta Bruno, sem nenhum novo serviço à vista. Na despensa improvisada ao lado da porta, apenas o essencial: as latas de leite para as crianças. “Político só vem aqui em época de eleição, depois que acaba já era”, comenta Bruno. Alexandra completa: “É muito menino pra alimentar e vestir. Ontem mesmo, perto da hora do almoço, eu já estava pensando no que ia dar de comer aos meus filhos, quando o pessoal do coletivo chegou com as doações”, diz, referindo-se aos insumos básicos trazidos pelos próprios vizinhos do Coletivo Caranguejo Tabaiares, que estão abastecendo as famílias da comunidade com alimentos essenciais e Equipamentos de Proteção Individual (EPI’S), como máscaras e álcool gel.

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O almoço do dia, pelo menos, está garantido. “Macarrão. Para a gente e para meu irmão que vem comer aqui quando precisa. Até nisso é difícil ficar isolado, a gente divide até a comida”, completa Alexandra.

“Terra Prometida”

Para Bruno e Alexandra, permanecer em casa com as crianças é, por vezes, submetê-las ao risco de queda no canal ou a outros acidentes domésticos. “Um vez, um dos meninos veio correndo me avisar que o irmão tinha caído na água, cheguei para retirar e ele tava pendurado, agarrado na madeira. O outro, levou três pontos no braço depois que se furou com um prego, conta Bruno.

Danielle mostra a pintura da população em ponte sob o canal do ABC, lembrando o habitacional que nunca foi construído. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens) 

Aos oito anos, a criança acidentada teria crescido em uma casa diferente se o prefeito Geraldo Júlio tivesse cumprido a promessa feita em visita à Caranguejo Tabaiares, no dia 23 de março de 2013, dia em que 24 famílias tiveram suas palafitas completamente destruídas por um incêndio. “Nós vamos lançar o habitacional em decorrência da desapropriação que havia sido feito há 23 dias. O habitacional será construído”, garantia o prefeito.

Entulhos precarizam ainda mais entorno das moradias. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

O terreno em questão- localizado na Rua Tabaiares, 150- contudo, segue ocioso e ganhou o apelido de “Terra Prometida”. “Como não tem nada no local, a gente pensou em construir um parquinho, mas não concluímos. Não tem opção de lazer na comunidade para as crianças e jovens”, lamenta Danielle Paixão, membra do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste.

História talhada na pesca

Palafita de Bruno e Alexandra: saída dá para esgoto e viveiros de caranguejos. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

A ocupação humana da área que corresponde Caranguejo Tabaiares teve início por volta de 1910, quando pescadores e suas famílias, atraídos pela abundância de crustáceos, mudaram-se para a margem do mangue em busca de sustento. Um estudo feito pelo Centro Josué de Castro, em 2003, constatou que, embora tivessem sido identificados 14 criadores e 24 viveiros de camarão na comunidade, a atividade de criação e coleta não apresentou crescimento, devido à poluição do meio ambiente e à falta de apoio técnico aos produtores. “A Netuno, por exemplo, chegou a comprar muita coisa daqui. Nossa comunidade é muito boa, muito rica, tem história. Muita gente está de olho, imobiliárias, empresários, porque moramos praticamente no centro do Recife. Estamos resistindo”, comenta Danielle.

Ela coloca ainda que, durante a o período de quarentena, Caranguejo Tabaiares ainda não recebeu nenhum tipo de apoio da Prefeitura do Recife e do Governo de Pernambuco. “Estamos esquecidos. O álcool gel, álcool 70, as máscaras e os alimentos que chegaram para a gente vieram através dos movimentos de luta e de algumas pessoas. Digo que sofremos violência alimentar, por precisarmos estar batendo de porta em porta, em um período como esse, atrás de comida. Isso me cansa, me tortura”, queixa-se.

Isolamento possível

População tenta praticar isolamento comunitário, mas saídas para trabalho são inevitáveis. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Danielle divide uma pequena casa de alvenaria com mais cinco pessoas, somando filhos, marido, pai e mãe. “Meu esposo está recebendo seguro desemprego. Eu estou desempregada, mas conto com o R$ 156 do Bolsa Família e vou receber o auxílio [Emergencial, do governo federal] de R$ 600. Aqui, em Caranguejo, um vai ajudando o outro quando falta alguma coisa”, coloca. Diante da necessidade de realizar deslocamentos no interior da comunidade para garantir a subsistência da família, Danielle logo concluiu que o isolamento social sugerido por prefeitura e governo do estado é praticamente impossível de ser cumprido nas comunidades do Recife.

Para ela, a precariedade das habitações também é uma das razões pela qual as populações desses espaços urbanos insistem em permanecer aglomeradas nas calçadas, a exemplo do que se vê em Caranguejo Tabaiares. “A gente passou a defender o isolamento comunitário, ou seja, que ninguém daqui saia, nem ninguém de fora entre. Não é que a gente não queira, mas o povo não consegue ficar dentro de casa. Além disso, temos muitas domésticas e diaristas na comunidade, que os patrões continuam sem liberar do trabalho”, lamenta.

Saneamento

 

Torneiras compartilhadas dividem espaço das ruas com esgoto. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Caminhar pelas vielas de Caranguejo Tabaiares sem entrar em contato com o esgoto a céu aberto é uma tarefa árdua. Basta uma pequena chuva para que os transeuntes precisem saltar de um lado para outro das vias, em sua maioria, sem pavimentação. Carentes da estrutura necessária para instalações hidráulicas, as palafitas não possuem água encanada, obrigando seus moradores a dividir pias instaladas no chão das ruas e a cumprir com suas necessidades fisiológicas em casas de amigos ou parentes. “Como vamos manter a higiene, fazer a quarentena sem água em casa?”, questiona a desempregada Andrea Santos, que se acomodou na palafita do filho depois que perdeu a sua, com todos os pertences dentro, no incêndio de 2013.

De acordo com levantamento realizado pela Empresa de Urbanização do Recife (URB), no ano 2000, das 895 residências existentes em Caranguejo Tabaiares, 385 (43%) possuíam água encanada em casa, 588 (66%) delas despejavam seus dejetos em vala a céu aberto e 799 (88%) não estavam ligadas à rede de esgotos. A sujeira no entorno, agride até a memória. Sete anos depois, os destroços incinerados continuam nos fundos da nova palafita de Andrea. “Vim morar aqui para não pagar aluguel, ou come ou paga aluguel. Meu marido está desempregado, perdeu os bicos por causa do [novo] coronavírus e a gente sustenta três crianças e dois adolescentes com o dinheiro do Bolsa Família, R$ 251, que não dá”, conta.

Andrea tenta acomodar produtos para venda no vão único da palafita dividida com mais cinco pessoas. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Na tentativa de ampliar um pouco a renda, Andrea passou a aplicar uma pequena parte do benefício na compra para revenda, a alguns vizinhos, de salgadinhos e alguns produtos domésticos básicos, acomodados em um precioso espaço da sala de casa. “Quando vende, dá para tirar o dinheiro da carne”, completa. Com as crianças sem aulas, no entanto, a vida ficou ainda mais difícil. “A gente contava com a merenda, agora estamos vivendo do jeito que Deus quer. Se abrir a escola deles, não deixo meus filhos irem, não vão morrer por isso. Eu quero que isso [pandemia da Covid-19] acabe logo, não aguento mais. Piorou muito nossa vida”, desabafa.

O Corpo de Bombeiros controlou o incêndio na Comunidade Caranguejo Tabaiares, que começou por volta das 5h, de acordo com moradores. A operação de combate começou por volta das 7h, com o apoio de 16 homens e cinco viaturas, sendo duas de resgate e três de incêndio. 

Algumas pessoas passaram mal ao ver as casas destruídas, mas ninguém se feriu. O eletricista Wellington da Silva, mora há três anos no local com a mulher e o filho de dois anos. Ele lamenta o ocorrido nesta manhã. “Disseram que foi da minha casa que partiu o incêndio e ontem eu tinha trocado toda rede elétrica. Gastei todo meu dinheiro”, disse chorando. 

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A dona de casa, Maria José Augusto, de 40 anos, se sentiu aliviada por conseguir sair do local antes que o fogo atingisse o lugar que ela mora. “Meu barraco estava próximo ao do que pegou fogo. Percebi as chamas na hora que eu estava ajeitando meus dois filhos pra ir à escola. Só deu tempo de tirar eles do local”, esclareceu. Os bombeiros permanecem no local fazendo o rescaldo e apagando focos de fogo e fumaça. 

Com informações de Pollyanne Brito

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