Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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A Coragem da Renúncia

Gustavo Krause, | seg, 19/10/2015 - 16:49
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O governo Dilma respira por aparelhos. Paciente terminal, sofre de infecção generalizada causada pelas bactérias da ideologia que escraviza, do voluntarismo que isola e da corrupção que degenera o tecido social.

O que é mais grave: o paciente está nas mãos de uma charlatã que, a exemplo de Fausto (1480-1540), mago e alquimista, teria feito um pacto com o diabo, Mefistófeles, a encarnação espiritual do maligno, o arcanjo inimigo da luz, cuja lenda inspirou variadas obras de arte, culminando com o poema clássico e obra-prima do escritor e pensador alemão Johann Wolgang von Goethe (1749-1832).

No dia 04 de março de 2013, em João Pessoa, a presidente/candidata anunciou o pacto: “Nós podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Na lenda, Fausto negociou poderes sobre-humanos por 24 anos e, esgotado o prazo, Mefistófeles, um dos sete príncipes do inferno, receberia a alma de Fausto (arrependido) para a condenação eterna.

Assim foi feito. A essência da antiga lenda é a perda da noção de limites. Na versão brasileira, a alma penada da Presidente arrasta com ela, milhões de brasileiros, entre os quais, aqueles que acreditaram na possibilidade de enganar o demônio.

Hoje, cada dia é um túnel sem candeeiro para alumiar a saída. E a escuridão não foi obra do acaso. Tem sido a execução de um projeto de poder erigido sobre sólidos alicerces: o carisma de um líder/chefe; a captura do estado brasileiro pelo estamento partidário; o aliciamento da consciência cidadã em troca do “bolsismo”, alívio passageiro para as privações dos mais pobres; a lógica perversa do “capitalismo de estado”, relação promíscua entre o público e o privado que enriquece os mais ricos, enche as burras da burocracia corrupta e mata de inanição a população carente de políticas públicas.

Paralelamente, o projeto de poder lulopetista despolitiza a política com a artilharia pesada do discurso enganador “a gente faz, mas quem não fez?”, versão atualizada do “rouba, mas faz”, só que desta vez “eles”, “a elite branca” se amplia em um “nós” que era barrado no baile. E nada mais eficiente para reinar do que dividir e dividir com o tempero do ódio separa o bem do mal.

Porém, a realidade se impõe. É patética a figura presidencial. Faltam-lhe, aliás sempre lhe faltaram, atributos para governar o país. Cada gesto, cada palavra e todas as suas iniciativas compõem uma peça tragicômica. Tudo indica que capítulo final se avizinha. Soma-se, agora, à impopularidade e à falta de apoio parlamentar, o fato juridicamente  imputável: a recomendação do TCU pela desaprovação das contas do governo por um placar estrepitoso 9x0. Impeachment à vista.

A propósito, as palavras do Procurador de Contas Júlio Marcelo de Oliveira,  insuspeitas e contundentes, ratificam o projeto de poder: “Percebe-se nitidamente a intenção de turbinar despesas em ano eleitoral. A dotação do Fies em 2013 foi de R$ 5 bilhões. Em 2014, pulou para R$ 12 bilhões. Em 2015, o Fies caiu para menos da metade. Quantos estudantes começaram a estudar e não conseguiram renovar? É cruel acenar com financiamento estudantil e no ano seguinte retirar”.

Até quando o brasileiro, ao acordar, vai tomar o café com o sabor amargo da angústia? Angústia, Presidente, é aquela sensação de desamparo da criança que nasce e se defronta com um mundo de adversidades e incertezas. O que lhe salva é o acolhimento materno.

Certa vez, Lula disse: "Dilma é a 'Mãe do PAC'”. Chegou a hora de estender a mão aos filhos do Brasil. Coragem! Como toda virtude, a coragem é está no meio de extremos, no caso, a covardia e a temeridade. Abrevie o sofrimento coletivo. A renúncia é um ato de coragem. A senhora não será o primeiro nem o último governante a fazê-lo em nome de valores mais altos. A rainha Cristina da Suécia (1629-1689), De Gaulle (1890-1970) e o Papa Bento XVI são notáveis exemplos de grandeza e do belo gesto  da renúncia ao poder.

O Déficit de Capital Cívico

Gustavo Krause, | seg, 31/08/2015 - 09:29
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Dois artigos, Narcisismo em tempos sombrios – A cultura da razão cínica e Corrupção e capital cívico, ajudam analisar e refletir sobre a atualidade brasileira já que as ciências sociais não têm resposta definitiva que explique a origem da corrupção seja como fenômeno inerente a determinados povos, produto cultural ou uma complexa combinação de vários fatores.

O primeiro foi publicado no Jornal do Brasil, edição do dia 21 de maio de 1988, de autoria do brilhante psicanalista pernambucano, Jurandir Freire Costa.

O segundo foi publicado no Estado de São Paulo, edição de 31 de julho do ano em curso, de autoria do competente economista André Lara Rezende.

Comecemos pelo segundo. O autor toma emprestados resultados dos recentes trabalhos feitos pelo Professor Dan Ariely (Universidade de Duke, EUA). A conclusão é que queremos ser honesto, mas a propensão para a desonestidade está em todos nós. De outra parte, a decisão não obedece a um cálculo racional tanto que “Há quem escolha não levar vantagem mesmo na ausência de punição para o comportamento incorreto. Referências culturais contam”.

Para ilustrar, ele conta o que chama de “história curiosa e triste para nós brasileiros” segundo a qual houve uma época em que diplomatas estrangeiros tinham isenção de pagamento de multas de estacionamento na cidade de Nova York. Segundo o artigo “um estudo mostrou que, ao longo de cinco anos, os diplomatas suecos e canadenses não tiveram multas, os alemães uma multa per capita, os italianos 15, os brasileiros 30”. Algo faz a diferença: o valor do capital cívico enraizado nas nações.

Com efeito, este capital repousa na escala de confiança e cooperação que servem de elo entre desconhecidos (na Suécia 70% de entrevistados confiam nos outros; no Brasil, 10%). Para o Professor Edward Banfield, o ponto de partida para o baixo capital cívico é a “amoralidade dos laços familiares” que se propaga e contamina o conceito das instituições públicas.

O surto de desonestidade por que passa o Brasil induz, natural ou deliberadamente, a terrível “impressão de que a desonestidade impera e ajuda a racionalização do comportamento desonesto. Se todos são, ninguém é”. Neste ponto, cabe recorrer ao olhar do psicanalista Jurandir Freire Costa no primoroso e atualíssimo ensaio datado de 1988.

Na época, Costa afirmava: “O que vigora, hoje, no Brasil é uma razão cínica” (expressão emprestada pelo filósofo alemão Peter Sloterdijk); complementando “No lugar da indignação, produziu-se um discurso desmoralizante, que diz que toda lei é convencionalismo, formalismo, idealismo, conservadorismo”; e arrematando: “Existe um elo indissolúvel entre o político que lesa o erário público o cidadão que ultrapassa o sinal vermelho e o assaltante que mata”.

De fato, “Todos deixaram de levar em conta a lei”. Sem lei, tudo é possível. Os transgressores, igualmente, destroem o universo simbólico, a normatividade, que é o fundamento da civilização. E aí mergulham no pior dos mundos cujos atributos culturais são o cinismo que sabe o preço de tudo e o valor de nada; a delinquência que resulta do mau exemplo que vem de cima; a violência que está disseminada nos mecanismos de defesa das pessoas, refugiadas nos mecanismos de sobrevivência do “mínimo eu”; finalmente, tudo se agrega ao que Freud chamou de “pânico narcísico” que é o efeito devastador de situações em que o homem perde suas referências de equilíbrio.

Chega-se, então, a um ponto de ruptura cuja saída é a Política, ainda que portadora dos sintomas da doença social. Não há outro caminho senão vencer a paralisia com a capacidade de reação. Quem? Os cidadãos que no seu conjunto seguem responsáveis pelo seu destino e, assim, serão capazes de superar a sensação de impotência, saindo da crise, expurgando da vida pública os culpados, restaurando a confiança e iniciando uma nova era o que, segundo a conclusão de Lara Resende, “exigirá, antes de tudo, novas e exemplares lideranças, ainda que longe de estar evidentes”.

Mais do que um déficit fiscal monumental, a leitura dos artigos confirmam: os governos do PT deram uma excepcional contribuição ao déficit do capital cívico brasileiro.

Como vai o Brasil?

Gustavo Krause, | ter, 18/08/2015 - 16:18
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Henry Youngman, Judeu inglês (1906-1998), naturalizado americano, foi um violinista famoso e destacado humorista. Fazia rir com piadas inteligentes, intercalando frases curtas, nas suas performances musicais. Uma das mais lembradas: ao sair de casa, recebeu o cumprimento de um amigo que indagou: - Como vai sua esposa?- Comparada com o que? Respondeu.

A propósito, todas as conversas têm, hoje, como tema a situação do Brasil que oscila entre uma rósea visão oficial e um pessimismo assustador das pessoas. Seguindo a lição de Youngman, vamos comparar os indicadores de desempenho das nações no contexto global.

O Índice de Desenvolvimento Humano, criado pelos economistas Amartya Sen  e Mahbub ul Haq, usado pela ONU (PNUD) e que tem como critérios de avaliação: expectativa de vida ao nascer, o acesso ao conhecimento e o PIB per capita. O Brasil ocupa a 79ª posição entre 187 países avaliados.

Índice de Produtividade. Padrão de avaliação: o trabalhador americano. O trabalhador brasileiro alcança 24,1 do mencionado indicador (Conference Board); segundo dados da Universidade da Pensilvânia (1980/2008), o Brasil ocupa 130º lugar entre 151 países pesquisados. A Produtividade Geral dos Fatores é o calcanhar de Aquiles do crescimento sustentado. A média da produtividade brasileira emperrou nos últimos 30 anos. O Nobel de Economia (2008), Paul Krugman, ensina: “A produtividade não é tudo, mas, em longo prazo, é quase tudo”.

Índice de Competitividade (World Economic Forum), intimamente ligado ao de produtividade, utiliza doze critérios de avaliação e mede a capacidade de disputar mercados locais e globais. O Brasil ocupa a 57ª posição (2013/2014) entre 144 países. No item “ineficiência das instituições públicas” o Brasil ocupa a 135ª posição; no item “desperdício de recursos”, a 137ª; e em matéria de “regulamentação estatal”, o Brasil está à frente, apenas, da Venezuela.

Programa Internacional de Avaliação de Alunos da Organização para Cooperação do Desenvolvimento (PISA, trienal: 2010/2012). O programa avalia o desempenho de alunos de 15 anos em matemática, leitura e ciências. Média geral 501; média brasileira 405. Entre 65 países, o Brasil ocupa 58º lugar. Evoluiu, considerando o ano base 2000, porém os demais países evoluíram significativamente. O Brasil investe 25,7 mil dólares nos alunos de 6 a 15 anos; os países da OCDE 83,3 mil dólares.

O Mapa da Violência. Mortes matadas por arma de fogo: 1980/2012, 880 mil mortes (de 8.710 para 42.416) um incremento de 387% no geral e, quando a comparação é especifica em relação à população jovem o aumento é de 463%; a taxa de mortalidade passa de 21,9 mortes para 47, por cem mil habitantes. No período, o crescimento médio anual foi de 6,8% com tendência crescente. Regiões (2002/2012): as maiores taxas de incremento se localizam no nordeste (135%) e no norte (89,19%). A exceção é Pernambuco (-33%) e o sudeste (São Paulo e Rio, -58,7% e -50,3%, respectivamente). Nas capitais, o Recife apresenta uma redução de 50%, atrás de São Paulo e o Rio de Janeiro, o que deve ser creditado ao programa Pacto pela Vida. No contexto internacional o Brasil é o 11% país mais violento do mundo no conjunto de 90 países. São alarmantes os números dos municípios de Simões Filho (BA) com 300 mortes por cem mil habitantes e com mais de duzentas, Lauro de Freitas (BA), Ananindeua (PA), Maceió (AL) e Cabedelo (PB).

Não é de estranhar que o Brasil ofereça o pior retorno do mundo (30 países) em relação aos impostos pagos pelo contribuinte. E agora sofrendo a real ameaça de perder o grau de investimentos (bom pagador) para o de potencial caloteiro.

A lição que fica é a seguinte: as nações prosperaram porque estudaram muito, trabalharam muito, pouparam, investiram muito e as instituições sólidas puniram e punem exemplarmente os delinquentes, em especial, os criminosos de colarinho branco. 

2004: Espetáculo do crescimento ou truque?*

Gustavo Krause, | seg, 03/08/2015 - 10:16
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É voz corrente entre os analistas políticos que o PT tem um projeto de poder, mas lhe falta um projeto de governo.

Partido criado de baixo para cima, foi conquistando o poder, também, de baixo para cima: municípios, estados e a Presidência da República. Descontada a bravata como forma de sensibilizar o eleitorado, o discurso do PT encarnava a opção evangélica de preferência pelos pobres (sem muita clareza quanto à multiplicação dos pães), um moralismo fundamentalista e uma condenação inapelável aos métodos arcaicos da realpolitik brasileira.

A verdade é que o PT foi chegando ao poder e mudando. A princípio, a mudança pouco perceptível ao eleitorado nacional porque diluída entre cinco mil municípios e vinte e sete estados. Na Presidência da República, a conversa é outra. Em Brasília, a casa do poder é de material transparente; bem ou mal a nação inteira presta atenção ao que acontece; bem ou mal a mídia se curva ao poder incontrastável de sua excelência os fatos.

O que se percebe é o seguinte: governo não opera (à exceção do manejo da macroeconomia e da prática do pecado da gula fiscal); Lula carrega nas costas da biografia e da  personalidade carismática – capital perecível, porém resistente – o peso da pífia gestão e das promessas irrealizadas, mantendo bons índices de aprovação, ainda que cadentes. Por enquanto, o presidente é a âncora do governo.

No entanto, o núcleo duro do governo, como se convencionou chamar quem manda no pedaço, executa a montagem e a execução de um projeto de poder com – diga-se de passagem – irrepreensível competência.

Comecemos pela arregimentação dos recursos políticos traduzidos pelo crescimento extraordinário da base parlamentar. Digamos que não é um feito inédito. Outros governos também o fizeram, mas o PT tem duas peculiaridades: preservou a “pureza” do partido e não teve o menor constrangimento em lotear posições, permitindo que raposas tomassem conta de galinheiro e vampiros, dos bancos de sangue.

No item arregimentação de recursos financeiros, engordou os cofres do partido com a tomada do aparelho de estado pela militância (vinte e uma mil nomeações para cargos comissionados com o correspondente dízimo) e mantém uma articulação, tipo conúbio⁄Delúbio, com os interesses empresariais.

Em matéria de comunicação governamental e propaganda política de modo a arregimentar a opinião pública, a estratégia do governo é avassaladora. Além de centralizar todos recursos nas mãos de um Ministro (o Ministro da propaganda formal ou “Ministro da Verdade”, Gushiken), arma-se uma gigantesca operação de crédito, o pró-mídia, para socorrer as empresas de comunicação em dificuldades. Até aí nada demais, o risco é cair naquilo que, insuspeitamente, Dr. Octávio Frias, do alto da autoridade de quem dirigiu a Folha de São Paulo por quatro décadas, afirmou na sua entrevista de 21-10-03, concedida a AOL: “Por que criar um sistema assistencial, preferencial para os jornais, para mídia? Por que? (...) O que interessa ao governo é a mídia de joelhos”.

Todo mundo sabe, porém, que sem crescimento econômico, emprego e aumento de renda, qualquer governo está condenado à impopularidade e o projeto de poder fadado ao fracasso.

É fundamental, pois, encenar o espetáculo do crescimento. A economia em alta é o mais eficiente dos cabos eleitorais.

Ao invés do crescimento econômico sustentado, vem por aí o truque. O truque que pode ser um estelionato como foi o plano Cruzado.

Mas o parangolé está bem ensaiado. O truque consiste em embebedar o trabalhador e suas famílias com um porre de crédito e consumo, seguido pela ressaca do débito e do arrependimento tardio.

Tem crédito para tudo e todos os gostos para a felicidade geral da banca que terá sua liquidez garantida pela tradicional adimplência dos pobres ou pela consignação na folha de salários.

Os gestores do Planalto contam, em 2004, com a natural recuperação da economia que bateu no fundo do poço e com uma conjuntura internacional provavelmente favorável: economia americana com crescimento previsto de 3,7% do PIB e as economias européia e japonesa com algo acima de 1,5.

Neste sentido, é importante não perder de vista o que diz Paul Krugman: “Estimular a economia no curto prazo é supostamente fácil, desde que você não tenha de se preocupar muito com o volume de dívidas que contrai no processo”.

Pena que a grande maioria dos chefes de família brasileiros não tenham acesso aos ensinamentos do Professor da Universidade de Princenton.

*Este artigo foi publicado em 30 de dezembro de 2003 na Folha de São Paulo.

A Magna Carta e o Erga Omnes

Gustavo Krause, | sex, 10/07/2015 - 08:50
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No dia 15 de junho de 2015, a Inglaterra celebrou os oitocentos anos de existência da Carta Magna.

Éuma história comprida. Escrita em latim, com 63 cláusulas, o documento, quase milenar, éreverenciado como um marco na conquista das liberdades humanas.

A propósito, os estudiosos divergem sobre o número de cópias remanescentes  eo alcance político das regras no contexto da era medieval. No entanto, todos convergem em relação a três pontos fundamentais e que justificam a celebração universal: éum texto ancestral do constitucionalismo moderno; éa primeira fonte do devido processo legal;é, sobretudo,uma imposição do primado da lei sobre o Rei João Sem-Terra, ou seja, a partir de então, ninguém, nem mesmo o Rei, podia agir, senão em conformidade com a lei.

No longínquo ano de 1215, a cláusula 39 prescrevia: Nenhum homem livre seráperseguido ou aprisionado, ou seráprivado dos seus direitos e posse, ou posto fora da lei ou exilado, nem usaremos de força contra ele, sem o devido julgamento de seus iguais ou pela lei da terra. Mais adiante, homens livres, a nobreza minoritária frente à maioria de servos da gleba, foi substituído por ninguém. Desta forma, consagrou-se no estatuto o princípioerga omnes.

Quando se usa a fita métrica do tempo, chega-se àconclusão de que a luta contra a opressão, em favor do primado da lei, é uma luta imemorial e estána raiz das pelejas políticas pela criação de uma sociedade de cidadãos.

Lamentavelmente, não chegamos lá. A boa nova, no entanto, éque estamos caminhando. Mas o caminho éde pedras. E as pedras assumem expressões que revelam uma sub-cultura política. Quem por acaso ainda não ouviu ou foi tentado a dizer: sabe com quem estáfalando?; aos inimigos os rigores da lei, aos amigos os favores da lei; manda quem pode, obedece quem tem juízo. Em recentes episódios, dois juízes infratores deram voz de prisão a uma agente de polícia e a dois funcionários de empresa aérea que cumpriam, corretamente, seus deveres funcionais.

Este caldo de cultura foi apurado e se mantém aquecido pelo autoritarismo que rege, desde as estruturas familiares o patriarca; as relações sociais hierarquizadas o dono, o chefe, o branco; ao sistema político no qual o autoritarismo se mimetiza naoligarquia, no clientelismo, no familismo e no mais nefasto e arraigado dos vícios que éo patrimonialismo.

Com efeito, este vício o patrimonialismo brota no lodo que enlameia a suposta igualdade formal e a desigualdade real na efetiva aplicação das leis onde prevalece o princípio Orwelliano (a Revolução dos Bichos, consagrada sátira ao totalitarismo soviético), segundo o qual, ao sétimo mandamento original Todos os animais são iguais, acrescentou-se mas alguns são mais iguais do que outros. Ao final, o porco Napoleão, líder da revolução, engana a todos e com sua turma de suínos brindam a prosperidade, jogando carteado com os ex-inimigos humanos Frederick e Pilkington.

Em Os donos do Poder, Raimundo Faoro fez o mais completo estudo sobre o patrimonialismo. A releitura de Faoro coloca o Brasil contemporâneo diante do espelho: Dominante o patrimonialismo, uma ordem burocrática, com o soberano sobreposto ao cidadão, na qualidade de chefe para o funcionário, tomarárelevo a expressão. Além disto, o capitalismo, dirigido pelo estado, impedindo a autonomia da empresa, ganharásubstância, anulando a esfera das liberdades públicas, de livre contrato, livre concorrência, livre profissão, opostas todas aos monopólios e concessões reais.

E na linha da promiscuidade entre o público e o privado, Faoro adverte: [...] Para isso o estado se aparelha [...] O funcionário estáem toda parte dirigindo a economia, controlando-a [...] O cargo confere fidalguia e riqueza. A venalidade acompanha o titular [...] Tudo étarefa do governo, tutelando os indivíduos, eternamente menores, incapazes [...] A expressão desta comédia se revela numa arte, cultivada às escondidas: a arte de furtar.

Contra a exímia arte de furtar, o Estado Democrático de Direito se realiza em duas vertentes: valendo para todos no resguardo do direito de defesa e valendo para todos, exercendo a função punitiva aos comprovadamente culpados.

P(L)ADRÃO FIFA

Gustavo Krause, | ter, 23/06/2015 - 09:25
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Tudo começou, indicam pesquisas abalizadas, entre os anos de 1830 e 1860. Neste período, existiam mais de setenta equipes inglesas de futebol com regras específicas para cada local.

Somente em 1863, após um encontro (Freemasons Tavern) de representantes de clubes e escolas, foram criadas a Football Association e um comitêcom a tarefa de uniformizar as regras, como, de fato, foram (14) e tornadas públicas na edição de 08 de dezembro de 1863 do jornal Bell Life.

No dia 21 de maio de 1904, por obra e graça de quatro amigos, veio ao mundo um bebêa FIFA predestinado a crescer sem parar atése tornar um monstro do tamanho do mundo. Entre eles estavam o primeiro presidente, Robert Guérin, e o mais longevo presidente, Jules Rimet, (1921-1954), seguido por Stanley Rous (1961-1974), Havelange (1974-1998), Blatter (1998-2015), e os sete países fundadores (Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Suécia, Suíça e Alemanha). Curiosamente, uma reticente Inglaterra aderiu em 1906. Em 107 anos de existência a Fifa foi comandada por, apenas, oito presidentes.

Sem limitações para alternância e um crescimento monumental de poder, a bola” seria, inevitavelmente, o caminho da perdição.

Com efeito, o ponto de inflexão foi a década de 70. Havelange marcou o golaço da globalização. A pequenina FIFA instalada no modesto escritório em Zurique e tocada por 12 funcionários, hoje gasta, US$ 397 milhões com 474 funcionários.

Com desmedido orgulho, Havelange se referia àFIFA como a maior multinacional do mundo, proclamando números espetaculares: 210 países filiados (mais que a ONU), mais de 300 mil clubes, cerca de 150 milhões de jogadores, mais de 500 milhões de pessoas vivendo direta e indiretamente do futebol.

De organizadora e gestora, a FIFA passou a ser dona e mandona do maior espetáculo da terra, um negócio planetário com audiência acumulada que oscila entre 30 a 40 bilhões de telespectadores (saltou de 5 bilhões na Copa de 1982 para 37 bilhões na Copa de 1994). Do casamento do futebol com a televisão, disse Havelange a Blatter: Vocêcriou um monstro. Juro que não entendi.

Agora, o mais importante: o tamanho da grana que rola solta noabarrotado cofre da FIFA. Em 2008, diziam os gestores que a reserva da entidade era zero. Como me considero neto da velhinha de Taubaté, acredito em milagre. Vamos a ele.

De 2011 a 2014, o relatório da FIFA registra um recorde de receita no valor de US$6,4 bilhões e uma reserva US$1,5 bilhão. Pudera, a Copa de 2014, a mais cara da história, ultrapassou a soma das Copas do Japão/Coreia, da Alemanha e da África do Sul.

Das fontes permanentes de receita, a FIFA conta com 14 patrocinadores classificados em três faixas de valores: seis parceiros (pagam entre US$24 a US$49 milhões) cujas marcas são exibidas em todos os eventos organizados pela entidade; oito patrocinadores (pagam entre US$10 e US$25 milhões), as marcas são exibidas nas Copas do Mundo e das Confederações; apoiadores nacionais (pagam entre US$4,5 e U$7,5 milhões), as marcas são exibidas no país sede (foram oito na Copa de 2014).

Um erro fatal detonou o escândalo da roubalheira: os espertalhões esnobaram os EUA e brincaram com o fisco americano. Aílascou.

A rigor, não hásurpresa. Em excelente artigo (edição de 5 de junho do JC), o Professor Tulio Velho Barreto mencionou quatro livros cujo enredo éo lado sujo do futebol.

De outra parte, poder e corrupção, ensina a experiência histórica, são irmãos; quanto maior, poder e corrupção passam a ser irmão siameses; e quando o poder éexercido sem obedecer aos controles institucionais, poder e corrupção se fundem numa entidade maligna.

Caso o triste episódio da colossal roubalheira não puna exemplarmente os culpados e introduza na entidade eficazes mecanismos de controle e responsabilização, restarão a conhecida lição de Lord Actono poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente; e uma lamentável conclusão: o Brasil incorporou o padrão FIFA.

Os ratos, a caloura e o bundalêlê

Gustavo Krause, | seg, 08/06/2015 - 09:37
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No dia 9 de abril, quarta-feira, o senhor Marcio Martins de Oliveira soltou cinco roedores no plenário da CPI da Petrobras logo depois que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, entrou no local para prestar depoimentos.

Dizem os especialistas no assunto que eram dois hamsters (sem rabo) e três esquilos-da-Mongólia (vendidos em Brasília a R$ 30, oito reais acima do mercado), ou seja, animais da espécie de roedores que não podem ser chamados de ratos. Taí uma discussão que não tem a menor importância. Simbolicamente, são ratos assim como são ratos, os humanos que roem o tesouro público, infectam o ambiente social, corroem  costumes, leis e instituições. Entre gritinhos de espanto e uma caça feroz, os pequeninos seres cumpriram a missão, deixando a seguinte mensagem: quem com roedores se misturam em ratos bípedes se transformam. 

Para mim, indiferente que fossem da família dos ratus ratus (rato-preto), rattus novergicus (ratazana ou rato-de-esgoto), mus musculus (catitas) ou de outra qualquer família. São animais perigosos porque inteligentes. Porém,éforçoso reconhecer que são animais benfazejos quando imolados em experiências científicas para salvar vidas humanas. Seria injusto, também, não confessar meu especial especial carinho pela criação de Walt Disney: o Mickey Mouse, sua namorada, Minnie e seus amigos inseparáveis, Pateta, Pluto e Pato Donald. Mais injusto ainda, não ser grato ao rato tecnológico, o mouse, nosso guia nos passeios cibernéticos.

Agora, o rato bípede, este sim, tem feito um mal danado ao Brasil. Maior do que a transmissão da bubônica, do tifo, da toxoplasmose e do prejuízo àprodução de grãos (algo em torno de seis bilhões de reais), éa malignidade da nova espécie, o rattus rattus brasiliensis: devora a vergonha nacional e a esperançade um Brasil melhor.

De fato, o Parlamento que deveria ser o palco onde se manifesta, plenamente, a democracia representativa, transformou-se num teatro de horrores.

Diante do noticiário televisivo (12 de maio), dou de cara com uma cena de programa de calouros (sem ofensa aos programas). Um choque. Aliás, perdão pela palavra chula, assisti à esculhambação que se supera a cada dia: a doleira, Nelma Kodama, condenada a 18 anos de prisão por uma penca de crimes cometidos, nega que tenha carregado euros na calcinha (falta de espaço); ato contínuo, de costas para o plenário, bate no bumbum, para ilustrar que guardou a grana no bolso traseiro da calça (comprida, éclaro) e, com um sorriso cínico, entoa o hit de Roberto Carlos, amada amantepara ilustrar o amor demais amigo, sem preconceito e sem saber que édireitoque viveu com o delinquente Alberto Youssef. Não mentiu. Junto com ele, fizeram suas próprias leis.

Pensei que aquela seria a cena final da encenação de horrores a que somos obrigados assistir e conviver. Puro engano. E desta vez, a vítima foi uma das paixões nacionais: a bunda. E por ser uma paixão nacional deve ser encarada com elevação e respeito.

Na arte, o tema remonta a escultura grega (Afrodite) e romana (Vênus), exposta em diversos museus. Nelas, a Vênus Calipígia retrata a deusa do amor e da beleza com nádegas protuberantes por obra e graça de Zeus em troca de prazeres ilícitos.

Na sociologia e na antropologia, ninguém menos do que Gilberto Freyre escreveu notável ensaio intitulado, Bunda, paixão nacional, em que destaca a ondulada anatomia  das afro-brasileiras, objeto de admiração e de ardente desejo do brasileiro (v. Revista Playboy, n. 113, dezembro de 1984).

Tem mais: o recatado Drumond, na obra postumamente publicada em 1992, O amor natural, compõe o poema,Bunda, que engraçada, no qual verseja: A bunda são duas luas gêmeas em rotundo meneio/anda por si na cadência mimosa/ no milagre de ser duas em uma, plenamente. O recatado e genial Drummond temia que o sensual/erótico fosse confundido com o pornográfico. Tinha razão. Que o diga a vulgaridade do "tchan" e das "popozudas".

Pois bem, um moleque da força sindical na sessão do Congresso Nacional do dia treze de maio, em protesto pela aprovação da MP 664, baixou a calça e praticou o ritual do bundalêlê. Cena repugnante de um cretino que profanou a paixão nacional. Enfim, um bundão!  

Um Cochicho

Gustavo Krause, | seg, 18/05/2015 - 10:33
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Se eu dissesse a Clávio que ia escrever a orelha do seu livro, ele diria:

Orelha? Nem pensar. É a parte mais feia do corpo humano, faz parelha com o nariz e enfeia ainda mais o cabra velho, já feio.

Então Clávio, argumentei, que tal uma conversa de pé-de-ouvido, um cochicho, sussurros, irreverências compartilhadas, causos que você foi mestre em contar?

Ele assentiu  com um sorriso maroto.

Desta vez, ouça, sem direito à réplica. E aí mandei o verbo sem a amargura do artigo Clávio, doeu demais.

Clávio, sua passagem pela vida foi luminosa, tão luminosaenfatizei que a luz continua acesa. Descobri de maneira simples: lembrando-me dos nossos encontros. Sempre em festas, no Paraquedista Real, nos encontros boêmios regados a salivas temperadas com uma cervejinha e com um detalhe que sempre me chamou a atenção: você e Iana, sempre juntos, formavam uma dupla de marido e mulher que ia muito além do lugar comum o "casal perfeito". Eram muito, mas muito mais que isso. Vocês formavam uma autêntica fusão, uma unidade espiritual, carnal, afetiva e divinamente indissolúvel, tanto assim que a morte não os separou.

Não sou um herético: foi Deus quem uniu.

De verdade amigohoje olho para Iana, penso em Clávio, ali juntos, de mãos de dadas; encontro Iana, vejo Clávio de mãos dadas para além do sempre. E ali, fiat lux, a luz acendeu quando a compreensão mútua enxergou que o famoso boêmio era, tão somente, um brincante com a liberdade. Boemia e liberdade são irmãs gêmeas e, se forem, assim entendidas, estará selado um pacto de verdade, prazeres mútuos, e  alegria de viver sob o pálio da força do amor que se desdobra nos nobres sentimentos da amizade e do companheirismo.

O meu cochicho Clávio é para dizer que a moça prendada que conheci na Torre, ainda adolescente, transformou-se na mulher de beleza e elegância aprimoradas pela maturidade, com o passar dos anos, e capaz de dar, como deu e recebeu, amor sem conta.

Você conheceu de perto tenho certeza a força solidária de sua mulher nos momentos de sofrimento e agonia que eram enfrentados sem uma compreensível palavra de descrença ou revolta frente aos mistérios do Destino. A sua vontade de viver encarou corajosamente a frieza das Parcas.

Sua luz se derrama não somente sobre ela, mas sobre seus filhos, netos de sangue ou apesar do sangue, conquistando cada um deles com mimos, gentilezasessa carência universal, ora contando histórias, ora extravasando o menino que você nunca deixou de ser, ora com o agrado diário de colocar na bolsa de Iana um Sonho de Valsa, a guloseima que lhe adoçava o paladar e temperava o gosto pela vida.

 

Vocêcom um jeito único de ser, foi um elo que não sóaglutinou como deu  sentido especial a um núcleo gerador de gente capaz de viver e conviver, chamado família.

Vou terminar o cochicho. Este livro tem coautores: a família ampliada e um contingente de amigos com quem você divide uma saudade que, quando pende para tristeza, basta contemplar o seu semblante perpetuado por Fernando Florêncio. 

Agora, não é mais conversa em tom confessional. Com a palavra, filhos, filhas, netos, abrigados em justas e igualitárias glebas no latifúndio cardíaco de Clávio, recitando em harmonia de jogral, uma prece de louvor e gratidão.

De resto, ficam o livro de sentimentos, gente vivendo de saudade e...VOCÊ, INTEIRO!

PS. Este texto integra o livro 60 crônicas e uma petição de autoria de Clávio Valença (In memoriam), lançado no sábado, 16/5, no restaurante D. Pedro.

Cícero e o Futebol

Gustavo Krause, | qua, 22/04/2015 - 19:43
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Cícero não éo jogador que ganhou destaque no Santos, Fluminense e, atualmente, corre atrás da bola no Al-Gharafa do Catar.

Seu nome épomposo Marcus Tullius Cícero. Nasceu na Itália no longínquo janeiro do ano 107 a.C e morreu assassinado por conta das artes da política em dezembro do ano 44 a.C.

Era dotado de fulgurante e versátil inteligência. Escritor, poeta e filósofo introduziu na língua latina a prosa filosófica dos gregos. Seguidor de Platão, é autor de Da República, Das Leis, Da Natureza dos Deusese, entre outras obras, um livro notável sob a forma de diálogo sobre a velhice (De Senectute) no qual revela a contagiante sabedoria dos estoicos.

Porém, apesar da imortalidade garantida como pensador, manteve-se vivo e influente atéos dias atuais por conta de sua conduta como político e, sobretudo, como advogado e orador imbatível.

Os bacharéis em direito da minha e de gerações anteriores enfrentavam nas provas de vestibular, português, inglês ou francês, e o latim (no ano em que prestei vestibular, duas matérias foram adicionadas história e filosofia e as Catilinárias substituídas pela monumental obra Corpus Juris Civilis que, por ordem do Imperador Jusitiniano, e concluída em 530 da era cristã, salvaguardou para a posteridade o maior feito do Império que foi o Direito Romano).

E o que eram as Catilinárias? Uma coletânea de quatro discursos de Cícero que destruiu a conspiração de Lucio Sérgio Catilina, um político que encarnava a conjuntura romana da época, marcada por uma corrupção endêmica, estrelada por uma geração de jovens precocemente corruptos, sem o mínimo zelo com a dignidade pessoal e dispostos a satisfazer ambições inconfessáveis na busca de acumulação de riqueza e da fruição dos prazeres mundanos (uma advertência: estamos falando de Roma, logo qualquer semelhança com nações modernas émera coincidência).

Pois bem, os estudantes que almejavam transpor os umbrais das faculdades de direito eram obrigados (e treinados) para ler, traduzir e fazer análise sintática da língua morta/viva, de enorme complexidade. Caso contrário, seriam reprovados.

Éfamosa e conhecida a abertura dos discursos: Atéquando, Catilina, abusarás da nossa paciência?Mais uma vez, mera coincidência com personagens vivos e buliçosos.

Depois de ocupar, muito jovem, os cargos de Questor (espécie de gestor fiscal), Edil, Pretor e eleito Consul (43 anos) e derrotar Catilina, Cícero recebeu o título de Pai da Pátria, Libertador e Fundador da Nova Roma. No entanto, pagou com a própria vida pela conduta reta e ilibada: foi cruelmente assassinado pelos asseclas de Marco Antonio.

Não bastassem as obras e os exemplos, Cícero nos deixou uma admirável síntese que érecorrentemente citada em palestras e aulas sobre a gestão pública: O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentosa governos estrangeiros devem ser reduzidos se a Nação não quiser ir àfalência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública(ano 55 a.C).

Cai o pano. 2015, d.C, A Presidente Dilma corretamente veta um malsinado projeto de lei sobre o futebol brasileiro e emite a MP 671 que Instiui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais, e dáoutras providências.

Quem se der o trabalho de ler detidamente os 37 artigos da MP compreenderáa atualidade de um texto que tem mais de dois mil anos. A MP pode se tornar um marco na lenta evolução institucional do futebol e reverter a vergonhosa situação a que chegou a grande paixão nacional.

Apesar dos avanços, a MP corre um risco e tem um pecado capital.

O risco éser destroçada por interesses subalternos e pressões ilegítimas na tramitação congressual. Seráuma luta inglória se a sociedade não se mobilizar, especialmente os que lidam direta ou indiretamente com o futebol, o maior espetáculo da Terra.

O pecado: a MP não trata de uma questão vital que éa distribuição, minimamente equânime, das cotas de televisionamento, entre as entidades desportivas profissionais.

Caso as bancadas do atraso vençam, o placar permanecerá: Alemanha 7x Brasil 1.

A Política da Prudência

Gustavo Krause, | seg, 06/04/2015 - 09:57
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Este é o título da magnífica obra cujo autor foi e continua sendo um dos mais influentes pensadores do século XX. Gigantesca no tamanho e apurada na qualidade, a produção intelectual de Russell Kirk (1918-1994, nascido em Michigan) nos deixou 3.000 artigos de opinião, 814 artigos acadêmicos, 255 resenhas de livros, 68 prefácios, 23 coletâneas de ensaios, 3 romances e 22 contos reunidos em 6 livros. A Política da Prudência (1953) reúne 18 conferências ministradas na Heritage Foundation, editada antes do seu falecimento e lançada no Brasil pela È Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda, em 2014.

A pergunta é inevitável: por que um autor de tão vasta e importante obra somente agora é editado no Brasil? Se fosse brasileiro, Kirk não teria uma trajetória reconhecida merecidamente pelo simples fato de ser conservador, embora o mais notável descendente da prole cujo pai é o irlandês Edmund Burke (1729-1797, autor do clássico Reflexões Sobre a Revolução em França, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª Ed. 1997).

Conservador? No Brasil, a sub-cultura política tem aversão ao debate. Prefere substituir o embate das ideias por uma rinha de galos de briga. As rotulagens pejorativas buscam desqualificar os debatedores. Kirk seria acusado de imobilista, reacionário e, no limite, associado à direita truculenta e autoritária. Não faltaria o troco, não por parte de Kirk que era, sobretudo, um gentleman. Porém, os autores das acusações escutariam a réplica idiota: comunistas, stalinistas e outras etiquetas “ofensivas”.

Pois bem, a abertura intelectual de Kirk e sua virtuosa tolerância o fizeram admirado pelos que discordavam de suas ideias. Não faltaram convites para integrar governos republicanos e democráticos. Convidado por Ronald Reagan, deu uma resposta bem-humorada: “como você deve me odiar para tentar me transformar num burocrata”.

Com efeito, Kirk preferiu remar contra a maré e apontava com sólida argumentação na direção de “negação de ideologia” e do “consenso liberal americano”.

Sobre ideologia, afirmava: (...) A ideologia não significa teoria ou princípio (...) Inverte as religiões (...) O que a religião promete ao fiel numa esfera além do tempo e do espaço, a ideologia promete a todos na sociedade – exceto aos que forem liquidados no processo”.

De outra parte, no seu livro A Mente Conservadora, prestes a ser lançado no Brasil, Kirk emitiu um tom inteiramente dissonante sobre o consenso liberal americano seja a visão do liberalismo clássico, seja a visão do “liberal” significando a tendência mais à esquerda “progressista”, não marxista.

A partir da lógica conservadora, ele enumera os seis cânones da doutrina, aqui, expostos resumidamente: (I) A crença em uma ordem transcendente, ou corpo de leis naturais que rege a sociedade, bem como a consciência; (II) Defesa da prolífera variedade e mistério da vida humana em oposição à uniformidade limitada, ao igualitarismo e aos propósitos utilitários dos sistemas radicais; (III) A convicção de que a dinâmica de uma sociedade civilizada requer ordem e classes em oposição à noção de uma “sociedade sem classes”; (IV) Propriedade e liberdade estão intimamente relacionadas e a supressão de um desses pilares da sociedade abre espaço para o Leviatã absoluto e para a utopia da igualdade econômica que não significa progresso econômico; (V) Resistência aos projetos abstratos de sociedade, obra de “sofistas, calculistas e economistas”, opondo como freio, os costumes, a convenção e usos consagrados; (VI) Obedecer aos ditames da prudência, a maior virtude do político, diante da mudança caracterizada como inovação precipitada que produz a conflagração em vez da tocha do progresso.

A rigor, a essência do pensamento kirkeano não pode se compreendida como uma doutrina política, mas como um estilo de vida, forjado pela educação e pela cultura. Todavia, é procedente afirmar que, no campo das ideias e das práticas políticas, os seguidores do conservadorismo kirkeano se opõem às mudanças radicais, revolucionárias, à perfeição das utopias, adotando uma visão realista, gradual, progressiva propondo a reforma como caminho inovador e transformador. É, em síntese, um moderado diante da fúria dos extremos e das sequelas das rupturas.

Por aqui, seria acusado de reacionário e, decerto, responderia com a fina ironia de Nelson Rodrigues: “Sou reacionário. Reajo a tudo que não presta”.

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