Um aumento na publicação e a explosão da literatura juvenil fazem do Brasil um país em plena efervescência literária. A escritora Ana Maria Machado analisa que lugar o livro ocupa no Brasil, convidado de honra do Salão do Livro 2015 de Paris.
P: Em que se caracteriza a literatura brasileira em comparação com seus vizinhos da América Latina?
##RECOMENDA##R: A literatura brasileira é particular, em primeiro lugar, porque é escrita em português. Viemos de uma tradição levemente diferente, apesar de ser ibérica. Por exemplo, o realismo mágico, que tanto marcou a literatura hispânico-americana, não é tão frequente em nosso país. E isso embora o primeiro (a fazê-lo) tenha sido um brasileiro, Machado de Assis, que escreveu no século XIX "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Temos uma tradição em geral mais realista, com o realismo social de Jorge Amado desde os anos 30 e, posteriormente, o realismo psicológico. Mas o que mais nos caracteriza hoje em dia é uma grande diversidade de vozes. Trata-se da primeira geração verdadeiramente alfabetizada em todo o país e há uma eclosão de novas vozes, de gente que escreve sobre as cidades com uma diversidade de experiências urbanas. É difícil medir onde isso vai nos levar, mas este fenômeno de efervescência é muito emocionante.
P: Este fenômeno se traduz em uma explosão no número de livros publicados?
R: Há um maior número de títulos publicados, e publicamos mais na internet que nos jornais. Na lista de escritores que vêm ao Salão do Livro de Paris há um grande número de jornalistas que reuniram seus artigos em um livro, ou que escrevem romances com esta experiência da escrita do dia a dia. Isso leva a uma escrita por vezes fragmentada, com uma linguagem muito viva, muito realista, e um apego às questões urbanas. Tivemos uma urbanização quase selvagem, devido à rapidez com que foi feita, e todos estes problemas aparecem nos livros.
Além disso, há muitos leitores jovens e a literatura juvenil está muito desenvolvida no Brasil, tanto pela qualidade quanto pelo número de escritores. Houve a partir dos anos 1990 um programa do governo que permitiu comprar livros juvenis para distribui-los pelas bibliotecas das escolas. Isso desenvolveu muito este setor do mercado.
P: Que lugar o livro ocupa na sociedade brasileira?
R: Saltamos da cultura oral à cultura audiovisual e eletrônica sem verdadeiramente fazer uma parada significativa na etapa de Gutenberg.
A sociedade brasileira sempre foi muito desigual. Isso teve consequências na educação em geral. As pessoas vêm de famílias nas quais não havia livros. Não tivemos bibliotecas suficientes. A leitura não era valorizada e há esterótipos negativos sobre as pessoas que leem.
Atualmente, há quase uma biblioteca em cada município. Mas as bibliotecas sofrem no Brasil. As pessoas não têm o costume de ir e não sabem o que se pode encontrar em uma biblioteca. Não é um espaço de ócio ou de descoberta, mas simplesmente um lugar onde os alunos fazem seus deveres.
Apesar disso, devemos ter esperança e continuar trabalhando para divulgar o livro.
Declarações recolhidas por Emmanuelle Trécolle