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O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem evitado dar declarações sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. No entanto, o pouco que tem falado sobre demonstra um certo alinhamento do mandatário brasileiro com os russos. 

O cientista político Henrique Lucena detalha que nos fóruns internacionais, o Brasil tem tomado posição de condenar a invasão russa e ressalta que os interesses russos devem ser atendidos. 

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No entanto, o cientista acentua que o presidente Bolsonaro tem causado problemas para a diplomacia brasileira, já que as suas declarações dão a entender que ele está mais alinhado com a posição russa. 

"A diplomacia brasileira faz uma coisa e o presidente termina fazendo outra. É tanto que, na mídia russa, as falas de Bolsonaro recentemente, foram repercutidas como uma espécie de aval às ações militares que Moscou está fazendo. Isso é muito ruim porque acaba gerando um maior atrito com os países ocidentais e o Brasil pode ficar mais isolado nesta matéria", diz Lucena.

O especialista assevera que, basicamente, quem está apoiando a guerra da Ucrânia pela Rússia são justamente as autocracias alinhadas com Moscou como Venezuela, Cuba, Irã e Coreia do Norte. O Brasil termina ficando com essas falas de Bolsonaro em uma situação bastante sensível e de vulnerabilidade de receber pressões internacionais dos ocidentais.

O cientista político Jorge Oliveira Gomes pontua que faltou estratégia do presidente Bolsonaro quando decidiu se encontrar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no momento onde a tensão já havia sido instaurada. 

"Bolsonaro agora finge que não fez uma visita diplomática amigável e num tom de anuência a um líder que, uma semana depois, invadiu de maneira ilegítima um país soberano", aponta Jorge.

Ele detalha que é tradição brasileira manter neutralidade nos conflitos que acontecem pelo mundo, mas não combina com um governo tão radicalizado como é o governo de Jair Bolsonaro. "As autoridades têm dificuldade de manter uma postura adulta e dão declarações sensíveis, como foi o caso dos comentários pouco discretos e emocionais do vice-presidente General Mourão sobre o conflito", lembra.

No dia 24 deste mês, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a soberania da Ucrânia e apoiou o uso da força pelos ucranianos e chegou a comparar o presidente russo ao ditador alemão Adolf Hitler.

"O mundo ocidental tá igual ficou em [19]38 com o Hitler, na base do apaziguamento, e o Putin não respeita o apaziguamento", afirmou ele a jornalistas em frente ao Palácio do Planalto. "O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que respeita a soberania da Ucrânia", complementou.

No mesmo dia, o chefe do Executivo brasileiro desautorizou a fala de Mourão e fez questão de ressaltar que “quem fala sobre esse assunto é o presidente, e o presidente se chama Jair Messias Bolsonaro”, declarou.

O estudioso Henrique Lucena pontua que o Brasil manter uma neutralidade é bom para não sofrer possíveis sanções internacionais. "O Brasil ficar nesse meio termo é uma estratégia para evitar grandes problemas, ou seja, sofrer sanção. Apesar que ela é improvável de acontecer agora porque o prejuízo com as sanções russas está sendo muito grande e o ocidente está tentando suportá-las", finaliza.

Com a saída anunciada de Rodrigo Maia do Democratas, cientistas políticos avaliam que o deputado federal pode encorpar uma oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que pode dificultar a aprovação de pautas do Executivo na Câmara dos Deputados.  

Alguns partidos já sondam o deputado, entre eles o PSL e o PSDB.

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A saída de Maia do Democratas acontece depois que ele foi traído por uma ala de seu próprio partido que abandonou o bloco de Baleia Rossi (MDB), apadrinhado pelo Rodrigo para a eleição da Câmara, e favoreceu a vitória de Arthur Lira (PP), candidato de Bolsonaro.

“Rodrigo Maia vai para oposição identificado como alguém que, mesmo tendo perdido a eleição da Câmara, mostrou que tem uma capacidade muito grande em fazer articulações políticas, em conversar com forças políticas das mais diversas linhas partidárias, é alguém que transita com facilidade em diversas regiões - ele conversa com políticos do Nordeste assim como conversa com políticos do Sul e Sudeste”, analisa a cientista política Priscila Lapa.

Ela aponta que Rodrigo pode puxar uma oposição menos óbvia ao governo Bolsonaro, sendo uma oposição menos ideologicamente posicionada, que seria mais neutra. 

Para o professor da Universidade da Amazônia (Unama) e cientista político Rodolfo Marques, Rodrigo Maia perde espaço na Câmara dos Deputados, mesmo que ele tenha uma boa interlocução com vários setores econômicos e políticos do Brasil. 

“Ele perdeu a supremacia do cargo tão importante que é a presidência da Câmara e agora ele passa a ser apenas mais um deputado federal. Ganhou muitas experiências e contatos nos últimos cinco anos e meio que ficou à frente da Câmara dos Deputados, mas isso acabou”, explica Marques.

O professor reforça que Maia na oposição pode liderar um processo para dificultar as votações de pauta do governo. “Mas eu acredito que o poder do centrão, das verbas que o governo federal está repassando para determinados grupos de parlamentares tendem a ter uma vantagem maior nesse conflito. Rodrigo Maia perde força, espaço, embora continue sendo um ator relevante a ser observado”, pontua.

Alguns partidos já sondam o deputado, entre eles o PSL e o PSDB.

Diante do aparente despreparo do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) para lidar com as consequências socioeconômicas da pandemia da covid-19 no Brasil, o LeiaJá conversou com cientistas políticos para analisar a estratégia do Governo Federal, que contraria as diretrizes das autoridades de saúde mundial. Sem força política, ou ao menos orientação técnica, Bolsonaro pediu que escolas e o comércio fossem reabertos, pondo em risco a vida de brasileiros.

“O mundo e a razão estão totalmente contrários a essa linha do presidente”, avalia a cientista Priscila Lapa. Para ela, o enredo de enfrentamento adotado pelo mandatário é fruto da pressão feita pela ala empresarial, como complementa o também especialista Elton Gomes. "Vendo que os impactos da quarentena trariam um risco muito grande para perder apoio do empresariado e dos autônomos, ele resolveu jogar dos dois lados. Ao mesmo tempo que, através do ministro da Saúde, ordena o lockdown; no pronunciamento que fez ontem à noite disse que isso devia acabar”, pontuou, antes de continuar: “mas a gente precisa saber até que ponto ele consegue conciliar essa guerra em duas frentes. Porque uma é a realidade objetiva e científica, e outra é a realidade política".







Outra questão que interferiu na mudança de posicionamento do presidente foi o resultado do seu desempenho em relação à pandemia. Conforme o levantamento divulgado pelo Datafolha nessa terça-feira (25), apenas 35% da população estima que sua postura é boa ou ótima. Dessa forma, Bolsonaro teve o ego suprimido com a perda do protagonismo político para os governadores que, desalinhados com o presidente, vêm mantendo as restrições preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E em troca, foram atacados, junto com a imprensa.

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A integridade dos brasileiros em uma mesa de apostas

Com a saúde dos brasileiros em negociação, Elton Gomes classifica as declarações recentes de Bolsonaro como uma “aposta muitíssimo arriscada”. Assim, Bolsonaro apresenta-se como defensor dos pequenos empresários e autônomos estimulando o retorno da ‘rotina normal’, mas acaba se preocupando em apontar novos culpados para a incapacidade da sua gestão. Na visão do especialista, o presidente tenta “eximir o Governo Federal de assumir o ônus político pela quarentena e seus devastadores efeitos sobre a economia. Ele atribui a culpa das medidas restritivas aos governos locais”.



Gomes reforça que esse distanciamento proposital é uma forma de afastar a gestão federal dos impactos causados pela crise de saúde. “Ao minorar a pandemia e confiar que ela logo vai se dissipar, sem nenhuma evidência concreta, Bolsonaro tá partindo para o tudo ou nada. Suas ações de presidente são de um apostador ousado, que arrisca tudo com o objetivo de ser totalmente vitorioso ou fragorosamente derrotado”, afirmou.

Cenário (não) ideal para se vitimizar

A cientista Priscila Lapa reforça que desde o início do surto, o presidente desacreditou do potencial da infecção e, inclusive, chegou a afirmar que não passava de uma “gripezinha”. “Em nenhum momento a estratégia foi a de integrar esforços. Em todos os momentos, ele se portou como algo isolado falando por si mesmo”, identificou Lapa, que prosseguiu citando a discordância com a pasta comandada por Luiz Henrique Mandetta: “ele sempre estava deixando escapar muito mais opiniões de cunho pessoal e ideológico do que propriamente um discurso tecnicamente orientado, destoando completamente da fala do ministro da Saúde”.

Assim, um cenário dúbio acabou sendo exposto com o choque de recomendações e a tentativa de vitimização do presidente. “As determinações colocadas pelo ministro da Saúde são relativizadas e o presidente ao mesmo tempo que manda que essas medidas sejam tomadas, critica e posa como perseguido”, concluiu o cientista.

A cinco meses das eleições presidenciais, os brasileiros estão tendo que absorver discursos e defesas diferenciadas de 16 nomes que já se colocaram para a disputa, considerada por estudiosos como a mais fragmentada desde 1989. A retórica dos pré-candidatos tem perpassado por temas como a efetivação de reformas, entre elas a da Previdência, questões indígenas, ambientais e de moradia, além das empresariais e de cunho mais conservador. 

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Entretanto, apesar da disposição dos pré-candidatos em apresentarem suas posturas nas andanças que têm feito pelo país, o desafio inicial deles quanto a absorção dos seus discursos, de acordo com a cientista política Priscila Lapa, é lidar com o “total desligamento do eleitor” e o “distanciamento da sociedade” com a classe política.    

Sob a ótica da estudiosa, com o espaço de tempo que ainda falta para a campanha eleitoral, a população ainda não está “prestando atenção” nos discursos dos presidenciáveis. Por outro lado, ao analisar o impacto das falas dos postulantes ao cargo de presidente da República a partir do início do período de campanha, ela ponderou que a expectativa será pela transformação das múltiplas exposições feitas em propostas concretas. 

“Quando falamos de eleição presidencial cabe tudo, desde as questões econômicas até as morais. Na última, por exemplo, teve um debate sobre o aborto. No contexto atual, que é um diferencial, as pessoas estão naquela de vamos ver onde tudo isso vai dar, ou seja, se o discurso se sustenta com propostas mais consolidadas ou não”, argumentou.

Como exemplo, Lapa pontuou a retórica do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que aparece em segundo lugar nas intenções de votos. Segundo ela, ainda não há uma proposta clara do pré-candidato. 

“Ele apresenta seu discurso, fala um monte de coisas, mas não consegue concretizar nada, não há uma proposta clara. O desejo de uma proposição viável e concreta que vá além da fala é uma característica apreciada pelo eleitor”, ressaltou a cientista política.

A advertência de Lapa pela ausência de propostas concretas também foi exposta pelo cientista político Antônio Henrique que, além disso, salientou que o nível de fragmentação dos discursos “deixa os votos mais pulverizados pelas diversas matrizes políticas e pensamentos econômicos” apresentados. 

Na análise do estudioso, a possibilidade de sucesso eleitoral é para o postulante que alinhar seu discurso com os anseios do chamado “eleitor mediano”. “Com este nível de fragmentação relativamente elevado a população pode ficar perdida, sem identificar exatamente a centralidade da candidatura de um presidenciável especificamente. A única certeza que nós temos, por hora, é que esta eleição é de dois turnos, por causa desta fragmentação elevada. Neste sentido, o candidato que tem maior chances de vencer o pleito eleitoral é aquele que vai se alinhar ao eleitor mediado, seus anseios e interesses”, explanou. 

Para Henrique, o presidenciável “que ficar colado a algum tipo de elite ou defenda a alguma área específica” deve ter poucos votos. “Qualquer candidato que passar esta imagem de rico, ligado a população mais abastada do Brasil, tende a ter uma quantidade de votos diminuída”, observou, citando o pré-candidato do Novo, João Amoêdo. 

“Assim como também os que defendem a redução de direitos, como por exemplo o caso da reforma trabalhista. Isso, inclusive, explica porque que a reforma da Previdência não conseguiu passar no Congresso ainda este ano, por ser muito mal avaliada, apesar de ser necessária para a manutenção da saúde e da conta do estado”, complementou o cientista político. 

Debate que predominará o pleito

Apesar das identidades defendidas pelos presidenciáveis, o cientista político Elton Gomes acredita que durante o debate eleitoral no período da campanha será predominado por dois pontos: segurança pública e corrupção. 

“Os discursos para candidaturas majoritárias passam pelo entendimento da classe econômica, mas nos últimos anos por conta da operação Lava Jato e do descontrole da segurança pública nos centros urbanos, fez com que se fortalecesse o discurso no ponto de vista da política. A pauta da corrupção e da segurança pública se exacerbaram no Brasil tornando marginal o histórico discurso sobre a estabilidade econômica, que funcionou nas campanhas durante esses últimos 20 anos”, disse. 

De acordo com Gomes, isso se justifica porque a retórica militante, apresentada pela maioria dos pré-candidatos, “não é interessante do ponto de vista do eleitor médio”. “O eleitor médio não é ativista e é ele quem define a eleição. Ele não vê isso como determinante”,  sustentou.

Efeito do discurso na escolha do voto

A cientista Priscila Lapa ainda fez um panorama sobre o efeito das múltiplas falas diante da escolha do voto pelo eleitor. Segundo ela, a absorção, que já não é tão intensa assim, varia de acordo com o perfil do eleitorado.  

“As discussões ideológicas não dominam o eleitorado, estão com quem tem maior instrução e renda, por exemplo. Já o segmento maior, com o menor grau de instrução, vai seguir a escolha pragmática: quem vai resolver o problema do país e como vai. A agenda ideológica perde espaço. O que tem decidido as últimas eleições majoritariamente é a questão econômica. A segurança e confiança na retomada do crescimento da economia”, ponderou, esclarecendo que “apesar das outras questões”, no pleito deste ano isso não vai ser diferente.

A inesperada vitória de Donald Trump para presidir os Estados Unidos reascendeu a discussão sobre a chamada “onda de conservadorismo” que invade a política mundial. A tese eleitoral de conduzir perfis sem um histórico político para as chefias dos executivos tem endossado as últimas eleições, gerando conquistas como a do empresário republicano e trazendo à tona uma imprevisibilidade na condução dos países.

Para especialistas ouvidos pelo Portal LeiaJá, um fator que já deve ser levado em consideração é o primeiro discurso do novo presidente após a consolidação da vitória, com um tom apaziguador e indo de encontro com as defesas e ataques feitos por ele durante a campanha.

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“Após a vitória, Donald Trump já demonstrou outro discurso, que sugere o apaziguamento do conflito, chamando, inclusive, a Hillary Clinton para conversar. O contexto faz com que neste instante não saibamos ao certo como será a postura dele nos próximos anos e isto é resultado da imprevisibilidade da vitória dele, afinal de contas, existiam eleitores envergonhados em declarar que votariam em Trump”, ponderou o cientista política e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Adriano Oliveira.

No período de campanha, o novo presidente norte-americano colocou-se contra, por exemplo, a imigração e o livre comércio visando preservar empregos no país e reduzir o déficit americano nas transações com o resto do mundo. Posturas que podem prejudicar o Brasil visto que o EUA é considerado a “potência econômica mundial”.

“Se isso se mantiver, qual será o futuro da economia dos países emergentes, entre eles o Brasil? O impacto para o país pode estar presente na economia, pois temos um mercado de agronegócio forte, precisamos exportar e no momento que os EUA se fecham para o livre comércio atinge a economia, que já vai mal no Brasil”, salientou Oliveira.

Impacto político

A postura conservadora de Donald Trump, sob a ótica da cientista política Priscila Lapa, será refletida justamente nas questões nacionais porque a maioria dos “segmentos sociais que votaram nele são imersos pelo sentimento nato americano”.

“Ele reascende este sentimento conservador voltado para as próprias questões nacionais e nos dá a possibilidade de prever, entre outras coisas, um impacto econômico não de rompimento, mas de inquietação. Ele combina com esta questão de uma política apolítica, onde a falta de histórico na área reforça a esperança [para os americanos] de uma boa gestão”, argumentou.

Para Lapa, uma variável que pesou para a vitória do republicano foi a suposta utilização indevida de um cargo público por Hillary. “Os eleitores de Trump já estão pedindo a investigação e prisão dela”, destacou. “Não ser de berço político também foi um beneficio para ele”, emendou a estudiosa. 

Donald Trump será o 45º presidente dos Estados Unidos da América. Ele alcançou os 276 votos de delegados do colégio eleitoral na madrugada desta quarta-feira (9), depois de uma acirrada disputa contra Hillary Clinton. Ele teve a maioria dos votos na Flórida, Carolina do Norte, Ohi e a Pensilvânia.

Cientistas políticos criticaram a argumentação de deputados na sessão do plenário da Câmara que votou a admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Os parlamentares dedicaram os votos às suas famílias, a Deus, aos evangélicos, aos cristãos, aos prefeitos de suas cidades e correligionários. A sessão foi marcada pela presença de cartazes, bandeiras, hino e gritos de guerra.

Com 367 votos a favor (mais de dois terços dos 513 deputados), 137 contra, sete abstenções e duas ausências, o parecer pela instauração do processo de impeachment foi aprovado nesse domingo (17) na Câmara dos Deputados. Agora cabe ao Senado decidir se processa e julga a presidenta.

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“Acho estarrecedor, em um país republicano, que tem princípios de laicidade do Estado, levantar argumentos religiosos e a família. Pouquíssimos levantaram os motivos reais que são julgados no processo. É entristecedor ver a qualidade de argumentos, todos arregimentados para seu entorno, em questões de seu interesse”, disse a professora do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos.

A professora destaca que há uma leitura estranha do que seja o interesse democrático. “Há pessoas caricatas, como [o deputado Jair] Bolsonaro, que não contam. Mas deveria ser pedagógico, fica muito claro que o problema não é a presidenta Dilma Rousseff, o PT. Temos um problema muito mais sério, mais grave. Ficou explícita a falência do sistema representativo brasileiro”, argumentou Marlise.

Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jorge Almeida, em nenhum momento ficou caracterizado o crime por parte da presidenta Dilma Rousseff. “Raros foram os parlamentares pró-impeachment que argumentaram a existência de crime de responsabilidade. Falaram sobre questões econômicas, políticas, sociais, religiosas, lembraram as famílias e os próprios familiares. Isso mostra a fraqueza desse argumento e que foi realmente um julgamento político”.

Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), disse que para muitos brasileiros foi um choque conhecer o Parlamento. “Ele é muito ruim, muito desqualificado. É muito assustadora a qualidade dos nossos deputados. Os nossos parlamentares são muito ruins, mas o baixo clero é muito inferior. Não é programático, não é ideológico”.

Por sua vez, o professor do programa de pós-graduação de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rodrigo Gonzalez, diz que cada um está aproveitando seus 30 segundos de fama. “Porque é bom lembrar que, fora poucas lideranças, a maioria tem poucas oportunidades de aparecer na mídia nacional. É a oportunidade que os deputados pouco conhecidos têm, e vale qualquer tipo de manifestação”.

Mudanças imediatas

Para o professor da UFRGS, as manifestações dos deputados precisam ser mais moderadas, pois estão fazendo um discurso comum de que essa votação muda o país. “Essa votação não só não muda o país, como os nossos representantes deveriam temperar os discurso com um pouco de racionalidade”.

Gonzalez observou que os discursos exaltados podem acender algum tipo de expectativa que não pode ser entregue à população. “A inflação não vai baixar amanhã, o [vice-presidente, Michel] Temer não vai assumir amanhã. Dessa forma, se joga uma expectativa que não pode ser cumprida”.

O professor diz que o país passará por mais um período tumultuado até o processo de julgamento da presidenta no Senado. “Não há garantia de que a partir de amanhã haja um país pacificado, vão se exaltar mais ainda. Nesse meio tempo, os partidos que são situação passarão a oposição”, lembrou.

Alto quórum

Ao contrário do que muitos imaginavam, apenas dois dos 513 deputados que compõem a Câmara se ausentaram da votação sobre a abertura do processo de impeachment. Compareceram para a votação 511 deputados.

De acordo com Ortellado, a presença em massa dos parlamentares já era aguardada na votação. “Era esperado, porque há muita pressão popular para os deputados irem. Acho que não houve nenhuma grande surpresa”. Os dois faltosos são Anibal Gomes (PMDB-CE), que estaria com problema de saúde, e a deputada Clarisse Garotinho (PR-RJ), que está na 35ª semana de gravidez e apresentou atestado médico.

O professor da UFRGS acredita que, em um momento de polarização, um abandono do plenário seria difícil de ser justificado. “Não só o deputado está perdendo sua visibilidade, como vai ser condenado por ter fugido da raia”.

Para Jorge Almeida, da UFBA, a presença maciça de deputados na votação na Câmara foi fruto da cooptação, distribuição de recursos e de cargos. “Foi um processo muito rebaixado do ponto de vista político. O Congresso virou uma feira de varejo. Grande parte dos votos foi fruto de interesses particulares”.

Segundo o professor, uma reforma política deveria inserir a possibilidade de destituição do presidente da República. “Já houve um ataque à democracia. A legislação tem uma falha porque não traz a possibilidade de destituição do presidente por vontade popular, por plebiscito”.

Impactos

Para os cientistas políticos, o impeachment é um instrumento legítimo que, no entanto, deixa traumas em uma sociedade democrática.

“Ele deve ser usado muito excepcionalmente, porque já é um trauma quando utilizado dentro do previsto, dentro da lei. A lei do impeachment é muito aberta, ela permite que uma coisa muito pequena, como as pedaladas fiscais, sejam utilizadas para conduzir o processo. Isso deixa uma marca muito ruim para a democracia brasileira. No processo do [ex-presidente] Collor, a gente não tinha o Congresso tão rachado, a sociedade dividida, além disso, a acusação era mais sólida”, diz o professor Ortellado, da USP.

A decisão da Câmara dos Deputados de abrir processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff pode ampliar a divisão da sociedade brasileira, acrescenta Ortellado. “Essa polarização está sendo construída com base de sentimentos. As pessoas aderem a uma visão de grupo que está pronta. Não existem visões intermediárias. Enquanto não mudarmos a nossa forma de ver a política, de maneira mais ponderada, não vamos sair dessa situação. Não há solução boa, qualquer lado que perder vai se sentir lesado”.

Segundo Marlise Matos, “o processo mostra fragilidade no processo democrático no Brasil”. A professora vê riscos para democracia brasileira e projeta um cenário de retrocesso e perdas de diretos sociais no Congresso. “O risco desse cenário é de uma agenda de retrocesso. Esse congresso, assim que eleito, começou a pautar propostas de regressão. A gente vai ter que conviver com uma agenda de retrocesso de direitos sociais”, comenta.

“Utilizou-se de um sentimento muito forte, que é a indignação com a corrupção. E a campanha Fora Dilma! explorou de forma muito bem-sucedida essa indignação. Por outro lado, se explorou de forma muito profunda a questão do golpe. Esse recurso que o governo usou para se defender gerou uma polarização muito generalizada na população brasileira. Estamos falando de 30% da Câmara dos Deputados e 30% da população, e isso vai fazer com que essas pessoas se sintam subtraídas, com sentimento de ter sua presidenta eleita subtraída do cargo”, disse Matos.

Próximos passos

Nesta segunda-feira (18), o processo será enviado ao Senado e no dia seguinte (19), lido no plenário da Casa. Amanhã (19), os líderes partidários deverão indicar os 42 parlamentares que vão compor a comissão que analisará o assunto no Senado, com 21 titulares e 21 suplentes. A comissão tem prazo de 48 horas para eleger o presidente e o relator. Por causa do feriado de 21 de abril na quinta-feira, isso deverá ocorrer somente na segunda-feira (25).

Caso aprovada a admissibilidade do processo pelo Senado, o que deve ser decidido entre os dias 10 e 11 de maio, a presidenta Dilma Rousseff será notificada e afastada do cargo por um prazo máximo de 180 dias, para que os senadores concluam o processo. O vice-presidente da República, Michel Temer, assume o posto. Mesmo se for afastada, Dilma manterá direitos como salário, residência no Palácio da Alvorada e segurança. Nesse período, ela fica impedida apenas de exercer suas funções de chefe de Estado.

De acordo com a professora da UFMG, ainda são necessárias provas para que o processo tenha legitimidade. “Há que se provar o crime de responsabilidade. Esse debate não foi feito em nenhuma circunstância. Quero ver a prova cabal dos crimes de responsabilidade atribuídos a Dilma para que se deponha uma presidenta democraticamente eleita. Acredito que haverá mais serenidade e atenção aos fatos nos próximos julgamentos”, disse.

Falta de legitimidade

O prosseguimento do processo, disse Jorge Almeida, foi viabilizado porque, além da crise econômica e das denúncias de corrupção, Dilma negou todas as promessas de campanha que foram feitas, o que levou à perda de legitimidade política do mandato. “Isso, considerando a legislação brasileira, não é elemento para gerar impeachment, mas é um elemento importante para compreender a situação política”.

Segundo o professor da UFBA, tudo indica que a decisão da Câmara será seguida pelo Senado, o que implica colocar no poder outro presidente sem legitimidade. “O que vai implicar que o [vice-presidente] Michel Temer vai assumir a Presidência da República. Isso não vai resolver nenhum problema nacional porque Temer, além do questionamento sobre a legalidade do mandato, incorre nos mesmos problemas de Dilma".

“Se houve perda de legitimidade de Dilma por não ter cumprido as promessas, Temer nunca teve essa legitimidade. O Brasil vai entrar em um período complicado”, afirmou Almeida, acrescentando que o governo Dilma não trouxe conquistas concretas e que há o risco de retrocessos maiores em termos de conquistas históricas de trabalhadores.

As manifestações ocorridas na última semana em diversas cidades do país, contrárias ao processo de impeachment, poderão mudar a percepção de que havia uma opinião predominante no país, favorável ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff, e até influenciar na decisão dos parlamentares sobre a questão. A avaliação é da professora Helcimara Teles, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Os movimentos estão reenquadrando a percepção que era vista como hegemônica, de que toda a opinião pública era favorável ao impeachment. Existem várias opiniões no Brasil favoráveis ao impeachment, mas existem outras também que tratam o impeachment como um golpe”, explica.

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Segundo a professora Helcimara, as manifestações contrárias ao impeachment podem também influenciar nas decisões dos parlamentares em relação ao processo que está em curso no Congresso Nacional. “Uma parte significativa dos políticos brasileiros se pauta muito pela opinião pública, não se baseia em um programa, é muito flexível aos humores da opinião pública. Como se nota o crescimento desses grupos contra o golpe, uma parte da classe política pode recuar um pouco em relação a votar pelo impeachment.”

A professora de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Flávia Biroli também acredita que os movimentos contra o impeachment podem ter um efeito na construção de um novo clima de opinião pública e também no cenário político. “Quando diferentes movimentos sociais vão para a rua dizendo que isso é um golpe, isso pode ter um efeito para os parlamentares e também pode ter um efeito indireto, incidindo sobre a opinião pública e mudando o clima político. Por mais que a grande mídia tenha trabalhando para construir um significado único para essa situação, ela não tem um significado único.”

Meios de comunicação

Para a professora Flávia, os meios de comunicação atuam na retratação dos movimentos sociais favoráveis e contrários ao impeachment. “Quando existem as manifestações conta o governo, elas são apresentadas como manifestações das pessoas, dos brasileiros, embora a gente veja lá entidades como a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]. Quando são manifestações contra o impeachment, a posição é outra, é como se fosse o PT, e isso não é verdade, o que a gente tem é um conjunto de movimentos sociais, de segmentos de esquerda preocupados com a nossa democracia.”

Helcimara Teles também avalia que há um problema de enquadramento da mídia sobre as manifestações. Segundo ela, as manifestações contrárias ao impeachment são formadas não apenas por integrantes de partidos políticos, mas por pessoas de todos os segmentos da sociedade. “A sociedade que estava apática quebrou a espiral do silêncio. Existe uma massa grande de pessoas de todos os segmentos, de todas as classes que estão retomando uma luta pela democracia inclusive de forma autônoma e desvinculada de partidos políticos.”

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