Pesquisa divulgada este mês pelo Instituto Brasileiros de Defesa do Consumidor (Idec) destaca que os quatro maiores sites de compras coletivas do País – Groupon, Peixe Urbano, Clickon e Groupalia – recorrem frequentemente a práticas ilegais. Foram encontrados problemas em toda a cadeia da atividade: desde os termos de uso acordados a falhas na entrega dos produtos.
O agrônomo Kemel Kalif, por exemplo, relatou ao Idec a compra de um tablet por 249 reais, realizada há quatro meses pelo Clickon, mas que nunca chegou a sua casa. Ele tentou contatar, em vão, tanto o portal como a loja responsável pelo produto, a Compre Direto da China.
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“Registrei, então, queixa no site Reclame Aqui e descobri que havia inúmeras denúncias contra o fornecedor. Continuei pesquisando e verifiquei que a mesma empresa atua com outros nomes fantasia e que há indícios até de estelionato”, disse. "Ele (Clickon) não verifica a idoneidade dos fornecedores”, acusa.
Já o Groupon e o Peixe Urbano desrespeitam o código do consumidor tão logo são visitados. Eles pedem para que o internauta cadastre seu e-mail antes de exibir os termos de uso e a política de privacidade e, quando estes aparecem, a opção de consentimento já está selecionada, o que, segundo Guilherme Varella, advogado do instituto, “desrespeita a autonomia do consumidor e sua liberdade de escolha”.
Todos os portais avaliados pecam por se isentarem das obrigações que lhe seriam devidas. Afirmam que são apenas intermediários e, que portanto, quaisquer prejuízos devem ser reparados pelos parceiros – estabelecimentos que oferecem o produto ou serviço. Varella, porém, discorda.
"O site de compras coletivas faz parte da cadeia de fornecimento de produtos e serviços, pois atua na etapa de oferta, publicidade e transação financeira dos compradores. Não há o que justifique a isenção ou diminuição de sua responsabilidade", disse.
Sobre esse aspecto, o Groupon admitiu culpa e, em resposta ao Idec, afirmou ter “parte da responsabilidade” sobre a oferta, complementando que já alterou a cláusula contratual a esse respeito – o que, a rigor, não havia sido feito até a publicação desta reportagem. Os outros três, no entanto, reafirmaram seu papel de intermediários, e que uma possível compensação cabe ao estabelecimento.
Gato por lebre
Questões quanto à privacidade também foram alvos de questionamento. No contrato somente o Groupalia afirma não compartilhar os dados do usuário com terceiros. Peixe Urbano, Groupon e Clickon admitem fazê-lo, mas só com empresas filiadas, e as informações enviadas são apenas as necessárias para que o serviço seja praticado corretamente.
Quase todos pecam por não ter um canal de atendimento eficiente ao consumidor, com interatividade direta, como telefone e bate-papo. Com exceção do Groupon, que possui telefone de contato, os outros apenas recebem sugestões e reclamações por mensagem eletrônica e respondem por e-mail.
Apesar dos possíveis transtornos, os internautas continuam utilizando esses portais por conta das promoções anunciadas. No entanto, como reportado pelo IDG Now há dez dias, os descontos não são tão agressivos assim e, caso o consumidor não pesquise, pode ser enganado por uma prática das mais antigas: inflar o preço antigo a fim de que o novo pareça mais atraente.
No Groupon, as sessões de depilação a laser custavam 159 reais e não os 1250 como anunciado – o portal as vendia por 59,90 reais. Já no Clickon, o DVD automotivo, comercializado por 499 reais, não representava abatimento de 50%, mas de apenas 17% - 599 reais era o seu valor integral.
Alarmante é o caso do Groupalia, que ofereceu um buffet de restaurante mexicano por 19,90 reais, mas, no final das contas, era justamente esse o seu preço, ou seja, não havia promoção. Ainda mais grave é o exemplo do Peixe Urbano: as cinco sessões de "ultralipocavitação", mais dez sessões de plataforma vibratória que, supostamente, sairiam por 2050 reais, podiam ser adquiridas por 129 reais – 94% de desconto. Entretanto, o Idec foi até o local e descobriu que o mesmo tratamento custava 99 reais, de modo que, o internauta, na ânsia por aproveitar um ousado abatimento, gastaria mais do que se adquirisse o serviço pelas vias normais.
Assim, os sites de compras coletivas poderiam ser enquadrados tanto no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor - “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas e ostensivas” - quanto no 37 - “é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”. Os portais alegam que, por mais que chequem os preços anunciados pelos parceiros, nada impede que estes pratiquem promoções simultâneas às oferecidas por eles.
Para dar fim às irregularidades, um projeto de lei apresentado em maio na Câmara dos Deputados visa regulamentar a atividade no Brasil. Além de sua aprovação, será preciso torcer para que as normas sejam respeitadas. Em agosto, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) proibiu a venda de serviços como os de drenagem linfática e de radiofrequência por meio de sites de compras coletivas. De acordo com o órgão, eles podem ser perigosos "sem a avaliação de um profissional". Não obstante, os quatro avaliados ofereceram tratamentos do tipo na última segunda-feira (24/10).
Quanto a isso, o Groupon diz ainda estar se adequando para seguir a determinação. O Peixe Urbano, por sua vez, afirma que “não está definida a proibição da oferta de determinados serviços e, sim, de serviços prestados por determinados profissionais”. O Clickon vai na mesma linha: defende que “os procedimentos podem perfeitamente ser realizados por profissionais esteticistas formadas em cursos de Técnica em Estética”, que não estão “sujeitos às regras do COFFITO”. Por fim, o Groupalia se eximiu de culpa, pois, argumenta, “atua (...) como um meio de divulgação para as clínicas de estética, as quais são responsáveis por prestar qualquer tipo de esclarecimento para o Conselho”.