As candidaturas femininas bateram recorde este ano, com 33,3% dos registros nas esferas federal, estadual e distrital. As mulheres representam 53% do eleitorado do país, o que corresponde a 82 milhões de votantes. Apesar disso, elas ocupam apenas 17,28% das cadeiras no Senado. Especialistas defendem o aperfeiçoamento da legislação para garantir a participação feminina na política.
Uma das primeiras medidas de impacto aprovadas pelo Congresso Nacional para incentivar a participação feminina na política foi a Lei 12.034, de 2009. Ela assegura o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Além disso, destina pelo menos 30% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bem como do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.
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A mudança ocorreu com a alteração da Lei das Eleições (Lei 9.504, de 1997). Desde então, apesar do aumento do número de candidaturas femininas, houve pouca mudança na proporção de mulheres eleitas.
A Emenda Constitucional (EC) 111 também foi criada para aumentar a representatividade na política e pode impactar as eleições deste ano. O texto da norma determina a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e pessoas negras no cálculo para a distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral. Ou seja, se uma deputada ou candidato negro for eleito com 100 mil votos, a contagem oficial irá totalizar 200 mil votos para o cálculo dos fundos.
A ministra Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, do TSE, participou na última quarta-feira (17) de um evento ligado à exposição Mulheres Eternas. A mostra reúne 38 obras em homenagem a brasileiras que atuaram na defesa de políticas públicas por uma sociedade mais justa e igualitária. A ministra salientou que, apesar de representarem 28% da população, as mulheres negras não ocupam sequer 5% das cadeiras dos parlamentos.
"As camadas de violência pelas quais passam as candidatas negras — violência política, violência física, assédio — é gravíssima. Sem falar na população LGBTQIA+. Nós precisamos lançar nosso olhar sobre as mulheres, sim. Mas com a consciência de que a mulher não é um universo monolítico e uniforme, e que os problemas não são idênticos", afirmou.
Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro destacou ainda a necessidade de derrubar alguns lugares comuns. Entre eles, os de que “mulher não vota em mulher” e “mulher não gosta de política”. Sobre a paridade de gênero na política, a ministra disse que o Brasil está atrás de países muito menos desenvolvidos economicamente.
— Será que mulher não vota em mulher, ou será que essas candidaturas sequer se fazem chegar ao olho do eleitor? — frisou.
Um dos obstáculos para a ampliação da participação feminina na política tem sido a presença das “candidatas laranjas”. Para cumprir com a cota estabelecida pela lei, alguns partidos lançam candidaturas inverídicas, com supostas candidatas que, na prática, não se lançam à disputa de votos.
"Em alguns partidos, por questões culturais, não há candidatas mulheres eleitoralmente viáveis. Cabe, essencialmente, denunciar o fato e convencer o eleitor a punir os partidos políticos que têm esse tipo de comportamento", avalia Gilberto Guerzoni, consultor legislativo do Senado.
Durante a primeira sessão como presidente do TSE, na noite da última terça-feira (16), o ministro Alexandre de Moraes avisou que os partidos que usarem “candidatas laranjas” terão toda a chapa anulada.
"A Justiça Eleitoral não irá permitir “candidaturas laranjas”. As “candidaturas laranjas” serão declaradas irregulares, nulas, com a nulidade da chapa inteira. Ou seja, o prejuízo para o partido que incentivar candidaturas laranjas será muito grande", disse Moraes.
O seminário Mais Mulheres na Política, realizado em maio no Senado, reuniu lideranças femininas de todo o país. Entre elas, a coordenadora regional do Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos (FNInMPP), Juliet Matos. Ela lembrou que as mulheres representam 46% das pessoas filiadas a partidos políticos. No entanto, o número não reflete uma maior representação das mulheres em posições relevantes nas instâncias partidárias.
"Nós temos poucas mulheres presidentes nacionais, temos poucas mulheres nos espaços importantes de decisão dos partidos políticos. Então, a gente fala da distribuição do fundo eleitoral. Poucas vezes vão ter mulheres que estão nas direções e que têm o poder de fato de fazer essa distribuição do fundo", apontou.
Durante o evento, as deputadas federais Celina Leão (PP-DF) e Tereza Nelma (PSD-AL) comentaram a importância do fundo eleitoral, para que as candidaturas femininas possam efetivamente resultar na eleição de mulheres. Nelma também deu destaque à necessidade de combater a violência política contra a mulher.
"É necessário difundirmos cada vez mais a Lei 14.192, de 2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. Da mesma forma, a Lei 14.197, de 2021, sobre crimes contra o Estado Democrático de Direito merece total nossa atenção, por seu caráter recente", reforçou a deputada.
A senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) foi relatora do projeto de lei (PL 5.613/2020) que resultou na Lei 14.192, de 2021. Ela enfatizou que é fundamental assegurar condições para que as mulheres com vocação sigam a carreira política.
Para a senadora Soraya Thronicke (União-MS), é relevante a existência de figuras femininas para inspirar outras mulheres e representá-las verdadeiramente. Soraya também ressaltou a atuação das parlamentares desta legislatura, que fortaleceram sua representatividade por meio da Bancada Feminina. O grupo reúne senadoras de ideologias políticas diversas, mas que convergem na luta em defesa da mulher.
Dos 32 partidos políticos brasileiros, apenas seis são presididos por mulheres: PT, com a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR); PCdoB, com Luciana Santos (vice-governadora de Pernambuco); PRTB, com Aldinea Fidelix; Podemos, com a deputada federal Renata Abreu (SP); PMB, com Suêd Haidar; e Rede Sustentabilidade, com a ex-senadora Heloísa Helena.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres que ocupam posições de liderança política tendem a trabalhar em linhas partidárias por meio de bancadas femininas para defender questões de igualdade de gênero. Entre os temas abordados, estão o combate à violência doméstica, a licença parental, direitos das crianças, gestantes, à pensão, igualdade de gênero, além de reformas eleitorais.
Inúmeros projetos resultaram em leis de interesse das mulheres nos últimos anos. Confira alguns exemplos dessa legislação.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), coordenadora da Bancada Feminina, considerou o primeiro semestre produtivo. Ela destacou as qualidade da representação feminina na Casa.
— Apesar de ser pluripartidária, tem consciência de grupo e vota de forma unida em diversos momentos. Em ano eleitoral, vamos lutar por mais candidaturas de mulheres em todos os cargos eletivos, por participação massiva das mulheres nos dias das eleições, por uma vontade maior de empoderamento social e político — ressaltou.
O Senado aprovou 15 propostas em favor das mulheres no primeiro semestre de 2022. Entre os que seguiram para votação da Câmara, está o PL 2.325/2021, que afasta a possibilidade de a defesa do acusado usar teses da legítima defesa da honra, da defesa de valor moral ou da violenta emoção para atenuar crimes de feminicídio e de violência doméstica e familiar contra a mulher. A matéria foi aprovada em julho pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Também aguarda votação dos deputados a proposta que incentiva ações nacionais de atendimento aos homens, em especial na área da saúde mental, para prevenção da violência contra a mulher. O substitutivo foi apresentado pela senadora Leila Barros (PDT-DF) ao PL 4.147/2021, do senador Wellington Fagundes (PL-MT).
O PL 3.342/2020 estabelece a concessão de crédito de até R$ 20 mil para mulheres empreendedoras das áreas de beleza, estética, vestuário, comércio de artigos femininos e alimentação, afetadas pela pandemia de covid-19. Autora do projeto, a senadora Rose de Freitas (MDB-ES) argumentou que muitas medidas adotadas para socorrer os prejudicados pela pandemia não chegam a um grande número de mulheres. Ela afirmou que a proposição abre as portas para mudar esse quadro e melhorar a economia.
O Congresso promulgou em abril deste ano a Emenda Constitucional (EC) 117. Resultado da proposta de emenda à Constituição (PEC) 18/2021, o texto obriga os partidos políticos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para a campanha eleitoral das candidaturas femininas.
A EC 97 vedou, a partir de 2020, a celebração de coligações nas eleições proporcionais para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa do Distrito Federal, assembleias legislativas e câmaras municipais. Com o fim das coligações, cada partido deve indicar individualmente pelo menos 30% de mulheres filiadas para a disputa.
Outras normas aprovadas nos últimos anos ampliam e reforçam a participação política das mulheres. Entre elas, a Lei 13.488, de 2017. A norma prevê campanhas institucionais do TSE para incentivar a participação feminina, dos jovens e da comunidade negra na política.
No Senado, a Resolução 5, de 2021, acrescentou ao Regimento Interno a liderança da Bancada Feminina, que passou a ter as mesmas prerrogativas asseguradas aos líderes de partido ou bloco parlamentar, inclusive quanto à preferência para o uso da palavra e o direito a voto.
No âmbito do TSE, a portaria 791 institui a Comissão Gestora de Políticas de Gênero do Tribunal Superior Eleitoral (TSE Mulheres). A função do órgão é atuar no planejamento e acompanhamento de ações para incentivar a participação feminina na política e na Justiça Eleitoral.
Segundo o levantamento da ONU divulgado de setembro de 2021, existem 27 países em que as mulheres representam menos de 10% dos parlamentares, incluindo quatro que não possuem sequer uma representante feminina (Iêmen, Vanuatu, Papua-Nova Guiné e Micronésia). Em média, a participação das mulheres nos parlamentos é de 25%. Em 1995, a representação tinha média de 11%. O Brasil está abaixo da média atual, com apenas 14,8% de representantes mulheres.
Nesse ritmo, ainda segundo a ONU, a paridade de gênero nos órgãos legislativos nacionais não será alcançada antes de 2063. O estudo mostra ainda que existem apenas 26 mulheres atuando como chefes de Estado ou de governo em 24 dos 193 países analisados. A igualdade de gênero nas posições mais altas do poder não será alcançada nos próximos 130 anos.
A embaixadora Gilda Motta Santos Neves, diretora do Departamento de Organismos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, deu ênfase à participação das mulheres em operações de paz. Segundo ela, “a participação das mulheres em negociações de acordos de paz aumenta muito a durabilidade desses acordos, assim como a participação das mulheres nos parlamentos”.
*Da Agência Senado