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“O Choque está sempre pronto”, respondeu o Capitão Alexandre Jorge após o fim do protesto de passageiros no Terminal Integrado do Barro no último dia 3 de junho. Na ocasião, a indagação proferida pelos jornalistas se referia à presença do Batalhão de Choque da Polícia Militar (BPChoque) nas proximidades, como relatos apontavam, mas o capitão achou por bem destacar o preparo exemplar do grupo de elite da corporação. Muitas pessoas e entidades, entretanto, não estão de acordo com a afirmação do oficial. Após recentes ações em protestos e reintegrações, o Choque vem sofrendo duras críticas e tendo seu modus operandi questionado.
Os números ratificam o que diz o Capitão Jorge Alexandre. O Choque considera solucionados 100% dos casos em que foram convocados. Chamados para situação de protesto, liberaram a via; chamados para situação de reintegração de posse, liberaram o terreno; chamados para situação de rebelião, reconquistaram o presídio.
O Batalhão de Choque, historicamente conhecido como Batalhão Mathias de Albuquerque, foi formado sob o título de Companhia de Choque, em 1980, para atuar principalmente em resolução de manifestações. Antes estas atribuições eram do 1° Batalhão da Polícia Militar (BPM), mas a corporação sentia a necessidade, por exemplo, de tratar os movimentos sociais de modo mais técnico. Hoje o Choque participa de eventos que envolvam multidões, praças esportivas, rebeliões em presídios, além de dar apoio ao policiamento.
O objetivo era que a unidade atuasse em todo o Estado de Pernambuco mas, com um efetivo atual de 450 profissionais, isto não é possível. As intervenções do batalhão ocorrem principalmente no Recife e na Região Metropolitana – com frequência no Complexo Industrial de Suape, no Cabo de Santo Agostinho.
Os soldados do Choque recebem treinamento todos os dias da semana, às 9h30. O evento só não ocorre quando são convocados para alguma ocorrência. A primeira sirene que toca indica que o pessoal deve se equipar e permanecer alerta. A segunda sirene é a autorização para que o efetivo se desloque. O aviso sonoro da sirene já faz parte da rotina, intensificando-se desde a metade do ano passado, quando começou uma onda de protestos ou distúrbios civis, como define a corporação.
Com o aumento da quantidade de manifestações, o trabalho do batalhão ficou em evidência, o que fez surgir, com mais mais força, as reclamações quanto ao trabalho do choque. Para os críticos, a maneira como se devem avaliar os procedimentos policiais vai além dos 100% de casos resolvidos, necessitando observar também como se chegou àquele número.
João Vale, estudante, presente no dia da Reintegração de posse do Cais José Estelita:
“A gente parou e sentou, aí eles jogaram spray de pimenta por cima. Eu gritei ‘a gente só está parado aqui, sentado', aí eles jogaram um banho de spray de pimenta de uma maneira absurda. Foi um banho tão grande que as pessoas começaram a passar mal. A menina que me levou para casa passou mal, tive que jogar minha blusa fora, no meio da rua. Foi desnecessário porque eu não tinha arma.”
Chiquinho, líder do Organização e Luta por Moradia Digna (OLMD), presente no dia da Reintegração de terreno no bairro da Encruzilhada, na região norte do Recife:
“Fomos pegos de surpresa. Não esperávamos a atuação do Choque, que agiu de forma muito agressiva e desnecessária, intimidando as famílias, sem fazer negociação. Usaram toda a força e poder deles contra a gente. Nenhum de nós havia reagido.Havia crianças e idosas lá...”
Elisangela Sales, operadora de telemarketing, presente no protesto dos usuários de metrô de Camaragibe:
“Não participei do protesto, estava afastada, dentro de uma lanchonete. O Choque chegou para liberar a avenida. Quando menos esperávamos, começou a agonia. Eles atiravam bombas e balas de borracha. Uma bomba caiu dentro da lanchonete. Inalei muita fumaça. Quando eu saí, em questão de segundos, os policiais começaram a atirar de novo. Eu corri, caí no chão, e uma bomba caiu bem do meu lado. Só deu tempo de virar o rosto antes que ela explodisse”.
A atuação que obteve o retorno mais negativo até o momento ocorreu no dia 17 de junho, data da reintegração de posse do Cais José Estelita, no bairro de Santo Antônio, área central do Recife. Anistia Internacional, entidades médicas (AMPE, CREMEPE E SIMEPE), Ministério Público Federal (MPF), Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), Universidade Católica (Unicap) e o Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) foram algumas das entidades que repudiaram a forma como a reintegração se deu.
Para o tenente-coronel Walter Benjamim Filho, comandante do batalhão, a tropa sempre foi tratada injustamente como uma vilã. Assim como manifestantes costumam criticar o ponto de vista como a intervenção policial é divulgada, o mesmo faz o comandante. “Há a sempre a versão das pessoas que nos acusam de agir de modo arbitrário. Infelizmente ficamos a mercê dessa imprensa que eles mesmos fazem, mostrando fotos desfocadas do que aconteceu e uma situação que não é a realidade. Fazem parecer que estamos atacando, mas não somos agressivos, somos técnicos”, diz.
As críticas a respeito da falta de negociação são rebatidas pelo oficial. Segundo ele, este é o papel do comandante da área junto ao oficial de justiça. Quando o Choque é chamado para liberar uma via, por exemplo, ela tem que ser liberada pois a negociação já ocorreu. “Não somos intransigentes, é uma questão técnica. Também não chegamos logo avançando. Nós avisamos que eles têm cinco, dez, 15 minutos para sair ou então começamos a agir”.
O comandante reforça a ideia de que, apesar de ser uma força repressora, a unidade não é violenta. Segundo ele, as armas utilizadas pelo efetivo (spray de pimenta, bomba de gás lacrimogêneo e bala de borracha) visam, justamente, evitar o confronto e causar menos danos às pessoas. A própria marcha da tropa, definida como “espartana” (com pancadas no escudo e no capacete), é uma estratégia para causar a dispersão.
Há uma sequência lógica no uso das armas, buscando primeiramente a de maior distância, para não haver contato. Sendo assim, o spray de pimenta está posicionado em último neste ranking, devido ao curto raio de alcance. “Há uma visão muito negativa em relação ao uso do spray de pimenta, mas hoje é menos agressivo do que o bastão. O spray causa ardência e pode abalar psicologicamente, mas passa”, explica o tenente-coronel.
Instruções do comando indicam que bombas não devem ser jogadas para cima nem em cima dos manifestantes, mas sim metros antes. Outro cuidado, que segundo o tenente-coronel é tomado, é com os transeuntes e estabelecimentos sem relação direta com os protestos. “Aquele jovem machucado no Estelita, por exemplo, se feriu porque jogamos a bomba e ele correu para cima dela”, relata Benjamim Filho. Na época do incidente, muitos ativistas reclamaram que as bombas foram jogadas em cima do grupo.
A pesquisadora do Núcleo sobre Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança, Ana Paula Portella, discorda da forma de ação do batalhão. “Está muito claro que a atuação do Choque tem sido desastrosa. Na verdade, nunca foi boa, nunca deram espaço para o diálogo”, critica. Ela acredita ainda que a chegada dos equipamentos menos que letais (como a corporação classifica), na verdade, deixou a polícia mais truculenta.
“A polícia pernambucana é muito bem preparada, consegue lidar com multidão pacificamente, como podemos ver no nosso carnaval. Mas com relação a manifestações políticas, são cometidas ações de agressão contra indefesos”, comenta Ana Paula, que continua: “O Choque é apenas um instrumento de alguém que está dando a ordem. O Poder Executivo é quem manda a polícia para acabar com o processo de negociação”.
Para a pesquisadora, deveria ser implementado um conselho estadual de segurança pública. “Seria uma oportunidade de sociedade, governo e polícia construírem um diálogo permanente”, diz. Ela participou da discussão do “protocolo de ação da polícia em manifestação”, que em agosto de 2013 juntou entidades, ministério público e secretarias para indicar como a corporação deveria agir em protestos. De acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão, as reuniões se esgotaram sem haver um consenso e as discussões foram interrompidas sem previsão de volta. “A atuação do Batalhão de Choque tem mudado para pior. O que vemos acontecendo tem nada a ver com política democrática”, conclui Ana Paula Portella.