Muito se fala sobre a possibilidade de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ser preso por algum dos casos no qual é investigado. São inúmeros os argumentos que apontam para uma possível condenação de Bolsonaro, ou ao menos para uma prisão preventiva. No entanto, o terreno é mais arenoso quando se trata de sua esposa, Michelle Bolsonaro (PL), apesar de seu nome já ter sido associado a algumas alegações.
Do ponto de vista jurídico
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Apesar da convocação para depor, Michelle ainda não é considerada ré em nenhum processo. Segundo a advogada e historiadora Gabriella Paiva, os procedimentos aplicados na investigação estão obedecendo os precedentes do Estado Democrático de Direito. “O indiciamento da ex-primeira-dama deve ser devidamente fundamentado pelo Delegado responsável pelo caso, que deve apresentar um lastro mínimo probatório que conclua pela autoria de determinado crime”, explicou ao LeiaJá.
Paiva analisou que o trabalho da PF tem sido mais atencioso na coleta de evidências e provas, para evitar nulidade do processo, como aconteceu no caso do presidente Lula, na ocasião da investigação do triplex do Guarujá. “No entanto, pelo acirramento das investigações que já demandaram a quebra de sigilo bancário da Michelle, é possível que em breve ela seja indiciada. Uma vez indiciada, ela passa a responder pelo processo criminal e pode, sim, vir a ser presa”, ponderou.
Histórico de escândalos
Michelle Bolsonaro já esteve envolvida em outros casos escandalosos no passado, quando residia no Palácio do Planalto. Repasses somados em R$ 89 mil foram feitos na conta bancária da então primeira-dama foram alvos de apontamentos contra ela, em 2021. À época, o STF arquivou o pedido de abertura do inquérito, alegando não haver indícios de crime nos depósitos.
No entanto, ainda se levantam hipóteses de irregularidades no caso, como explicou a advogada. “De fato, o caso das joias sauditas é o que mais tem chamado a atenção da Polícia Federal, mas há outros escândalos que podem levá-la ao banco dos réus, como o suposto pagamento de contas de pessoas próximas e uso do cartão corporativo, atos que podem configurar o crime de peculato, que é o desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro”, disse Gabriella Paiva.
A escolha pelo silêncio
Durante seu depoimento à PF, na última quinta-feira (31), Michelle optou por ficar em silêncio diante das perguntas sobre o caso das joias. Ela se manifestou nas redes sociais esclarecendo que se dispõe a falar “na esfera competente”. O caso, no entanto, pode ser levado para outras esferas.
“Ao contrário do conhecimento popular de que “quem cala, consente”, no direito, os investigados podem permanecer inteiramente calados ou responder apenas o que lhes aprouver. “Na nota emitida pela ex-primeira-dama, ela questionou a competência do STF, visto que, conforme previsto no artigo 102, I, b, o Supremo só teria competência originária para julgar Presidente da República, e que, na época dos supostos delitos, nenhum deles detinha prerrogativa de foro, por isso, estaria ocorrendo uma supressão de instância. Assim, o processo desceria para o Juízo da 6ª Vara Federal de Guarulhos/SP”, afirmou a advogada.
“Diante das informações emitidas pela PF, as investigações já apontam para o indiciamento da ex-primeira-dama pelo crime de peculato. Já em relação ao direito de permanecer calada, este é legítimo, embora caiba aqui a ressalva do artigo 198, do CPP que prevê o direito ao silêncio, mas a possibilidade de sua utilização para constituir elemento para a formação do convencimento do juiz e isto, pelas últimas notícias, já vem ocorrendo pelos ministros do STF”, disse ainda.
Do ponto de vista político
Por um lado, aliados ainda se mantêm ao lado da presidente nacional do PL Mulher, defendendo a idoneidade da mandatária, e ajudando-a a se fazer presente em pesquisas eleitorais futuras. Ao LeiaJá, o cientista político Victor Barbosa avalia que o cenário pode se mostrar desfavorável em determinado momento, pelo fato de seu caminho ainda ser considerado precoce. “Uma possível consequência dos desdobramentos das investigações é a potencial interrupção desse processo. O ônus político de ter sua imagem associada a ela pode aumentar, reduzindo, de certa forma, as chances de vitória de seus aliados, por exemplo”, explicou Barbosa.
Por outro lado, Michelle ainda aproveita os louros da ala bolsonarista fervorosa, podendo surfar na crista da onda e crescer seu eleitorado herdado do esposo. “Se ela conseguir se destacar entre outros possíveis ‘herdeiros políticos’ de Jair Bolsonaro, como Flávio Bolsonaro e Tarcísio de Freitas, ainda existe a possibilidade de uma transferência bem-sucedida de votos do ex-presidente para ela”, observou o cientista.
O que pode acontecer
Mesmo havendo o risco de seu nome ficar mais manchado, Michelle ainda pode ter outras cartas na manga, se fazendo valer do mesmo discurso conspiratório já utilizado por Bolsonaro desde as eleições de 2018. “Muitas variáveis precisam ser consideradas. A mera condenação dela ou do marido não é suficiente para arruinar sua imagem. Neste cenário especulativo, ela poderia alegar ter sido vítima de perseguição política e judicial”, ponderou Barbosa.
Acusações, investigações e ironias à parte
Desde o despontamento do escândalo das joias, em março desde ano, Michelle sempre responde aos questionamentos da imprensa, do público e de seus aliados com ironia. Em visita ao Recife, no último sábado (26), ela alfinetou o caso declarando que iria lançar uma nova coleção de joias intitulada “Mijoias”.
“O tom irônico que a ex-primeira-dama adotou desde que o caso se tornou público parece ter o propósito de gerar conteúdo para ser compartilhado nas redes sociais, com o intuito de minimizar discursivamente a gravidade das acusações e desviar os holofotes para uma possível perseguição à qual Bolsonaro estaria sendo submetido. Por outro lado, esse sarcasmo pode comprometer ainda mais a sua imagem. Estamos tratando de um caso de grande materialidade, envolvendo joias cujo valor a maioria da população consegue mensurar e visualizar, relacionadas a um Presidente que procurava transmitir uma imagem pública de simplicidade. Zombar de algo assim pode causar uma percepção negativa”, observa o cientista.