A tentativa de golpe de Estado que destruiu a Praça dos Três Poderes completa um ano nesta segunda (8). A violência contra a democracia se opunha à vitória do presidente Lula (PT) e tentou forçar a instituição de um governo militar. Mais de duas mil pessoas foram presas e uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) culminou no indiciamento de comandantes das Forças Armadas e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O Palácio do Planalto e os prédios do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) foram invadidos e depredados por "patriotas” que não aceitaram o resultado das urnas. Ainda na Praça dos Três Poderes, 243 pessoas foram presas. Parte delas pela Polícia Legislativa do Senado, que ficou na linha de frente entre os salões do Congresso para evitaram um prejuízo maior.
##RECOMENDA##Os golpistas que não foram detidos encontraram refúgio no acampamento que ficou montado por mais de dois meses em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. No dia seguinte, 1.927 pessoas foram presas no local e encaminhadas à Academia Nacional da Polícia Federal. Dessas, 775 foram liberadas por serem idosos, mães de crianças menores ou atender a outros casos que permitissem a liberação.
Bolsonaristas acampados no QG do Exército, em Brasília. Valter Campanato/Agência Brasil
Ao todo, 1.152 presos em flagrante passaram por audiência de custódia e 938 foram mantidos nos Presídios da Papuda ou na Penitenciária Feminina Colmeia. Os demais foram postos em liberdade mediante o cumprimento de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Atualmente, 66 pessoas estão presas preventivamente por suspeita de financiar o ato golpista e incitar os crimes e 1.354 ações seguem em aberto. Trinta réus foram condenados pelos crimes de associação criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, tentativa de golpe de estado e deterioração do patrimônio público, 33 foram apontadas como executores, duas dessas foram transferidas para hospital psiquiátrico. Ao todo, cerca de 200 processos aguardam julgamento.
Afastamento da alta cúpula do Distrito Federal
Após a atuação controversa das forças de segurança do DF, o govenador Ibaneis Rocha (MDB) foi afastado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, por pouco mais de dois meses. O magistrado também determinou o fim dos acampamentos espalhados no entorno de quartéis do Exército no Brasil e a apreensão do ônibus que levou bolsonaristas à Brasília.
A Justiça ainda concedeu a prisão de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e então secretário de Segurança Pública de Ibaneis, que estava nos Estados Unidos no dia do ataque. Policiais federais que realizaram buscas na sua casa acharam a "minuta do golpe". O decreto previa a imposição do Estado de Defesa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para alterar o resultado das eleições. O comandante da PMDF, o coronel Fábio Vieira, também foi preso por omissão dolosa.
Anderson Torres e Ibaneis Rocha (MDB). Renato Alves/Agência Brasília
Ainda no dia 9, o presidente Lula (PT), chefes do Legislativo, ministros do STF e governadores se reuniram no Planalto para verificar a condição dos prédios destruídos. Em São Paulo, manifestantes caminharam na Avenida Paulista como uma resposta ao ato golpista. Mobilizações do mesmo gênero ocorreram em outras capitais.
Os presidentes do Executivo, Legislativo e Judiciário também assinaram uma nota em defesa da democracia e repudiaram o que foi classificado como "atos terroristas de vandalismo, criminosos e golpistas". No dia 10, o Congresso aprovou o decreto de intervenção federal na segurança do DF.
Os parlamentares conservadores defenderam os criminosos e cobravam a revisão das prisões. A oposição também estimulou uma campanha nas redes sociais para a criar de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) e, assim, culpabilizar o atual governo pelo ocorrido. Outro pleito dos deputados e senadores ligados a Bolsonaro era derrubar o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Gonçalves Dias, pela sua postura "amistosa" com os vândalos.
O deputado Arthur Maia (UNIÃO), a senadora Eliziane Gama (PSD) e o senador Magno Malta (PL) nos trabalhos da CPMI dos Atos Golpistas. Geraldo Magela/Agência Senado
Em maio, a CPMI foi aprovada com a participação de 16 senadores e 16 deputados. A Presidência ficou para o deputado Arthur Maia (UNIÃO), que teve Cid Gomes (PDT) e Magno Malta (PL) como vices, e a senadora Eliziane Gama (PSD) na relatoria.
Durante a convocatória para as oitivas da comissão, o ministro Kassio Nunes Marques, do STF, - indicado por Jair Bolsonaro - autorizou o não comparecimento da delegada federal Marília Alencar, então subsecretária de Inteligência do DF. A medida abriu precedente para outros pedidos de não comparecimento e a relatora Eliziane Gama apontou que Nunes Marques obstruiu os trabalhos da CPMI.
Foram convocados à CPMI:
. O ex-chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar (DOP) do Distrito Federal, Jorge Eduardo Naime;
. O empresário George Washington Sousa, preso por colocar uma bomba em um caminhão próximo ao aeroporto de Brasília na véspera de Natal de 2022;
. Os peritos da Polícia Civil do DF, Renato Carrijo e Valdir Pires Filho, que fizeram exames nas proximidades do aeroporto e no caminhão usado por George;
. O diretor do Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado da Polícia Civil do DF, Leonardo de Castro;
. O ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, sobre as blitzes ilegais feitas no Nordeste, no segundo turno das eleições;
. O coronel Jean Lawand Júnior sobre as mensagens trocadas com o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente, que incitavam uma tomada de decisão do presidente derrotado;
. O ex-diretor-adjunto da Abin, Saulo da Cunha;
. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, mas ele seguiu a orientação da defesa e não respondeu às perguntas. O tenente-coronel foi preso em maio por fraudar cartões de vacinação;
. O ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, Anderson Torres;
. O fotógrafo da Agência Reuters Adriano Machado por aparecer em imagens ao lado de invasores. Ele relatou que cumprimentou um dos vândalos depois que foi obrigado a excluir fotos;
. O hacker Walter Delgatti Neto. Ele disse que Jair Bolsonaro lhe prometeu indulto caso fosse preso por invadir urnas eletrônicas e assumir um suposto grampo do ministro Alexandre de Moraes, do STF;
. O sargento Luis Marcos dos Reis, que integrava a equipe da Ajudância de Ordens do ex-presidente. Ele esteve na Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro;
. O ex-comandante da PMDF, Fábio Augusto Vieira. Ele apresentou habeas corpus e exerceu o direito de se manter calado;
. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Gonçalves Dias. Ele afirmou a PMDF descumpriu as determinações do planejamento da segurança contra as manifestações;
. A cabo Marcela Pinno, da PMDF, que foi agredida por vândalos durante o ato;
. A ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF, Marilia Alencar, foi convocada, mas a liminar do ministro Nunes Marques autorizou seu não comparecimento;
. O ex-chefe do Comando Militar do Planalto (CMP), o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes; disse que o Exército não se omitiu no ato golpista nem no desmonte do acampamento no Quartel General do Exército;
. O ex-coordenador administrativo da equipe de ajudantes de ordens do presidente Jair Bolsonaro, Osmar Crivelatti, foi chamado, mas se beneficiou com a decisão de Nunes Marques e também não compareceu;
. O general Augusto Heleno, que foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Bolsonaro. Ele chamou de “fantasia” o relato do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, de que teria havido reuniões no Palácio para esquematizar um golpe de Estado após a vitória de Lula;
. O empresário mato-grossense Argino Bedin, sócio de fazendas de soja acusado de financiar atos antidemocráticos.
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em agosto, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu por 120 dias a tramitação de 1.113 ações penais para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) negociasse Acordos de Não Persecução Penal. Desses, 38 réus confessaram os crimes e deixaram a prisão ao se comprometer a prestar 300 horas de serviços à comunidade ou a entidades públicas e pegar as multas. Eles também aceitaram participar, presencialmente, de um curso sobre Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado.
Bolsonaro estampa relatório final da CPMI
Após cinco meses de trabalho, a CPMI foi concluída e o relatório aprovado por 20 votos a 11. O documento pediu o indiciamento de Jair Bolsonaro e outras 60 pessoas, entre elas ex-ministros e membros das Forças Armadas. O relatório foi encaminhado à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) para formalizar a denúncia.
A relatora considerou Bolsonaro como autor intelectual e moral dos ataques e o indiciou pelos crimes de associação criminosa, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, tentativa violenta de depor o governo legitimamente constituído e emprego de medidas para impedir o exercício de direitos políticos. Somadas, as penas variam entre 16 e 36 anos.
A senadora ressaltou que o ambiente golpista foi incitado deliberadamente pelo ex-presidente ao longo do seu governo e baseou seu posicionamento nas agressões dele contra a Justiça Eleitoral, contra o STF e à imprensa, além da aproximação ideológica com setores das forças armadas de segurança e militares do país. Eliziane também citou o aparelhamento de órgãos de inteligência como um movimento golpista.
Foram indiciados:
. O ex-presidente Jair Bolsonaro;.
. O general Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa;
. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e então secretário de Segurança Pública do DF;
. General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
. General Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro;
. General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro;
. Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
. General Freire Gomes, ex-comandante do Exército;
. Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e principal assessor de Bolsonaro;
. Filipe Martins, ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais de Bolsonaro;
. Deputada federal Carla Zambelli (PL);
. Coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
. General Ridauto Lúcio Fernandes;
. Sargento Luis Marcos dos Reis, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
. Major Ailton Gonçalves Moraes Barros;
. Coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde;
. Coronel Jean Lawand Júnior;
. Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça e ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF;
. Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal;
. General Carlos José Penteado, ex-secretário-executivo do GSI;
. General Carlos Feitosa Rodrigues, ex-chefe da Secretaria de Coordenação e Segurança Presidencial do GSI;
. Coronel Wanderli Baptista da Silva Junior, ex-diretor-adjunto do Departamento de Segurança Presidencial do GSI;
. Coronel André Luiz Furtado Garcia, ex-coordenador-geral de Segurança de Instalações do GSI;
. Tenente-coronel Alex Marcos Barbosa Santos, ex-coordenador-adjunto da Coordenação Geral de Segurança de Instalações do GSI;
. Capitão José Eduardo Natale, ex-integrante da Coordenadoria de Segurança de Instalações do GSI;
. Sargento Laércio da Costa Júnior, ex-encarregado de segurança de instalações do GSI;
. Coronel Alexandre Santos de Amorim, ex-coordenador-geral de Análise de Risco do GSI;
. Tenente-coronel Jader Silva Santos, ex-subchefe da Coordenadoria de Análise de Risco do GSI;
. Coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da PMDF;
. Coronel Klepter Rosa Gonçalves, subcomandante da PMDF;
. Coronel Jorge Eduardo Naime, ex-comandante do Departamento de Operações da PMDF;
. Coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, comandante em exercício do Departamento de Operações da PMDF;
. Coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, comandante do 1º CPR da PMDF;
. Major Flávio Silvestre de Alencar, comandante em exercício do 6º Batalhão da PMDF;
. Major Rafael Pereira Martins, chefe de um dos destacamentos do BPChoque da PMDF;
. Alexandre Carlos de Souza, policial rodoviário federal;
. Marcelo de Ávila, policial rodoviário federal;
. Maurício Junot, empresário;
. Adauto Lúcio de Mesquita, financiador;
. Joveci Xavier de Andrade, financiador;
. Meyer Nigri, empresário;
. Ricardo Pereira Cunha, financiador;
. Mauriro Soares de Jesus, financiador;
. Enric Juvenal da Costa Laureano, financiador;
. Antônio Galvan, financiador;
. Jeferson da Rocha, financiador;
. Vitor Geraldo Gaiardo , financiador;
. Humberto Falcão, financiador;
. Luciano Jayme Guimarães, financiador;
. José Alipio Fernandes da Silveira, financiador;
. Valdir Edemar Fries, financiador;
. Júlio Augusto Gomes Nunes, financiador;
. Joel Ragagnin, influenciador;
. Lucas Costar Beber, financiador;
. Alan Juliani, financiador;
. George Washington de Oliveira Sousa, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília;
. Alan Diego dos Santos, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília;
. Wellington Macedo de Souza, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília;
. Tércio Arnaud, ex-assessor especial de Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”;
. Fernando Nascimento Pessoa, assessor de Flávio Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”;
. José Matheus Sales Gomes, ex-assessor especial de Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”.
General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro; general Braga Netto, ex-ministro e vice de chapa de Bolsonaro; o ex-presidente Jair Bolsonaro; Almirante Almir, ex-comandante da Marinha; e o tenente-brigadeiro do Ar, Carlos de Almeida Baptista Jr, ex-comandante da Aeronáutica. Reprodução/Redes Sociais
Morte de preso
No dia 20 de novembro, Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, sofreu um mal súbito e morreu dentro da Papuda. O sistema penitenciário apontou que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi chamado e tentou realizar a reanimação cardiorrespiratória, mas ele não resistiu. Cleriston estava preso preventivamente após ser capturado no Senado.