As ruas do Recife foram ocupadas, nesta quarta-feira (1º), por nações e terreiros de religiões de matriz africana para a celebração sagrada da 17ª Caminha de Terreiros de Pernambuco. O evento, que acontece em todo início de novembro, marca a abertura do mês da consciência negra, e levanta como tema principal a luta contra a discriminação religiosa e o racismo. A concentração acontece na Avenida Alfredo Lisboa, no Marco Zero, localizado no bairro do Recife, e a caminhada segue até o Pátio de São Pedro, no bairro de São José, também no centro da cidade, onde é celebrada a Jurema, tradição religiosa que faz parte de várias religiões afroameríndias do nordeste brasileiro.
[@#galeria#@]
##RECOMENDA##A caminhada chega na sua 17ª edição contando com o apoio dos poderes executivo e legislativo, e levando uma multidão de fiéis às ruas, como explica o coordenador de cerimonial, Demir da Hora. “[A celebração serve para] abrir o mês da consciência negra, e sempre naquela luta contra o racismo, contra a intolerância religiosa, e dando mais atenção à cultura afro em geral, à religiosidade afro. A gente vive em um país laico onde a cultura negra é a mais escanteada, por causa de preconceito, discriminação, e a caminha de terreiro veio justamente pra isso, para abrir espaço com a cultura afro, com a religiosidade afro. Você vê um mar de gente de branco passeando pela cidade do Recife, essa é a marca principal da caminhada de terreiros, para mostrar a força que tem a religião afro-brasileira", comenta da Hora.
Demir da Hora. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
O trajeto tradicional da caminhada perpassa ruas importantes do centro da cidade, mesmo havendo alguns bloqueios atuais determinados pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), devido às obras na ponte 12 de setembro, conhecida como Ponte Giratória. A caminhada, no entanto, deverá passar pelas avenidas Guararapes e Dantas Barreto, no bairro de Santo Antônio, para terminar no Pátio de São Pedro.
Dedicação e fé na caminhada
Há 17 anos que a Caminhada de Terreiros de Pernambuco é coordenada por Mãe Elza de Yemanjá, que é a responsável pela articulação e realização das celebrações no Recife, concentrando terreiros e nações de maracatu de todo o estado. “Nós vamos hoje comemorar as datas votivas exatamente a questão antirracista. A caminha é isso, é combater racismo, é trazer cultura de paz, é falar com outros credos. Muita gente envolvida, os budistas, os batistas, os Fé Bahá'í, os espíritas, candomblé, Jurema e Umbanda, as religiões estão todas muito ‘linkadas’ a esse combate. Existe um fórum, chamado Diálogos, que traz esse recorte de viabilizar políticas públicas que combatam realmente o racismo, que tragam recortes pra população negra e de terreiro. A caminha é esse misto de emoção”, comentou.
Mãe Elza de Yeamanjá. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
Ela contou a origem da caminhada, e de onde veio a necessidade de reafirmar as religiões de matriz africana na cidade. “A prefeitura [do Recife] tinha esse movimento com a igualdade racial, os governos tinham, e falaram aos terreiros da necessidade de celebrar religiosamente a questão da abertura do mês da consciência negra. E aí, nós estávamos na reunião, e eles perguntaram ‘como a gente faria isso?’, e eu disse ‘por que não ir às ruas? Por que não fazer uma caminhada?’. E aí a ideia pegou todo mundo, congelou todo mundo. Hoje nós temos um decreto, uma lei, que diz que a gente celebra o mês da consciência negra, ou seja, os terreiros celebram, sempre com um tema primordial, que é contra o racismo e contra a discriminação religiosa”, relatou a Ialorixá.
Conquistas das religiões
Mãe Elza ainda falou das conquistas alcançadas pelas religiões de matrizes africanas por meio de leis e estatutos criados e sancionados pelo governo do estado. “Estamos esperando essa política começar a compreender todo o entorno. Muito importante que agora temos o estatuto de igualdade racial no estado, sancionado por Raquel Lyra (PSDB). E é isso, é batalhar, correr atrás das políticas voltadas à população de terreiro”, afirmou.
Caminhada tomou as ruas do Recife. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
A caminhada concentra cerca de 40 a 45 mil pessoas, com a participação de milhares de terreiros de todo o estado. “A cada ano se compreende melhor o processo. É importante frisar que estamos falando de racismo, e os terreiros desacreditaram no governo. Então esses terreiros se fecharam em copas, até compreender que de fato é preciso estar na rua, reclamando seus direitos, para poderem ser ouvidos pelos governos. Agora eles estão chegando mais, se aproximando mais”, disse Mãe Elza.
A passeata reúne representações de terreiros de Caruaru, Petrolina, Gravatá, Goiana, Limoeiro, Carpina, Catende, além dos municípios da Região Metropolitana do Recife.
Homenageados
A cerimônia de início da caminhada contou ainda com homenagens feitas a personalidades de terreiros e de outros poderes, como o judiciário, além de políticos que estão à frente dos debates pela causa racial no legislativo. Estiveram presentes na celebração as deputadas estaduais Dani Portela (PSOL), Rosa Amorim (PT), e o deputado estadual João Paulo (PT).
Dani Portela (PSOL). Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
São 11 pessoas homenageadas, entre elas três pessoas de terreiro que foram escolhidos no momento da cerimônia. Ainda foram nomeados: o advogado Évio Silva Junior; o senador Humberto Costa (PT-PE); duas juízas, entre elas Luciana Maranhão; o deputado federal Carlos Veras (PT-PE); o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Carlos Tomas; Fábio Sotero, da Associação dos Maracatus Nação de Pernambuco (AMANPE); entre outros.