Ao todo, 524 dias. Foi esse o tempo para que a Força Aérea Brasileira (FAB) concluísse o relatório de investigação do acidente aéreo que matou o então candidato à Presidência da República e ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e outras seis pessoas, entre passageiros e tripulantes. O resultado da perícia foi apresentado na tarde desta terça-feira (19) pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).
De acordo com o documento, a falta de conhecimento específico dos pilotos para operar o modelo Cessna 560-XL contribuíu para o acidente. A FAB evitou falar em falha humana, mas refere-se a “fatores contribuintes” para o acidente. As más condições meteorológicas, que chegaram perto do mínimo de segurança para navegação de aparelhos, também foram consideradas. “Embora fosse possível realizar o plano de voo contanto que todos os protocolos fossem seguidos”, destacou o investigador encarregado do Cenipa, tenente-coronel Raul de Souza.
##RECOMENDA##No período de investigação, foram realizados estudos de desempenho e dos sistemas da aeronave, além de terem sido verificados os treinamentos e as habilitações dos pilotos, meteorologia, regulamentos existentes na aviação brasileira e manutenção. A saúde mental dos tripulantes também foi analisada.
De acordo com o Cenipa, os sistemas e motores da aeronave funcionavam normalmente e não apresentaram falhas. A análise das imagens de diferentes câmeras de segurança confirmou o parecer preliminar da FAB, que já indicava que o avião não estava em modo invertido (de cabeça para baixo) e não havia incêndio antes da colisão. Os estudos também mostraram que os instrumentos de gravação do voo não estavam funcionando desde 23 de janeiro de 2013 – um ano e sete meses antes do acidente -, mas não houve o registro dessa inoperância pelos tripulantes em todo esse período.
Em relação à capacidade dos tripulantes, o FAB verificou que, apesar de terem experiência de voo, nem o piloto Marcos Martins nem o copiloto Geraldo Magela tinham treinamento adequado e específico para operar a Cessna 560-XL e iniciaram a navegação neste tipo de aeronave alguns meses antes do acidente. “A falta dessa capacitação pode ter demandado maior esforço cognitivo para a apreensão de novas condições requeridas pelo equipamento, dificultando uma tomada de decisão rápida”, explicou o tenente-coronel Raul de Souza.
“Também pode ter ocorrido uma sobrecarga de trabalho do piloto em comando, em virtude da possibilidade de o mesmo ter acumulado tarefas como consequência de uma possível dificuldade do copiloto assessorá-lo”, disse ele, embora não tenha sido possível definir se os tripulantes tiveram um repouso adequado na noite anterior ao acidente. No período de 1 a 5 de agosto, a jornada de trabalho dos pilotos extrapolou as regras da aviação brasileira. "A gente não pode afirmar que a fadiga tenha comprometido o desempenho da tripulação a ponto de levar ao acidente. Isso ficou como indeterminado", salientou o major aviador Carlos Henrique Baldin.
Entre os fatores contribuintes para o acidente, o relatório aponta que os fatores meteorológicos estavam perto do mínimo para operações por aparelho. O piloto e o copiloto também não cumpriram o plano de voo do trecho de aproximação com a Base Aérea de Santos, já que operavam por instrumentos devido às más condições do tempo na manhã do acidente, e podem não ter observado com cuidado os fatores meteorológicos adversos e técnicos para o voo.
“A realização da aproximação num perfil de aproximação diferente do previsto demonstra uma falta de aderência aos procedimentos, o que possibilitou o início de uma sequência de eventos que culminaram com uma aproximação perdida, tendo este sido, possivelmente, influenciada pelo nível de confiança que o piloto possuía em sua capacidade operacional, haja vista suas experiências”, frisou o tenente-coronel.
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Relatórios - Antes de ser apresentado o relatório para a imprensa, os familiares das vítimas tiveram acesso ao documento. Ao todo, 12 pessoas compareceram ao Cenipa. Apenas os familiares do assessor de campanha Pedro Valadares e do piloto Geraldo Magela não estiveram presentes.
Nesta quarta-feira (20), as famílias dos tripulantes da aeronave irão apresentar o relatório de uma investigação paralela para averiguação técnica das aeronaves do modelo Cessna 560 Citation. A alegação inicial era de que os aviões de pequeno porte apresentavam uma falha nos estabilizadores horizontais, ferramentas responsáveis para dar o sentido que o nariz da aeronave deve estar durante o voo. Segundo o parecer, na hora do acidente o automatismo projetado para o estabilizador horizontal falhou, colocando o avião para a posição de Nose Down (nariz para baixo) e levando-o ao chão.
De acordo com a FAB, embora o uso de um simulador de voo, questão levantada pelos familiares dos tripulantes, pudesse ter colaborado para as investigações, não seria possível simular tudo o que aconteceu na cabine do avião. "Nós solicitamos o uso do simulador, só há um no mundo, mas a empresa negou", justificou o major Baldin. Ele também ressaltou que "não há evidencia nenhuma de falha mecânica".
Sobre a responsabilização das empresas proprietárias da aeronave, o Cenipa informou que essa indicação não cabe ao órgão e, por isso, isso não foi incluído no relatório. "Essa investigação, que foi bastante exaustiva, seguiu normas e técnicas utilizadas por todas as organizações que lidam com a investigação de acidentes aeronáuticos. É um trabalho muito profissional, de muito detalhismo. Ela é voltada para identificar os fatores que podem ter levado a esse acontecimento. Não é finalidade nossa identificar culpas ou responsabilidade de quaisquer pessoas e instituições", falou o chefe do Cenipa, o brigadeiro Dilton Schuck.
O acidente - Na manhã chuvosa do dia 13 de agosto de 2014, a FAB registrou a queda no jato Cessna 560-XL, em Santos, no litoral de São Paulo. A aeronave decolou do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, às 9h21. Já no espaço aéreo de Santos, o piloto tentou pousar na Base Aérea, mas sem visibilidade da pista, arremeteu. Minutos depois, o avião caiu na rua Vahia de Abreu, no bairro do Boqueirão.
As primeiras informações repassadas pela imprensa eram de que se tratava de um helicóptero, mas depois houve a confirmação de que se tratava da aeronave PR-AFA, que transportava Eduardo Campos, o fotógrafo Alexandre Severo, o jornalista Carlos Augusto Percol, o cinegrafista Marcelo Lyra, o assessor da campanha Pedro Valadares Neto e os pilotos Marcos Martins e Geraldo Magela. Todos morreram no acidente.