A praça do Marco Zero é um dos pontos mais visitados da capital pernambucana, sendo um dos pontos turísticos mais importantes do Recife. Ela recebe turistas e moradores com frequência, devido aos museus, ruas e restaurantes ao redor que trazem um ar acolhedor e chamam a atenção pela história e cultura da cidade.
Além da popularidade pelo lazer, a praça se transformou em um local de mudança, expectativas e oportunidades, onde fotógrafos amadores da Comunidade do Pilar e redondezas se transformaram nos “Paparazzis do Marco Zero”, como eles mesmos se denominam.
##RECOMENDA##São mais de 50 trabalhadores, apenas na comunidade do Pilar, que ganham a vida fazendo fotos de turistas no Recife Antigo. Muitos são jovens sem formação ou treinamento da área de fotografia, além de não contarem com padronização e identificação do grupo. Entretanto, essa realidade vem mudando após iniciativas de uma das moradoras da comunidade e fotógrafa, Adriana Santos.
Comunidade do Pilar e geração de renda
Líder da Comunidade do Pilar, Ana Cláudia, luta todos os dias por um futuro digno
A líder da Comunidade do Pilar, Ana Cláudia Miguel, ressalta a importância da inclusão dos profissionais do local para o Recife, em especial os jovens que, por muitas vezes, se veem sem alternativas para crescer e se desenvolver.
“A questão dos fotógrafos é uma profissão para esses jovens que estão ociosos dentro da comunidade, sem muito o que fazer. Alguns conseguiram passar pelo Projeto Formar e tiveram essa formação de fotografia, filmagens, dentre outras na área de tecnologia, mas outros não tiveram essa oportunidade, então os mais jovens acabaram aprendendo um pouco com o pessoal que tinha um pouco mais de conhecimento e viram como a própria comunidade é 90% se mantendo da ilha, sendo trabalhos informais. Os fotógrafos tiveram essa pegada para conseguir uma sobrevivência, onde na comunidade a sobrevivência dos pais era ambulante, vender comida e bebida”, explica.
Paparazzis do Pilar
Romário Pereira, de 28 anos, trabalha com fotografia há cerca de 11. Com na captura de imagens que encontrou uma forma para sustentar sua esposa e filhos. O fotógrafo relata uma história de superação, marcada pelo preconceito e pela dificuldade, mas sem perder a esperança de dias melhores e a sua evolução como profissional. Ele trabalha sozinho, o que garante a ele uma melhor flexibilidade com horários e 100% dos lucros.
A fotógrafa amadora, Priscila Lourenço mora na comunidade do Pilar desde que nasceu e trabalha na área há cerca de seis anos. Foi com a fotografia que ela encontrou uma oportunidade de conquistar os seus sonhos. “Eu sustento a minha mãe e a minha filha com a fotografia e a minha casa eu construí da fotografia. Para mim é ótimo porque eu sempre vi rendimento nisso”, explica.
Priscila construiu a sua casa e sustenta a sua família através da fotografia
Fotógrafo desde os 16 anos, João Vitor Pinheiro, 22, também trabalhou como ambulante nas ruas do Recife, mas foi só depois de conhecer a fotografia turística que sua vida mudou. “A fotografia mudou a minha vida, eu consigo ter um ganho maior e quando eu vendia água não tenha um bom retorno. Na fotografia eu consigo pagar meu aluguel, sustentar minha família e viver feliz”, disse João Vitor.
“Eu comecei trabalhando para os outros, ganhando R$ 30 por dia. Lembro que comecei a juntar dinheiro, comprei minha primeira câmera, depois a impressora e os materiais. Agora eu tenho minha própria equipe, junto com minha esposa; e assim conseguimos alimentar nossos três filhos. Hoje, com movimento bom, tiro R$ 400 por dia”, relatou João Vitor.
Capacitação
Em maio deste ano, o prefeito João Campos (PSB) abriu vagas para um curso de capacitação para fotógrafos. A iniciativa começou após uma visita do prefeito à comunidade, onde conheceu a fotógrafa Adriana Santos, que aproveitou a oportunidade para pedir um curso aos jovens locais.
Foi pensando nas dificuldades e preconceitos que Adriana fez esse pedido. Com solicitação, mais de 50 jovens da comunidade do Pilar puderam aprender mais sobre os conceitos básicos da fotografia.
O treinamento começou em 3 de maio de 2022, em parceria com a Prefeitura do Recife, por meio do Gabinete do Centro do Recife, que coordena o Programa Recentro, em articulação com as Secretarias de Turismo e Lazer (SeturL), de Governo e Participação Social (SEGOV) e de Trabalho e Qualificação Profissional (STQP), com o Centro Universitário Brasileiro (Unibra).
Além da qualificação do grupo, outro passo importante foi a inscrição no edital de Incubação de Negócios do Porto Social. O Programa Recentro construiu a candidatura do grupo, dando suporte na estruturação das apresentações orais dos projetos inscritos. A iniciativa, inscrita como “Coletivo de Fotógrafos do Marco Zero” foi apresentada pela líder do grupo, Adriana Santos. O resultado foi revelado no último dia 6 de abril e o grupo ficou entre as 50 iniciativas selecionadas, concorrendo com mais de 100 projetos inscritos. O grupo receberá oito meses de consultorias, mentorias, palestras e treinamentos direcionados para a organização técnica e profissional, além de orientações para a formalização do grupo.
“Eu tinha ido comprar algumas coisas aqui na comunidade no horário do almoço e acabei que encontrei com ele [João Campos] e resolvi dar um abraço em admiração. Naquele abraço, eu senti que era hora de solicitar alguma coisa, de algo que estávamos precisando e a gente estava nesse impasse porque já tinham tentado adotar essa praça. Eu pedi qualificação e ele atendeu na mesma hora e isso foi a peça-chave”, conta Adriana.
Em um encontro aleatório, Adriana mudou o caminho de muitos fotógrafos do Pilar
Adriana conta que essa visibilidade para os fotógrafos traz consequência positivas para a comunidade e para o turismo no Recife. “A visibilidade é boa, principalmente por ser algo bom e não ruim. O que esperamos de uma comunidade é que a gente só tenha notícia ruim e agora saber que tem trabalhadores, que trabalham diretamente com o turismo da cidade do Recife estavam apagados e que agora eles estão sendo vistos, que eles serão qualificados, que eles vão ser incluídos nas coisas, eu acho que é a melhor parte” conta Adriana.
O prefeito João Campos parabenizou a fotógrafa pela iniciativa e garantiu a oportunidade para os jovens. “Quero agradecer à Adriana, por ter tido essa iniciativa. Tem uns 40, 30 dias que eu fui fazer uma visita na obra do Pilar, nas escavações arqueológicas, e você vinha passando de bicicleta. A gente começou a conversar e foi muito bonito ter tido esse encontro e ter tido a capacidade de escutar você pedindo para o coletivo uma oportunidade para melhorar o trabalho, para seguir com dignidade e sustentar a família. De imediato, passamos o pedido e conseguimos em tempo recorde transformar esse desejo em realidade. Esse momento daqui sintetiza tudo que a gente espera que possa ser multiplicado na cidade. O principal cartão postal está sendo fotografado por vocês diariamente, o Marco Zero. Vocês fazem o acolhimento ao turista”, declarou.
“O mais difícil de tudo a gente tem, que é uma gente trabalhadora e aguerrida que não desiste. Pode vir crise, pode vir pandemia, pode vir dificuldade, que vocês não vão, nem devem abrir mão de ter o trabalho, de ter a renda e de poder construir uma vida com muita dignidade. A parte que cabe a gente da Prefeitura, é poder potencializar isso e estamos fazendo com ações como essa de hoje”, acrescentou Campos.
Os fotógrafos também terão acesso ao Credpop, à plataforma GO Recife, mentorias e formação com a Unibra.
Preconceito
A exclusão e preconceito faz parte do cotidiano da maioria dos fotógrafos do Marco Zero, muitas vezes devido à falta de equipamentos e recursos para o trabalho. As empresas privadas de turismo do Recife muitas vezes trabalham com seus próprios fotógrafos, o que ocasiona uma 'disputa' em quem o turista irá escolher para tirar suas fotos.
Adriana explica como os julgamentos das empresas de turismo particulares acabam afetando as vendas dos fotógrafos. “As empresas de turismo chegam nos ônibus e algumas já chegam com seus fotógrafos, mas eu acho que a gente tem que deixar os turistas bem à vontade, porque elas trazem os fotógrafos e elas querem que o turista feche com aquele fotógrafo um pacote caríssimo e a gente faz o nosso trabalho sem compromisso nenhum, a gente faz foto se divertindo. Por eles verem isso como uma competição, não sei se à altura, eles acabam que dificultando o nosso trabalho, dizendo que não podem levar nossa foto, que não enviamos o arquivo digital, apesar que enviamos na hora e que não é de qualidade”, explica.
“Acontece preconceito com o fotógrafo do Marco Zero, porque, aos olhos das empresas, não somos profissionais e que não é bacana fazer foto conosco, porque infelizmente não somos profissionais aos olhos deles”, conta João Vitor.
Os fotógrafos também relatam situações desagradáveis com os próprios turistas. Romário conta que teve experiências em que as pessoas escondiam os objetos pessoais, bolsas e não aceitavam a ajuda que os jovens ofereciam, com receio de serem assaltados.
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