No início de setembro, as forças da Ucrânia relataram ter abatido o primeiro drone de fabricação iraniana utilizado pela Rússia na guerra. Conhecidos como "drones kamikaze", o Shahed-136 e o Mohajer-6 podem atingir infraestruturas críticas da Ucrânia e destruir os armamentos militares ocidentais entregues para Kiev. Por isso, o uso cada vez mais frequente desses veículos aéreos não-tripulados tem chamado atenção do Ocidente e levado a Ucrânia a apelar por mais ajuda militar, já que os drones podem de fato mudar o curso da guerra, até agora favorável para os ucranianos.
Embora o Irã negue fornecer drones para a Rússia, alegando neutralidade na guerra, o Washington Post reportou a primeira entrega dos armamentos em agosto. Para evitar inserir o Irã diretamente no conflito, a Rússia pintou as aeronaves com suas cores e as renomeou como Geranium 2. Até agora, a Ucrânia já informou ter abatido dezenas delas, incluindo uma a 80 km de Kiev na última quarta-feira, 5, e em Zaporizhzhia, onde fica a maior usina nuclear da Europa, na última sexta-feira, 7.
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O uso de drones kamikaze não é novidade em guerra, já sendo utilizado desde meados dos anos de 1980, mas é a primeira vez que a Rússia estaria utilizando um de bandeira estrangeira. A própria Ucrânia conta com os modernos Switchblade 600 dos Estados Unidos e dos Bayratkar TB2 da Turquia - que podem ou não carregar ogivas. Mas a experiência militar aérea russa pode ser um diferencial contra os ucranianos, além de a arma iraniana custar muito menos que a americana.
"Esses drones podem mudar de forma muito clara a orientação da guerra, porque a Ucrânia tem muita dificuldade do ponto de vista da força aérea", explica Christopher Mendonça, doutor pela UFMG e professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH. "Em vários momentos, o presidente Volodmir Zelenski pediu à Otan que cedesse aviões ou aeronaves menores para que eles pudessem fazer a defesa do seu espaço aéreo, e esse talvez seja o grande furo das Forças Armadas ucranianas".
Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), um think tank com sede em Washington (EUA), até o momento o uso dos drones não tem gerado efeitos significativos, especialmente frente aos poderosos Himars dos EUA que ajudaram a Ucrânia a mudar o curso da guerra a seu favor. Mas seu uso cada vez mais frequente na guerra está despertando alertas.
Precisos e indetectáveis
A principal característica de um drone kamikaze é a capacidade de não só inspecionar e localizar alvos de ataque, mas se lançar contra os mesmos e destruí-los. O Shahed-136, é lançado da traseira de um caminhão e carrega uma ogiva de cerca de 30 kg. Ele é de difícil detecção, por isso "cai" do céu sem qualquer aviso prévio e pode voar muitos quilômetros longe da base de lançamento para fazer reconhecimento.
Ao avistar um alvo, ele solta a ogiva que pode atingir locais com precisão. Segundo militares ucranianos, essas aeronaves já conseguiram destruir obuses e veículos blindados utilizados pela Ucrânia, além de matar e ferir soldados. Os militares relataram ter destruído e capturado pela primeira vez um Shahed-136 em 13 de setembro, em Kharkiv, depois que a cidade já havia sido recuperada pelos ucranianos em uma contraofensiva surpresa.
"Hoje, drones como o Shahed-136 oferecem uma maneira relativamente barata para estados e alguns grupos não-estatais montarem ataques de longo alcance em alvos fixos ou radares", explicou no Twiter Justin Bronk, pesquisador em ciências militares do think tank britânico Royal United Services Institute. Porém, o drone tem limitações significativas, segundo ele, como GPS comercial, que limita sua capacidade e está sujeito a bloqueios, e carrega ogivas leves (até 30kg). "O que limita os danos e os conjuntos de alvos viáveis em comparação com bombas, mísseis ou artilharia regulares".
Eles são pequenos e voam baixo, o que dificulta a sua localização por radares, e, quando são avistados, atacam. "Alguns países desenvolveram nos últimos anos alguns componentes de defesa aérea que estão sendo cedidos, ainda que de maneira informal, para a Ucrânia para no mínimo localizar ou verificar a presença e o caminho dos drones. Só que ainda sem condições de atacá-los", explica Mendonça.
O Irã não fornece muitas detalhes sobre os drones de fabricação da Iran Aircraft Manufacturing Industries (HESA), mas em um vídeo promocional de um exercício militar que visava provocar Israel em dezembro de 2021, Teerã mostrou a capacidade de seus veículos aéreos não-tripulados. Os Shahed - mais de uma linha - foram colocados de maneira disfarçada em caminhões basculantes antes de serem lançados. Segundo informações de inteligência ocidentais, seu alcance pode chegar a 2.000 km.
Em 23 de setembro, os militares ucranianos também divulgaram ter capturado o iraniano Mohajer-6 e exibi-lo como troféu. O veículo, que pode atingir até 5.400 metros de altitude e voar a 200 km/h, carregava duas bombas aéreas Ghaem-5, uma sob cada asa, informaram as forças da Ucrânia.
Ambos os drones estariam sendo utilizados pela primeira vez fora do Oriente Médio. Segundo revelou a revista Newsweek em setembro de 2021, os veículos não-tripulados iranianos são amplamente utilizados contra as forças pró-Arábia Saudita na guerra do Iêmen. Também há relatos de uso na guerra da Síria. Além disso, Israel e o Ocidente acusam o Irã de utilizar os drones kamikaze para atacar a indústria petrolífera da Arábia Saudita.
Uso estratégico
Para a Rússia, os drones são úteis neste momento em que há pouco pessoal disponível - ou disposto - a lutar na Ucrânia e com grandes perdas de equipamentos militares, segundo informações das inteligências ocidentais. Moscou possui entre 1.500 a 2.000 veículos não-tripulados de vigilância, mas poucos de ataque. As negociações com o Irã, que também é alvo de sanções dos EUA e aliados, foi de obter os veículos militares de primeira linha.
"Esses drones são um grande trunfo que a Rússia está tendo", afirma Christopher Mendonça. "Eles já perderam diversos deles, vários foram abatidos no ar por atiradores ucranianos. No entanto, os russos ainda têm uma grande capacidade, principalmente em razão dessa cessão de tecnologia que o Irã tem feito. O Irã tem sido um parceiro muito importante nessa questão tecnológica, além da China".
Segundo informou uma autoridade americana sob condição de anonimato ao Washington Post em agosto, o acordo entre Rússia e Irã determinou que especialistas técnicos iranianos viajassem para a Rússia para ajudar a configurar os sistemas, e oficiais militares russos passaram por treinamento no Irã para manusear os drones. Zelenski critica o Irã por negar a presença dos seus drones no conflito.
Segundo Scott Crino, fundador e CEO da Red Six Solutions LLC, uma empresa de consultoria estratégica, em entrevista ao The Wall Street Journal, o Shahed-136 poderia fornecer à Rússia um contrapeso importante para os sistemas de armas de alta tecnologia, como lançadores de mísseis Himars dos EUA. "A presença de Shahed-136 na guerra da Ucrânia está, sem dúvida, mudando os planos operacionais de Kiev", disse ele. "O tamanho do campo de batalha da Ucrânia dificulta a defesa contra o Shahed-136."
"Embora a Ucrânia tenha também os seus drones e as suas especificações de guerra, ela ainda não tem uma capacidade plena para proteger o seu território da ação desses drones iranianos", concorda Mendonça. "Nesses termos, a defesa debilitada ucraniana acaba dando uma vantagem muito grande para os russos do outro lado."
Mas ainda é cedo para dizer que os veículos serão responsáveis por mudanças no campo de batalha, especialmente com Vladimir Putin fazendo ameaças ainda mais sérias, como uso de armas nucleares. Até o momento, a Ucrânia conseguiu abater cerca de 60% dos Shahed-136 disparados pela Rússia, segundo o vice-chefe do Departamento Operacional Principal do Estado-Maior ucraniano, general de brigada Oleksi Hromov, que afirma que Moscou já usou ao menos 86 desses drones. A questão é saber quantos foram fornecidos pelo Irã.
Além disso, a Rússia não está utilizando as aeronaves diretamente no front - atualmente concentrado no leste e no sul -, segundo o Instituto para Estudo da Guerra. "(Os russos) usaram muitos drones contra alvos civis em áreas de retaguarda, provavelmente esperando gerar efeitos não lineares por meio do terror. Tais esforços não estão tendo sucesso", disse a organização em um relatório do front em 6 de outubro.