O Ministério Público Federal em Goiás enviou ofício ao Twitter solicitando uma série de informações sobre a decisão da plataforma de marcar uma publicação do Ministério da Saúde como 'potencialmente prejudicial' e com 'informações enganosas' ao incentivar o suposto 'tratamento precoce' contra a covid-19. Especialistas consultadas pelo Estadão ressaltam legalidade do pedido de informações, mas destacam que 'não pode ser tolerada uma caça às bruxas por combate à desinformação'.
O documento datado desta segunda, 18, estabelece prazo de cinco dias para que a rede social 'encaminhe os fundamentos fáticos e jurídicos que alegadamente sustentaram a marcação 'enganosa' atribuída à publicação do Ministério da Saúde, devendo detalhar exatamente porque a plataforma a considera enganosa, bem como os efeitos dessa marcação na difusão da postagem entre os usuários da aludida rede'.
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A plataforma divulga em seu Blog quais as regras 'contra informações potencialmente enganosas sobre a covid-19', inclusive quanto à publicações sobre vacinas contra o novo coronavírus.
O pedido de informações foi realizado no âmbito de um inquérito civil que, segundo a Procuradoria, 'apura ações ou omissões ilícitas do Twitter em suposta prática de censura contra seus usuários'.
O caso é de responsabilidade do procurador Ailton Benedito que alega: "A aludida marcação imposta pelo Twitter contra uma publicação do Ministério da Saúde, sobre medida de enfrentamento à pandemia de covid-19, pode caracterizar prática ilícita de censura e prejudicar sobremaneira a prestação de informações de utilidade pública às pessoas doentes e à sociedade em geral".
O alerta do Twitter questionado pelo procurador se deu no âmbito de uma publicação do Ministério da Saúde que dizia: Quanto mais cedo começar o tratamento, maiores as chances de recuperação. Então, fique atento! Ao apresentar sintomas da Covid-19, #NãoEspere, procure uma Unidade de Saúde e solicite o tratamento precoce".
Apesar de marcar a publicação como enganosa, a rede social decidiu manter o texto no ar, alegando que o acesso a seu conteúdo 'pode ser do interesse público'.
O 'tratamento precoce' do coronavírus ao qual a publicação se refere não tem comprovação científica e já foi rechaçado por instituições como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associação Médica Brasileira (ABM), mas é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Eles alegam, sem provas, que o uso de medicamentos como a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina seriam eficazes na prevenção da covid-19. No Twitter, o procurador Ailton Benedito, autointitulado conservador, já fez publicações falando sobre o 'tratamento precoce' contra o novo coronavírus, inclusive em resposta a SBI.
Especialistas consultadas pelo Estadão apontam que o pedido de informações do MPF se dá no âmbito da garantia constitucional ao direito à informação, mas também chamam atenção que notícias falsas não se enquadram em liberdade de expressão e podem afetar a credibilidade de orientações relevantes.
A advogada Blanca Albuquerque, especialista em proteção de dados pessoais, considera que 'não há ilegalidade na explicação do Twitter ao MPF, tampouco na ação da plataforma em sinalizar posts que vão de encontro à sua política de uso e promovam desinformação aos seus usuários'. "O que não deve ser tolerado é uma caça às bruxas às plataformas de redes sociais, simplesmente por elas estarem indicando desinformação nas publicações de seus usuários", pondera.
Para a advogada, a rede sociais 'tem realizado um respeitável trabalho de prevenção da desinformação, emitindo alertas da moderação em conteúdos que violem as regras da aplicação, que sejam apontados como inverídicos por autoridades no assunto e que prejudiquem os seus usuários de alguma forma'.
Já a advogada Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados e ex-juíza federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região aponta que o post marcado como 'enganoso' pelo Twitter 'alerta para a existência de tratamento precoce contra a covid-19, procedimento que, no momento, é cientificamente tido por inexistente'.
"Embora a oferta de medicamentos chamados "off label" esteja dentro da esfera de decisão do médico responsável por determinado tratamento, informação oficial da área de saúde pública contendo afirmação no sentido da existência de tratamento precoce para covid-19 tem conteúdo enganoso e leva a falsa compreensão de existência e eficácia de tratamento cientificamente não reconhecido. A informação, no caso, leva a ideia de possibilidade descuido no trato da pandemia, por existir um tratamento precoce efetivo. Parece-me que a investigação foi lançada na direção equivocada", registra.