Marcelo Neri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), disse nesta quarta-feira (22), em Davos, que o Brasil talvez esteja "numa situação bipolar", com excesso de otimismo da população e excesso de pessimismo dos empresários.
O excesso de otimismo da população pode reduzir a poupança e o esforço educacional, enquanto o excesso de pessimismo dos empresários reduz o investimento. Neri participou do Fórum Econômico Mundial, de um debate sobre a ascensão da classe média no mundo, apresentando números sobre o fenômeno no Brasil.
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De 2003 até novembro de 2013, segundo seus dados, 54 milhões de brasileiros ascenderam às classes A, B e C, cujo total saiu de 67 milhões para mais de 120 milhões. Notando que 54 milhões formariam o 23º país mais populoso do mundo, Neri disse que se tratava de uma "transformação gigantesca".
Com dados até novembro de 2013, ele observou que o crescimento anual do PIB per capita está em 1,5%, enquanto a mediana da renda real domiciliar per capita da PME (pesquisa que abrange as seis principais regiões metropolitanas) cresceu 5,2%. Em 2012, o mesmo indicador cresceu 7%, e o PIB per capita teve zero de expansão.
Segundo Neri, o Brasil é uma exceção no mundo, já que dois terços dos países vêm sofrendo aumento da desigualdade (ao contrário do Brasil, em que ela vem caindo) e tem a renda medida pelas pesquisas domiciliares, como a PME e Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), crescendo menos que o PIB per capita.
O presidente do Ipea acha que existe uma assimetria entre a avaliação dos economistas sobre a economia brasileira, baseada no PIB, e a avaliação popular, mais relacionada à renda medida pelas pesquisas domiciliares. Ele indicou que a apresentação da presidente Dilma Rousseff em Davos poderia abordar essa "assimetria".
Quanto ao otimismo da população, Neri citou pesquisas de satisfação com a vida do Gallup, que mostraram o País na 18º posição do mundo em dezembro de 2012, sofrendo uma queda em seguida, e depois uma recuperação, que colocou o Brasil num nível ainda mais alto de otimismo em outubro de 2013, na terceira posição.
O ministro da SAE notou que o descolamento entre o PIB per capita e renda das pesquisas domiciliares tem cerca de dez anos. De 2003 a 2012, o PIB per capita cresceu 27,8% e a renda média pela Pnad subiu 51%. No mesmo período, a renda mediana da Pnad cresceu 78%, e a dos 10% mais pobres aumentou 106%.
A diferença entre o PIB per capita e a média da Pnad é quase totalmente explicada, segundo Neri, pelo fato de que o "deflator implícito" (a inflação do PIB) ficou 24 pontos porcentuais acima do IPCA naquele período. "Todo mundo reclama da inflação, mas o IPCA está barato", ele disse.
Neri manifestou preocupação com a sustentabilidade do crescimento da renda domiciliar no País, citando a agenda de produtividade da SAE, que está cuidando da importação de trabalhadores e trabalhando num programa de estímulo à poupança junto com o Banco Central.
Mas ele notou que, em 2012, com o "pibinho", houve a impressão de que o modelo de crescimento de renda brasileiro havia "batido no teto", o que depois foi desmentido pelos dados da Pnad. "Talvez agora estejamos batendo com a cabeça no teto, há coisas preocupantes, temos de pensar na agenda de longo prazo, mas eu não faria apostas de antemão (sobre a interrupção do processo de forte alta da renda real)".
Rolezinho
Neri comentou os rolezinhos, dizendo que o fenômeno está ligado ao fato de que o Brasil está no pico da sua população jovem, que agora conta com 51 milhões de pessoas. Ele lembrou que a geração do baby boom nos Estados Unidos e na Europa fez os protestos de 1968 quando chegou à juventude. No Brasil, o equivalente aos boomers estaria por trás dos protestos de junho de 2013 e dos rolezinhos.
Neri acrescentou que o problema não é exclusivo do Brasil, com manifestações da juventude atingindo outros países emergentes, como a África do Sul. "Manifestações estão estourando em toda a parte, e as pessoas não têm agenda", disse o ministro-chefe da SAE.
Ele associou o movimento no Brasil também à fase estável de dez anos de crescimento com queda da desigualdade. "Depois de dez anos, as pessoas querem outra agenda, agenda de serviço público, de cidade melhor - a casa das pessoas melhorou, mas, fora de casa, a infraestrutura e a aparência externa não acompanharam".