Nesta quarta (20), o escritor e jornalista Marcelo Mário de Melo lança o livro Os colares e as contas, no Museu do Estado. Militante comunista, Mário de Melo foi preso durante a ditadura militar brasileira, que governou o país entre 1964 e 1985. Não por acaso, "Os colares e as contas" é a compilação de seus poemas políticos, uma das vertentes mais importantes da sua produção literária.
Marcelo Mário de Melo conversou com o LeiaJá sobre o livro, sobre política e sobre os próximos projetos.
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Quanto tempo você demorou para produzir Os colares e as contas?
Em relação à parte criativa é difícil dizer, porque é uma reunião de poemas. Eu estava organizando um livro geral de poesia com o título Poesia pra quê te quero, e esse livro seria o quarto volume. Nesse livro geral, eu juntei os poemas políticos que eu fiz, os amorosos, os poemas que tratam do ofício poético, da palvra, e poemas que tratam de questões que não se envolvem nesses três termos, tanto questões mais gerais quanto questões mais pessoais, que eu dei o título de Gerais umbilicais. Esses poemas são da minha vida toda, são uma síntese. Eu já publiquei um livro de poesia com poemas feitos na prisão.
O livro não está ordem cronológica nem eu me preocupei em dizer em que ciscunstância foi escrito o poema. Alguns poemas dão a ideia de como eu vejo a poesia, como me coloco enquanto poeta, ao qual dei o nome de As lentes da poesia. Depois eu coloco Linhas gerais, que são poemas que tratam de política de uma maneira bem ampla. Depois tem uma parte que são os chamados Poemas antiburocráticos, que são muito referenciados naquele contexto de 1968, 1969. E tem uma parte que são algumas experimentações que eu faço, os poemas verbo-visuais, em que eu faço um jogo gráfico, imagético com a palavra, mas não rompo com a comunicabilidade dela.
E tem os Pichemas, porque eu comecei a observar pichações de parede e coloquei um viés poético nessa pichação. É difícil eu falar do tempo em que eu escrevi porque esses poemas são os poemas da minha vida toda. Tem poemas mais antigos, da década de 1960, e tem poemas de dois, três meses atrás.
Então, Os colares e as contas pode ser considerado o primeiro volume de uma série de quatro que compila sua obra poética?
Sim, esse primeiro livro é o bloco dos poemas políticos.
Já existe previsão para o lançamento dos próximos?
Não tem previsão ainda, mas o bloco de poemas amorosos, o Teias do Amor, já está pronto. Está dividido nos blocos: Amor, Amores, Mulheres, Carne e Nuvem, este último de poemas eróticos, dos mais levinhos aos mais “ginecológicos”.
Como você vê o momento atual do Brasil, em que o país finalmente começa a encarar seu passado político próximo e a repassar acontecimentos como a ditadura militar com a instalação da Comissão da Verdade? De alguma forma, o livro dialoga com este momento?
Dialoga tanto que o livro, em suas dedicatórias, diz: “Aos presos políticos mortos e desaparecidos nos porões da ditadura civil-militar de 1964; aos que persistem na luta pela abertura dos arquivos ditatoriais e para que a verdade histórica se imponha sobre a mentira e a meia verdade”. Então há uma afirmação da necessidade de se enfrentar os restos da ditadura. E eu acho que a Comissão da Verdade é um avanço mais parcial, porque se situa nos marcos da Anistia “parcial”, de 1979.
A ideia é que a anistia foi um pacto que valeu para os dois lados e isso não é verdade, porque quando ela foi aprovada havia ainda senadores biônicos, havia a lei de segurança nacional, ainda havia presos políticos, o regime militar não estava resolvido. Outra falsidade foi que nós fomos presos, punidos, os torturadores não foram condenados a nada. Então eles foram anistiados de quê? É uma coisa falsa.
Isso mantém um cancro na estrutura das forças armadas que se irradia para as PMs e, nos períodos que não são de enfrentamento político, isso se desdobra para o tratamento com a população civil. Vai para dentro dos presídios, para os comissários de polícia, vai para o procedimento policial nas ruas na abordagem à população. É importante para o Brasil o controle civil sobre a tropa. Durante os anos do governo Lula, os comandantes militares comemoravam todo ano a “gloriosa revolução de 1964” e o Lula ficava caladinho. Quando Dilma assumiu, ela mandou um recadinho que não queria. Deixaram de comemorar. O estado oficialmente comemorar um golpe de estado?
Você considera inevitável, é uma missão do artista ter um posicionamento político?
Eu comecei a ouvir falar de política na minha casa com 8, 9 anos de idade. Papai me levou para ver um comício de Prestes quando eu tinha 14 anos, então a política entrou como uma vivência minha natural. E poesia é expressão de vivência, e isso é uma coisa natural em mim. Eu não vou dizer que quem não teve vivências políticas vai ter que escrever sobre política, seria uma coisa artificiosa.
Agora, eu acho que o artista deveria ser uma cara que tivesse consciência política, como essa questão política entra na criação dele depende da intimidade que ele tenha com isso. Uma coisa é o artista se posicionar politicamente como cidadão, outra é a obra dele espelhar o universo da prática política. Todo cidadão consciente tem que ter uma posição política clara, mas eu vejo mais como cidadão. No meu caso, isso faz parte da minha vida, e essa naturalidade não deve ser transformada em modelo. Eu digo que não faço litratura, faço “literavida”. O volume de poemas amorosos que eu tenho é igual ou maior ao de poemas políticos, a convivência com a vida amorosa, o ofício poético, isso é normal. A política não entrou na minha obra como um mandamento, mas como um translado. Eu não tenho nenhuma restrição à poesia. Pode-se ter uma mensagem maravilhosa e ser uma obra de arte ruim, há de se ter um equilíbrio.
Apesar de tratar de um tema espinhoso, a política, existe humor nos seus poemas. Como o humor dialoga com a política?
Tenho muitos poemas altamente satíricos, minha poesia é muito marcada pela sátira. Meu avô era um homem com viés humorístico muito forte, minha mãe também. Papai era comunista e dele eu ouvia as histórias oficiais, gloriosas. Minha mãe contava as histórias vistas da cozinha, dos bastidores.
O humor para mim é muito esse olhar crítico, de bastidores, aquela coisa do “rei está nu”, de mostrar que o telhado é de vidro, que os santos pecam, que o herói fraqueja... O humor é o reverso, é quebrar o empanamento, o embassamento mitificado da realidade. O humor é o dedo na ferida. Eu vejo o humor como um exercício de realismo muito forte. Os humoristas sempre tiveram uma visão crítica do autoritarismo, do poder.
Quais seus próximos projetos a publicar?
Eu escrevo poemas, textos de humor, história infantis, peças teatrais, mini contos e notas críticas, o tempo todo estou escrevendo e não paro uma coisa para escrever outra. Então vou publicar minha obra poética nesses quatro volumes e um volume de cordel, o Cordelança.
Estou preparando uma coletânea, República do humor, que são todos os meus textos de humor. Vou organizando tudo paralelamente, terminei um livro, o Coisas e coisas, de mini contos, e terminei o livro Notas críticas, que são reflexões críticas. Estou empenhado em pegar tudo e dar a forma de livro. Estou juntando agora também minhas histórias infantis. Mas sempre tem um texto que está no meio, inacabado, alguma outra sempre está nascendo.
E tem a peça teatral, tem uma chamada A greve dos psicólogos que está pronta, e eu estou fazendo leituras com pessoas do teatro para ouvir a opinião crítica deles. E tem outra, Os militontos, uma sátira política com tudo o que eu acho errado na esquerda. Deixo tudo pronto e quando há uma oportunidade, publico.
A sequência agora é publicar a obra poética. Meu objetivo é organizar esses livros já com nota do autor, prefácio, orelha e deixar guardado pronto para poder publicar na primeria oportunidade.