O segundo dia de discussões sobre a reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi marcado por críticas a diversos pontos do texto (PEC 6/2019). Organizadas pela liderança do Partido dos Trabalhadores (PT), as mesas temáticas desta quarta-feira (21) tiveram entre os participantes o ex–ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, sindicalistas e membros da Receita Federal e Ministério Público.
O presidente da primeira mesa, senador Paulo Paim (PT-RS), censurou a falta de representantes do governo na audiência pública. Ele disse que tem feito o convite em todos os debates e que chegou a questionar essa ausência ao ministro da Economia, Paulo Guedes, por achar importante o contraponto nas discussões.
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Para Miguel Rosseto, os aposentados serão os mais prejudicados com a PEC 6/2019. Segundo o ex-ministro, as pessoas que têm hoje média salarial de R$ 2.240,90 recebem 90% dessa média ao se aposentar, passando a ter direito a R$ 2.016,81 mensais. Com a aprovação da reforma, a média salarial dos trabalhadores cai para R$ 1.899,41 e, a aposentadoria, para R$ 1.139,65. Uma perda de R$ 877,16, explicou.
“O projeto que a Câmara aprovou, por maioria, vai fazer com que esse Pedro, esse cidadão brasileiro, nas mesmas condições, de 65 anos e com 20 anos de trabalho comprovado em carteira, não receba mais R$ 2.016 por mês”, lamentou.
O assessor jurídico e legislativo da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Paulo Penteado, questionou o deficit da Previdência, afirmando que o Brasil renunciou a R$ 925 bilhões destinados à seguridade social entre 2007 e 2016. Segundo ele, são esses benefícios fiscais dados pelo governo que prejudicam o sistema.
“É uma renúncia expressiva. E se nós atualizarmos de acordo com a taxa Selic, teremos um R$ 1,5 trilhão; na taxa do BNDES, R$ 2,234 trilhões, e no IGP-M, R$ 2,265 trilhões. Dinheiro que deixou de entrar para o caixa da seguridade social brasileira por força de isenções concedidas por lei”.
Outro ponto criticado por Paulo Penteado é a nova regra para pensões por morte. Ele explicou que atualmente um servidor público com salário de R$ 12 mil deixa R$ 10.150,34 de pensão, no caso de ter apenas um dependente e após 20 anos de contribuição. Com a PEC 6/2019, esse benefício passará a ser de R$ 3.024,00.
“É importante dizer que o direito à pensão nasce com a morte. Vejam como isso é grave: O sujeito morreu na véspera da publicação da PEC, a pensão é de R$10 mil. Ele morreu no dia da publicação da PEC, a pensão é de R$3 mil. É o que vai acontecer”.
Trabalhadores
O secretário adjunto de Organização e Política Sindical, Eduardo Guterra, cobrou clareza e transparência no debate sobre a reforma da Previdência. Ele questionou as reais motivações do governo, afirmando que a proposta só tem prejudicado os trabalhadores. Guterra citou dados do Dieese, segundo os quais, há 33 milhões de pessoas trabalhando sem carteira assinada no Brasil e, portanto, não recolhendo contribuições ao INSS.
“Isso choca com a reforma da Previdência, porque quer dizer que essas pessoas também não contam tempo para se aposentar. A PEC, ao arrochar os benefícios previdenciários em torno do salário mínimo, retira renda dos trabalhadores, inibe o consumo, agrava o desemprego, faz a economia não girar e não ter aquecimento”, lamentou.
O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Décio Bruno Lopes, defende que o serviço público não siga nem mesmo as regras de transição para a aposentadoria. Segundo ele, a Previdência do funcionalismo já está resolvida desde 2004, quando o cálculo passou a ser o mesmo do Regime Geral, e a paridade e integralidade de proventos deixaram de existir.
“Por que o servidor tem de ser massacrado? É porque ele recebe um benefício melhor? Sim. Ele recebe um benefício melhor porque paga 11% sobre a totalidade da sua remuneração, e vai pagar 14% ou 22%, se os senhores deixarem essa reforma ser aprovada do jeito que ela está”, observou.
Décio disse que enxerga um retrocesso na PEC 6/2019. Para ele, o texto transfere os segurados da Previdência Social para a assistência social, gerando uma situação de miserabilidade, "onde cada um é por si e Deus por todos”. Além disso, o representante da Receita considera que a reforma desvaloriza a Previdência, sem a garantia da integração de novos segurados.
“Se o próprio governo diz que é uma coisa falida, que a Previdência está falida, se eu entrar em um sistema já falido, o que vou receber no futuro?”, indagou.
Segunda mesa
A segunda mesa de debates da CCJ foi presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que leu comentários e questionamentos de internautas, encaminhados por meio do canal interativo e-Cidadania. Ricardo Rodrigues, de São Paulo, discorda das mudanças nas regras para pensões por morte. Mateus Francisco Abrantes Daniel, de Pernambuco, classificou a PEC 6/2019 como uma proposta necessária ao país, apesar de também discordar de pontos do texto. Já Matheus Souza, do Rio Grande do Norte, questionou as razões de se adotar um modelo de Previdência que fracassou no Chile.
Para o senador Humberto Costa, a reforma da Previdência gera injustiças para os trabalhadores. Ele citou o exemplo de pessoas com direito à aposentadoria especial, como os operadores de máquinas de raio-x, por exemplo, que passarão a obedecer ao critério da idade mínima.
“Significa que, mesmo contra as orientações de que aquilo vai provocar uma leucemia, um câncer, vão ter que trabalhar mais tempo. Isso é de uma injustiça e de uma burrice, porque mais cedo ou mais tarde, vai representar um custo para o Sistema Único de Saúde, a fim de tratar a doença que adquiriram naquela condição”.
O diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Diego Cherulli, defende a revisão da PEC 6/2019, mesmo que o Senado faça mudanças e o texto retorne à Câmara. Para ele, itens como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadoria especial e pensão por morte precisam ser reformulados. Cherulli é contrário à elaboração de uma PEC paralela, que seria apresentada para os senadores não alterarem o texto aprovado pelos deputados. O advogado acredita que essa medida resultará em insegurança jurídica e invalidação de efeitos da futura lei.
“Dividam as discussões do que deve ser dividido, façam de uma vez um texto único. Aprovem a PEC 6 para dar segurança à sociedade, vamos focar no objetivo, alinhar uma interlocução com a Câmara e resolver esse problema econômico. Finalizo clamando: se houver diálogo, é possível que os deputados o aprovem, e esse texto retorne para ser aprovado aqui ainda este ano”.
*Da Agência Senado