Acordar cedo, chegar tarde em casa, ter dois empregos e ainda ter tempo para se dedicar à família. O que muita gente pode considerar uma vida sacrificante, para a atendente de telemarketing Maria José da Silva significa uma vitória. Com deficiência em uma das pernas, ela mostra que a muleta não é obstáculo para a realização pessoal e profissional. “Eu tenho o apoio da minha família, que é tudo o que eu preciso. Agora, quero também me dedicar aos estudos, para ir mais longe na vida”, contou ela.
De fato, o mercado de trabalho se abriu nas duas últimas décadas para a inserção de pessoas com deficiência. Isso graças a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, que determina que as empresas destinem de 2% a 5% dos postos de trabalho para pessoas com deficiência. A variação do percentual depende do número de funcionários da empresa, de acordo com o artigo 93 do código.
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Mas, apesar da ampliação de oportunidades de trabalho, nem sempre a regulamentação é seguida à risca. De um lado, os empregadores dizem que não encontram pessoal qualificado para ocupar as vagas. De outro, os trabalhadores reclamam dos baixos salários e de que as vagas são apenas para “cumprir a cota”.
Para o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Moisés Bauer, a dificuldade encontra-se em três setores: empresas, grupo de trabalhadores e poder público. “A falta de qualificação muitas vezes é usada como desculpa pelos empregadores, que desconhecem a capacidade dos deficientes. Por outro lado, há pessoas que recebem o benefício do INSS e por isso se acomodam, não querem trabalhar e ficam apenas reclamando”, destacou ele. “Do governo falta incentivo para realizar programas que realmente atendam à realidade. É preciso pensar uma alternativa assistencial que possa ser somada ao salário do deficiente que trabalha”, considerou.
Em vários casos de descumprimento da norma, o Ministério Público do Trabalho entra em ação. “Abrimos um processo de investigação e intimamos a empresa a comparecer à audiência com a documentação necessária. Geralmente, assinamos um termo de ajustamento de conduta e damos um prazo para a regularização. Se percebemos que não há interesse, entramos com uma ação civil pública”, explicou a procuradora Melícia Nesel, responsável pela Coordenadoria de Combate à Desigualdade e Discriminação no Trabalho. Segundo ela, o descumprimento ocorre tanto no comércio e indústria, quanto nas empresas de serviços.
“O maior entrave é a falta de responsabilidade social e o preconceito de que os deficientes são capazes apenas de exercerem cargos de baixo escalão. Nas audiências, percebi que as empresas até chegam a separar as vagas, mas não têm iniciativa de ir em busca desses profissionais”, contou.
João Maurício Rocha, da Superintendência Estadual de Apoio à Pessoa com Deficiência (Sead/PE), acredita que o mercado precisa estar atento às mudanças e perceber que, aos poucos, as pessoas com deficiência também estão buscando qualificação. “Os deficientes, por muito tempo, forem excluídos de vários processos, mas há sim pessoas capacitadas. Todos os argumentos das empresas transferem a culpa para a pessoa com deficiência, mas o que existe é um preconceito mascarado por ações pontuais”, critica. Para ele, o perfil profissional precisa ser avaliado, antes de determinar em que setores das empresas serão abertas as vagas.
A diretora da empresa JBV Soluções em Recursos Humanos, Vanci Magalhães, explicou que nem sempre a qualificação é o maior empecilho para a contratação. “Realizamos seleções para muitas empresas e algumas vezes não conseguimos preencher as vagas porque muitas pessoas com deficiência dizem que preferem não trabalhar. É uma questão de disposição também”, destacou. Segundo ela, há empresas que são acionadas pelo MPT e chegam a aceitar qualquer profissional, quando não consegue preencher as vagas para determinadas funções. Já outras, deixam a seleção em aberto e não contratam efetivamente.
No dia a dia, os empresários também devem oferecer boas condições de trabalho. “Algumas empresas juntam todos os portadores de necessidades especiais e os colocam numa sala só, sem contato com os demais funcionários. Isso não pode existir e configura em assédio moral. Não basta inserir, é preciso incluir”, salienta a procuradora Melícia Nesel. Para isso, é preciso instalar rampas e banheiros adaptados, bem como modificar os móveis quando for necessário, por exemplo. A deficiência, em alguns casos, também precisa ser levada em consideração para evitar o esforço exagerado.
Capacitação – Através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o governo federal espera qualificar, pelo menos, 150 mil pessoas com deficiência até 2014. Mais informações sobre os cursos e as inscrições estão no site do Pronatec.
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