O suíço Joseph Blatter desafiou a condenação imposta, alertou que o Comitê de Ética não o pode destituir da presidência e insinua que pode impedir a realização da eleição marcada para 26 de fevereiro do próximo ano. "Eu voltarei", prometeu, nesta segunda-feira, após ser suspenso por oito anos pelo Comitê de Ética da Fifa, junto do francês Michel Platini.
O Comitê de Ética, que já havia suspendido Blatter e Platini provisoriamente por 90 dias, puniu os dois em razão de uma suspeita transferência de US$ 2 milhões do suíço ao francês, em 2011. O Ministério Público da Suíça também investiga o caso.
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Poucas horas após o anúncio da punição, Blatter concedeu entrevista coletiva. Ao chegar para o evento, a barba por fazer, os olhos inchados e um curativo no rosto mostravam outra face do dirigente. Mas o suíço tentou adotar um tom desafiador. Prometeu recorrer da decisão e escolheu realizar o encontro com a imprensa na antiga sede da Fifa, numa espécie de tentativa de mostrar que foi ele quem construiu a entidade.
"Fui traído. Eu ainda sou o presidente, mesmo afastado", disse o suíço. "Só o Congresso da Fifa pode me afastar, não o comitê. Eles não tem esse direito", afirmou. "Criamos o comitê para lidar com ética. Mas se eles tentam barrar evidências, cometem uma violação de direitos humanos."
Blatter também insinua que pode tentar melar as eleições em fevereiro de 2016. "Para eleger novo, eu preciso sair", alertou. Concorrem ao pleito Salman bin Ebrahim al-Khalifa, Tokyo Sexwale, Ali bin al-Hussein, Gianni Infantino e Jérôme Champagne. Mas nenhum deles é alvo de um consenso.
"Eu voltarei. Não acabou. Vou lutar pelos meus direitos", prometeu Blatter. "Vou lutar por mim e pela Fifa. Vou usar a Justiça. Não se pode terminar 40 anos assim. Não é possível. Suspenso, por quê?", questionou.
A decisão de afastá-lo foi elogiada por políticos europeus e seus adversários, enquanto os patrocinadores deixaram claro que Blatter precisava sair. O organismo, que por anos aniquilou seus opositores, agora era usado para acabar com a carreira do suíço.
"Algo está errado nesse sistema. Lamento que eu seja o saco de pancadas para a entidade. Peço desculpas. Peço desculpas pelo futebol pela Fifa. Mas também lamento por mim", declarou. O suíço questiona até mesmo as regras do afastamento que indica que ele não poderá nem mesmo entrar em um estádio. "Isso só vale para jogadores e técnicos. Não se aplica a mim."
Suas declarações revelam que ele não aceitaria deixar o poder da forma que está ocorrendo. "Eu não mereço isso. Vou lutar até o final", insistiu. Ao falar, citou Nelson Mandela, direitos humanos e insinuou que, em novembro, quase morreu.
Questionado sobre o motivo de tanta insistência, ele explicou: "Estou totalmente ligado a essa Fifa e o dia que vi que ela estava sendo atacada, acusada de ser mafiosa, eu tinha de protegê-la. Eu deveria ter parado depois da Copa de 2014. Teria sido mais sábio. Mas me pediram para ficar", disse.
Blatter continuou seu argumento de que não é responsável pela corrupção dos demais cartolas, muitos deles latino-americanos. "Não tenho essa responsabilidade moral", disse.
Apesar de mostrar resistência, Blatter dificilmente poderá voltar e, segundo fontes dentro da entidade, a meta é justamente a de "virar a página". O ex-presidente tinha na Fifa sua própria vida e era acusado por opositores de confundir a história do futebol com a sua própria.
Blatter entrou na entidade ainda nos anos 70 e passou a ser o braço direito de João Havelange. Juntos, os dois criaram um sistema clientelista no qual as federações nacionais recebiam privilégios, dinheiro e torneios em troca de um apoio incondicional aos dois cartolas em Zurique.
Os escândalos se sucederam. Mas ele sempre saiu intacto. Apoiado principalmente por países irrelevantes no futebol, Blatter costurou a criação de um império que o permitiu vencer cinco eleições a partir de 1998. Mais de cem federações pelo mundo dependiam praticamente de forma plena dos recursos que a Fifa os enviava. Suas alianças com multinacionais e pactos com ditadores sanguinários também reforçaram a fundação de seu poder, ao ponto de Havelange o alertar que estava "criando um monstro".
Mas, no dia 27 de maio de 2015, a história de Blatter mudaria de forma profunda. Uma ação policial em Zurique e na sede da entidade fez com que as empresas patrocinadoras exigissem sua saída. Quatro dias depois de vencer as eleições, o suíço foi obrigado a anunciar novas eleições, em fevereiro de 2016.
Ele estava convencido, porém, que voltaria ao poder e usaria esse tempo para desmascarar e manobrar seus opositores, os eliminando. Assim, em fevereiro de 2016, demonstraria às 209 federações nacionais que apenas ele poderia continuar mandando na Fifa.
O que ele não contava, porém, era com uma ação da polícia de Zurique que, em setembro, entrou na Fifa e o colocou como suspeito por corrupção e gestão desleal. Apesar de insistir em sua inocência, foi obrigado a deixar seu escritório na Fifa. Ao mundo, chegou a dizer que não era "demônio". Agora, foi o "mostro" que o devorou.