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No Dia Mundial do Refugiado, celebrado nesta segunda-feira, 20 de junho, o chefe da família de venezuelanos indígenas da etnia Warao, Celso Zapata, de 45 anos, contou ao LeiaJá a sua trajetória. E ela não foi fácil. Sua saga começou no dia 7 de janeiro de 2018, quando decidiu sair da Venezuela e vir para o Brasil.

“Vendi tudo o que tinha em casa: colchão, cama, roupa, sapato, botijão de gás, bicicleta, televisão, geladeira. Disse à família que iria sair para buscar melhoria. Eu vivia como classe média e a crise me afetou muito”, conta. 

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No Brasil, ele e a família passaram por Boa Vista, em Roraima, e Manaus, no Amazonas, mas voltou para a Venezuela em novembro de 2020. Chegando lá, encontrou três familiares doentes e voltou para o Brasil de imediato. “E trouxe eles para o Brasil. Fui para Manaus, depois Belém (Pará) e depois vim para Recife, pois tinha família aqui. Fiquei na Muribeca”, disse. 

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Ele conta que estava trabalhando em Jardim São Paulo, Zona Oeste da cidade, mas decidiu sair do emprego para procurar soluções para ajudar a família, já que todos são refugiados. “Eu morava em Jaboatão e no mesmo dia que saí, conseguiram a casa de Santo Amaro. Foi quando conheci Sirley (Vieira, coordenador do Cáritas), pelo Cáritas e, através dele, agora temos essa ajuda, mesmo sendo de um ano”. De acordo com Celso, 11 famílias de venezuelanos indígenas da etnia Warao moram em Nova Morada, na Várzea. Ao total, são 11 homens, 11 mulheres e 27 crianças, disse o líder.

Segundo Celso, a cidade que mais o acolheu e acolheu a sua família foi Recife. “Aqui tem muita gente com um coração bom, que ajuda. Saímos na rua e sempre conseguimos algo para comprar alimento. Aqui está melhor, apesar de faltas algumas coisas. Agora está mais difícil conseguir trabalho. Se para um brasileiro é difícil, imagina para os venezuelanos, é mais difícil ainda”, explica.

Uma das maiores lamentações dele é que os seus três filhos, Celso, de 11 anos, Pedro, de 8 anos e a garotinham de 6 anos, não estão estudando.

A Cáritas Brasileira e a Secretaria de Assistência Social de Pernambuco, a partir de um projeto emergencial de acolhimento temporário, oferecem abrigo aos refugiados venezuelanos. Esse projeto também faz a distribuição de alimentos para as famílias toda segunda-feira, e todos moram em casas próximas para estarem mais perto um do outro.

À reportagem do LeiaJá, o Warao lamentou que o contrato do abrigo, que é de um ano, está perto de acabar, “não sei como vai ser depois disso”. No entanto, ele revelou que, caso não consiga emprego e moradia, deve voltar à Venezuela. “Quero voltar porque tenho um irmão lá que está sofrendo, e vendo ele sofrer, eu sofro também. Tenho que enfrentar isso com ele e com a minha família, mesmo as coisas sendo caras e perigosas”. Todo mês Celso tenta ajudar o irmão financeiramente. Ele disse que tenta dividir todo o dinheiro que consegue para ajudá-lo.

A última família de venezuelanos indígenas da etnia Warao se mudou nessa terça-feira (15), para uma casa em Nova Morada, na Várzea, Zona Oeste do Recife. As nove famílias de imigrantes estavam juntas em um local temporário oferecido pela Secretaria de Assistência Social de Pernambuco e executado pela Cáritas Brasileira. As casas foram alugadas a partir de um projeto emergencial de acolhimento temporário dos venezuelanos durante cinco meses. Apesar do abrigo, os imigrantes questionam para onde vão depois desse período, tendo em vista que a principal forma de conseguir alguma renda é pedindo dinheiro nos sinais.  

O Projeto Emergencial para Ajuda Humanitária à População Indígena da etnia Warao da Cáritas conta com o apoio de organizações internacionais e da sociedade civil na área de acolhimento, implementação de experiências em projetos humanitários e desenvolvimento social para indígenas Warao, e também tem parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ) do governo de Pernambuco. A locação das casas de acolhimento na Região Metropolitana do Recife (RMR) durante cinco meses é uma forma de trabalho para fortalecer o vínculo familiar comunitário, autonomia e corresponsabilidade. 

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Cerca de 80 indígenas Waraos estão locados em casas nos bairros de Santo Amaro e Várzea, que foram alugadas pelo Cáritas Arquidiocesana de Olinda e Recife (CAOR). São 13 famílias ao total acolhidas pelo projeto; uma está locada em Santo Amaro, e as outras 12 em Nova Morada. Os imóveis são divididos por duas ou três famílias, e são disponibilizados fogão, geladeira, ventilador e filtro de água, além do fornecimento semanal de alimentos. 

De acordo com o coordenador do Cáritas, Sirley Vieira, a distribuição da alimentação tende a acontecer toda segunda-feira, e todas as famílias moram em casas próximas. "Porém, como esses estavam lá no CSU e iam se mudar hoje, combinei com eles para entregar a alimentação no dia da mudança. Em Nova Morada, o total são 12 famílias; quatro em uma rua, quatro em outra; duas em outra e mais duas numa outra".

Só uma família está em um bairro diferente, em Santo Amaro. Ele explicou a motivação da distância. "Existia uma família em Santo Amaro que a gente dava assistência e as filhas já estudavam em Santo Amaro, e eles quiseram ficar lá. Arrumamos a casa e instalamos eles lá, mas a Prefeitura tinha feito um acordo com eles no mesmo período para continuar dando assistência, foi quando essa casa ficou vaga e como tinham muitas famílias no CSU da Imbiribeira, a gente perguntou se uma delas queria ir para Santo Amaro, até que uma se prontificou", disse. 

"Todas as outras famílias estão instaladas aqui. Foi uma solicitação deles porque, a princípio, quando a gente foi fazer o mapeamento e o levantamento para colocar as famílias, conseguimos fechar os primeiros contratos da casa aqui em Nova Morada. As primeiras famílias que se instalaram aqui gostaram do bairro e todos solicitaram vir para cá. Isso causou um certo problema pra gente no início, porque a gente não tinha garantia de conseguir todos os outros aluguéis, mas encontramos casas, abrimos processo de negociação com os proprietários e hoje, graças a Deus, a gente conseguiu fechar a última casa", contou. 

No entanto, em conversa com os venezuelanos, eles contaram à reportagem do LeiaJá que se veem desamparados e sem saber para onde ir em cinco meses. "Deveria ser de pelo menos um ano para podermos nos organizar melhor", disse o chefe de uma das famílias. 

A principal forma deles conseguirem dinheiro é pedindo nas ruas e nos sinais do Recife, foi assim que uma mulher, que manda cerca de R$ 200 para a mãe que está na Venezuela todos os meses, conseguiu comprar uma geladeira, já que tem muita gente na casa. "Eu comprei a geladeira com o dinheiro do meu suor, e quando sair daqui, como vai ser?", questionou. 

Um outro imigrante disse que não poderia falar nada porque não tinha "coisas boas" para falar. "Estaria mentindo", disse. A justificativa foi a sensação da volta às ruas estar se aproximando a cada dia que passa. Além disso, não sabem se quando saírem da casa vão poder levar os móveis doados pelo Governo de Pernambuco, "não dá para confiar". 

“O projeto prevê um apoio de cinco meses, os que estão sendo instalados conta de agora a garantia do apoio de todo o projeto. Estamos em diálogo desde o ano passado com o governo do estado pra ver se eles conseguem estender esse prazo por pelo menos um ano, e eles já pontuaram a possibilidade da extensão, mas ainda não deram a posição final, estão vendo qual é o recurso que eles conseguem. E é isso o que a gente pretende, que eles fiquem com garantia de 12 meses porque a gente acredita que é o tempo mínimo para eles poderem realmente se ajustar”, detalhou o coordenador da Cáritas. 

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A Clínica-Escola de Odontologia da Faculdade UNINASSAU Belém realiza procedimentos odontológicos em indígenas venezuelanos da etnia Warao. Inicialmente, o projeto atende apenas crianças e adolescentes. Logo após, os adultos serão incluídos pela clínica.

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A faculdade adicionou o projeto em seu calendário de Responsabilidade Social. Para a coordenadora acadêmica e uma das gestoras do projeto, Leila Hanna, a iniciativa visa garantir a saúde bucal dos pacientes. "Esse projeto foi idealizado com a intenção de poder proporcionar saúde e bem-estar a essa comunidade indígena venezuelana, que tanto necessita de atendimento odontológico", afirma.

Os procedimentos são feitos por docentes e acadêmicos do 9° semestre da graduação de Odontologia. Os serviços oferecidos para os pacientes são: remoção cirúrgica de dentes, restaurações, limpeza dental e radiografia.

A ação conta com a parceria da Defensoria Pública e da Agência de Desenvolvimento da Amazônia - ADA. Em abril, foi feita uma visita para avaliar e diagnosticar a saúde bucal dos indígenas. "Devido a essa parceria, nós conseguimos levar os  indígenas até a nossa Clínica-Escola, da UNINASSAU Belém. A partir desse momento, nós realizamos os atendimentos a essas crianças", destaca a coordenadora.

A comunidade Warao atendida é a do abrigo municipal, no bairro de São Brás. O projeto visa atender, até 9 de junho, cerca de 60 indígenas venezuelanos. Os atendimentos ocorrem na unidade Quintino Bocaiúva, todas as quartas-feiras, de 8 às 12 horas.

Por Ana Beatriz Manarte.

 

Cerca de 27 entidades e núcleos assistenciais assinaram, nesta quinta-feira (3) uma carta-denúncia, que cobra respostas imediatas do Governo de Pernambuco e da Prefeitura do Recife sobre a situação do povo indígena de etnia Warao, que tem migrado de forma expressiva para a capital e cidades do interior desde 2019. No documento, representantes chamam de xenofóbica e despreparada a gestão local, responsável pelas políticas públicas de manutenção da diversidade étnica e cultural.

Os tópicos de denúncia vão da solução habitacional à segurança alimentar dessa população. O povo Warao está distribuído pelo Brasil, e atualmente tem maior concentração no Nordeste, estando, em Pernambuco, na capital e nos municípios de Jaboatão dos Guararapes, Garanhuns e Caruaru.

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Vivendo em ocupações irregulares e com pouca ou nenhuma assistência sanitária, essas pessoas estariam em espaços insalubres, prejudiciais ao desenvolvimento social, à qualidade de vida e adaptação à cidade. O documento também lembra que, além das diferenças culturais próprias da etnia, os Warao também possuem dialeto próprio homônimo e enfrentam dificuldades de comunicação. 

“Diante do exposto, é revelado que, para além dos casos graves e emergentes que vêm assolando os migrantes indígenas Warao, é notória a paulatina falta de atenção estatal que acarreta em fome, desnutrição, habitações insalubres, mortes precoces e a inexistência de políticas públicas específicas para migrantes internacionais em condição de vulnerabilidade e/ou com necessidades culturais próprias”, diz um dos trechos finais da carta.

Em lista, as organizações cobram, primeiramente, a aplicação dos recursos federais repassados para a oferta de ações socioassistenciais a migrantes e refugiados, instituído pela Portaria nº 468/2020, para a locação de imóveis destinados ao alojamento dos migrantes indígenas Warao.

A portaria de 13 de agosto de 2020 se refere ao repasse emergencial de R$ 288 mil, feito pelo Ministério da Cidadania ao Poder Público do estado para ser aplicado em soluções socioassistenciais específicas para 120 imigrantes e refugiados no município do Recife.

Em consequência de uma determinação da Defensoria Pública da União (DPU), foi firmado um acordo extrajudicial em que a PCR teria se comprometido a realizar, mensalmente, depósitos bancários, em valor equivalente a 15 benefícios eventuais, totalizando R$ 3 mil, a serem destinados ao custeio de aluguéis de imóveis que oferecessem condições adequadas de habitação até dezembro de 2020. Essa ação, segundo as entidades, “ocorreu de forma mitigada e incipiente, pois não contempla a integralidade dos migrantes indígenas Warao”.

A carta-denúncia cobra também a criação de um Plano de Ação com foco na assistência social inclusiva, e que leve em conta as particularidades do povo suportado em questão. Além disso, os Warao têm necessidade de atendimento inclusivo em unidades de saúde, sobretudo com a presença da Covid-19, que expõe a essa população riscos agravantes.

Sobre a proteção à vida, as entidades expõem a morte de duas menores Warao. Segundo os representantes, os óbitos poderiam ter sido evitados com a intervenção do Poder Público. 

“Recentemente, ganhou grande notoriedade o falecimento de uma adolescente por tuberculose pulmonar em uma das casas que alojam os migrantes indígenas Warao na cidade do Recife, o que enfatiza a grave ineficiência do sistema público em proporcionar um acompanhamento médico adequado às pessoas e acarreta, nos casos mais extremos, a perda de uma vida por uma doença curável. É de se destacar também o caso de internação de uma criança três anos de idade, já no pregresso mês de novembro, em estado gravíssimo com meningite meningocócica”, argumentam.

A carta destaca a urgência das situações expostas e lembra que o programa assistencial, supostamente não cumprido da forma acordada, só contempla essa população até o mês de dezembro.

Procurada pelo LeiaJá, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ) do Estado de Pernambuco disse não estar ciente das denúncias e que precisaria apurar os fatos. Até o momento desta publicação, não houve atualização por parte da secretaria.

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O sábado (31) foi de celebração para as crianças venezuelanas da etnia indígena Waraos, refugiadas com as suas famílias no centro do Recife desde 2019. Em campanha conjunta da Cáritas Brasileira NE2, em parceria com a Rede De Amor, Fraternidade e Amizade (Projeto RAFA), foram entregues mais de 150 brinquedos aos pequenos refugiados, que apesar da pandemia da Covid-19, não passaram o Dia das Crianças em branco.

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A ação solidária “Doe e faça uma criança feliz” foi organizada pelas entidades locais, e tem o objetivo de sensibilizar a população para a presença e necessidades do povo venezuelano que vem ao Recife. Tudo ocorreu seguindo as orientações e protocolos de segurança contra a Covid-19.

Os presentes foram entregues a aproximadamente 150 crianças, de até 12 anos de idade, em dois momentos distintos. Pela manhã, a ação foi das 9h às 11h, e ocorreu nas casas do povo Waraos, nos bairros de Santo Amaro e Coelhos, no Centro. À tarde, o ponto de distribuição dos presentes foi na área externa da Casa de Direitos, no Bloco E da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), das 14h às 17h. Ao fim da visita na primeira residência, o ancião António Calderón, de 60 anos, chamou a atenção dos convidados e pediu para cantar um canto ancestral sagrado do povo Waraos, em agradecimento à presença de todos.

Segundo Calderón, “essa música só se canta em momentos muito especiais e alegres, e nós somos um povo festivo”. O idoso utilizou um instrumento típico chamado “Jabisanuka”, espécie de chocalho, como apoio.

As crianças Warao ainda não sabem dialogar em português, e usam do espanhol sob o próprio dialeto indígena, mas foram responsivas à presença das equipes. Alegres, receberam os presentes sem timidez, brincaram e pediram atenção nas fotos e vídeos.

O Projeto RAFA propõe iniciativas voltadas aos venezuelanos e dá suporte às famílias imigrantes, com foco no empreendedorismo, investimento e reconhecimento de talentos dessas pessoas. Segundo o idealizador do projeto, Luiz Marcos Nascimento, até agora, seis pequenos empreendedores já foram ajudados financeiramente e com consultoria para levar os seus projetos adiante. Já a Cáritas possui um programa de  migração e refúgio, que assessora as famílias e realiza a sua acolhida direta, conectando-as com as entidades do direito civil no Estado, situando e conscientizando os Waraos. Ambos atuam de forma independente, mas estabelecem comunicação com órgãos estaduais, com a Prefeitura do Recife e com o Ministério Público de Pernambuco, para conseguir realizar um melhor monitoramento da movimentação desses imigrantes.

Ao todo, cerca de 20 famílias são assessoradas. O educador social da Cáritas e ponte de comunicação entre os grupos assessores e os Waraos é um imigrante venezuelano, no Brasil há aproximadamente três anos. Davi Ramos, quando perguntado pelo LeiaJá sobre o monitoramento dos casos da Covid-19 entre o povo indígena, explicou que a capacidade de rastrear o vírus nessa comunidade é muito baixa. “Sei que houve uma morte confirmada, de um senhor de 60 anos, pai de uma mulher Warao na comunidade do Recife. Isso ocorreu há quatro meses, mas é difícil saber se houve mais mortes. A Prefeitura do Recife testou todos os cidadãos venezuelanos sob nossa assessoria, e ao menos quanto à confirmação de casos, ainda não temos positivos”, disse.

Ainda segundo o educador, o povo Waraos está em movimento de diáspora há quase 20 anos. Eles são parte do povo ribeirinho originário de Delta Amacuro, às margens do Rio Amacuro, próximo à fronteira da Venezuela com a Guiana. Apesar da influência da situação socioeconômica na Venezuela, a exploração ilegal e contaminação das terras indígenas, principalmente as ribeirinhas, têm forçado essas famílias a buscar novos lares. Waraos tentam se realocar em um Recife “próspero”. 

O educador social Davi Ramos explica que o povo indígena tem chegado ao Brasil de forma independente, e não foi diferente com os imigrantes no Recife. A maioria está na cidade desde outubro de 2019 ou chegou mais recentemente. “Eles chegaram sozinhos, por conta própria. Faz parte da missão da Cáritas ajudar os mais vulneráveis, então, nós, juntos ao Projeto RAFA, e com o Comitê de Imigrantes e instituições do estado, realizamos o acolhimento dessas pessoas. O Nordeste tem visto muito dessas migrações, principalmente Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas”, contou o venezuelano.

José Lizardo Moraleda é líder da família que reside em Santo Amaro. Está no Brasil há um ano, mas em Recife, é recém chegado e acaba de completar um mês na cidade. Ele contou que chegou ao Brasil com o apoio das autoridades, e precisou ficar em uma casa de apoio em Pacaraima, na divisa entre Roraima e Venezuela. Apesar de enxergar o Recife como um lugar “próspero”, tem vontade de voltar ao próprio país. “Não vim para cá definitivamente. Tenho vontade de voltar à Venezuela, apesar da situação, sinto falta da minha terra, da agricultura. Somos uma família que sempre trabalhou, e queremos trabalhar, mas no meu país não está acontecendo trabalho. A situação está muito difícil e caótica, e o custo é muito alto. Sinto falta da minha família, e penso em voltar para lá no próximo ano, apesar de tudo”, disse o chefe de família.

Para António Rafael, morador do bairro dos Coelhos, a perspectiva já é outra. De origem rural, na Venezuela, vivia de agricultura ao lado da esposa Irma Ribeiro, uma Warao. O “criollo”, como são chamados os não-indígenas, relata que foi vítima de roubos na sua propriedade no país natal e que, pela situação de vulnerabilidade, o crime é uma opção para muitas pessoas. “Na Venezuela, o custo de tudo é muito alto. Em alguns lugares, cobram as coisas em dólar americano. Quinze dólares um pacote com carne, 10 dólares um fertilizante para a minha terra. Como um indígena pobre, como eu, vai conseguir esse dinheiro para sobreviver? Graças a Deus, aqui em Recife, não passamos fome. Conseguimos comer e temos um lugar para ficar. Espero que surjam oportunidades de trabalho, pois não penso em voltar”, revelou o agricultor.

O depoimento se repetiu conforme os venezuelanos eram ouvidos. A família vizinha de António vive em uma situação ainda mais vulnerável. Com um banheiro e um quarto para sete pessoas, das quais cinco são crianças, os Morales ainda não conseguiram se estabelecer no Estado, e têm recorrido às ruas. Bicui, pai da família, pede por ajuda e diz que tem pedido dinheiro junto aos filhos. “Junto cada R$ 50 e vou comprando o que dá para comer no dia. Os vizinhos ajudam, o meu sobrinho, o meu cunhado. Todo mundo junta o que pede e compra algo para comer. Tenho cinco crianças aqui, então dou atenção ao que precisamos mais. Um leite, pão, frango… Tudo é muito caro para nós. Precisamos muito de ajuda, de trabalho. Quero ter uma ferramenta para trabalhar. Sinto saudade da minha mãe, do meu pai, que ficaram lá, mas eu preciso continuar aqui”, desabafou.

A família Morales ainda não é assessorada pelo Cáritas, nem pelo Projeto RAFA. Eles chegaram recentemente à cidade, e se comunicam com a família estrangeira pelo telefone de uma vizinha, que os dá apoio. As entidades pegaram o contato dos residentes para seguir o procedimento de acolhida.

Venezuelanos da etnia Warao, que vivem em situação vulnerável no Recife, pedindo ajuda nas ruas, ganharam uma moradia provisória e alimentos para se isolarem e evitar o contágio pelo novo coronavírus. Ao todo, 127 venezuelanos foram divididos em três casas no Recife.

 A aglomeração é uma das grandes preocupações da Cáritas Brasileira Regional Nordeste 2 (CBNE2), instituição que tem assessorado e acolhido os imigrantes no Estado e foi responsável por conseguir as moradias. As casas, cedidas pela Prefeitura do Recife por meio do aluguel social, estão divididas com 25, 47 e 55 pessoas.

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 Segundo Neilda Pereira, secretária regional da CBNE2, viver em grandes grupos é uma característica dos próprios waraos. "Inicialmente nossa proposta seria um diálogo com a prefeitura para alugar várias casas. Mas faz parte da cultura deles, a gente tem que entender os costumes, não pode forçar", diz.

 Na terça-feira (29), a CBNE2 foi informada que um idoso de 95 anos morreu em uma das casas. Ele não apresentou sintomas da Covid-19, mas será realizado um teste para confirmar. "Seria importante que eles aceitassem se dividir por causa do coronavírus, mas dizem que já enfrentaram coisa pior", pontuou Neilda.

 As mudanças foram feitas na sexta-feira (24) e no sábado (25). A CBNE2 tem garantido alimentos e produtos de limpeza. Além do acompanhamento permanente, a instituição também tem conscientizado os venezuelanos para que não saiam de suas casas. "Estamos garantindo que chegue a alimentação. Tendo a alimentação em casa, não tem necessidade de sair às ruas e pedir nos sinais. Mas eles têm uma necessidade também de enviar dinheiro para a Venezuela. Acabam pedindo ajuda para mandar para os parentes que ficaram lá", explica a secretária.

 A instituição estuda a construção de um conjunto de ações para essa população. Em conversas com os refugiados, foi notado o interesse em atividades relacionadas à pescaria e construção de canoas. "Eram atividades que eles faziam na Venezuela porque moravam próximos a rios", diz Pereira. A CBNE2 quer discutir a possibilidade das famílias reconstruírem suas vidas em outras regiões do Estado.

 O Convento Nossa Senhora da Glória, no Recife, faz campanhas e organiza os alimentos a serem distribuídos para os imigrantes. Interessados em fazer doações podem telefonar para a Cáritas Brasileira Regional Nordeste 2 no telefone (81) 98223-1741 ou entrar em contato por meio das redes sociais da organização.

Garoto warao se alimenta em pé, em meio à desorganização do corredor de uma das casas. (Arthur Souza/LeiaJáImagens)

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Há pouco mais de um mês, a Rua da Glória, no Bairro da Boa Vista, Centro do Recife, se transformou em um inusitado reduto de indígenas da etnia Warao oriundos da zona rural da cidade de Tucupita, capital do estado venezuelano de Delta Amacuro, a 720km de Caracas.

Fugindo da grave crise econômica da Venezuela, responsável pela escassez de roupas, medicamentos e alimentos no país, cerca de setenta pessoas estão aglomeradas nas casas de número 480 e 485 e tentam se acostumar a uma rotina completamente diferente. Sem acomodações apropriadas ou mesmo colchões, crianças, mulheres e homens passam a maior parte do dia enfileirados no chão dos corredores estreitos dos imóveis, segurando crianças de colo nos braços. À tarde, quando o calor se torna insuportável, é preciso circular pela rua e vencer a timidez- que parece comum ao grupo- para ocupar algumas calçadas.

É pela manhã, contudo, que cerca de trinta adultos esmolam pelas ruas, com a árdua tarefa de pagar o aluguel de uma casas e garantir a alimentação dos demais. “Não estamos passando fome porque estamos pedindo dinheiro nos sinais. Saímos com os cartazes, com os quais mostramos que somos venezuelanos e precisamos de ajuda. Algumas pessoas contribuem, mas outras sempre dizem que aqui no Brasil não tem abrigo para nos receber e perguntam o porquê de a gente não estar estar trabalhando”, comenta Lorenzo*, que mora em uma das casas e veio para o Brasil há sete meses, com a esposa e os filhos. 

“Viemos em um grupo de oitocentas pessoas, mas um parte ficou em Manaus. Minha mulher e meu filho estão no Maranhão, tentando conseguir dinheiro para vir. As pessoas que ficaram lá estão tentando vir, pouco a pouco”, conta.

Além conviver com a saudade, Lorenzo ainda precisa lidar com a ausência de moradia fixa. “Estamos nesta casa (485) há um mês e eles (outros venezuelanos) na outra (480) há cerca de dez dias a mais que nós. Eles pagam R$ 400 reais, mas nós não pagamos aluguel nesta, o dono deixou a gente passar o mês aqui. Não sei para onde vamos depois disso, não temos dinheiro, queremos que a prefeitura nos ajude”, lamenta.

Em cartazes improvisados no isopor, levados aos sinais, venezuelanos se esforçam para pedir em português: "poderia me ajudar?". (Arthur Souza/LeiaJáImagens)

Falando em espanhol durante toda a entrevista, o warao lembra que, na Venezuela, ele e seu povo viviam da agricultura. “Minha ideia é ficar no Brasil e conseguir um emprego, mas ainda não sei como, porque não cresci na cidade e trabalhava como agricultor, então não tenho formação profissional. Além disso, eu não falo português”, lamenta.

Os problemas enfrentados por Lorenzo são os mesmos de praticamente todos os seus compatriotas instalados na Rua da Glória. A única exceção parece ser o professor Salvador*, que funcionou como uma espécie de interlocutor do grupo no primeiro diálogo oficial com o governo municipal, que se deu através de uma reunião com a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara do Recife, realizada no dia 14 de outubro.

Após muita insistência da reportagem, o professor aceitou trocar algumas palavras com a equipe do LeiaJá. Desconfiado, ele alegou que a entrevista não seria necessária já que outros jornalistas já haviam falado com ele e “nada foi feito”. “A prefeitura veio aqui pegou nossos nomes e documentos, mas não fez nada. Estamos esperando a resposta, não sei quando eles vão dar”, resume.

Adultos passam o tempo nas calçadas, onde também fogem do calor no interior das casas, na Rua da Glória. (Arthur Souza/LeiaJáImagens)

Em nota, a assessoria de comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas Sobre Drogas e Direitos Humanos, órgão da prefeitura do Recife, confirmou que esteve no local em quatro ocasiões - a última delas no dia 21 de outubro - e cadastrou setenta imigrantes warao que estão residindo na Rua da Glória, dentre eles, 40 crianças e adolescentes, organizados em 15 núcleos familiares.

As informações coletadas foram reunidas com a intenção de traçar um perfil desta população e compreender suas necessidades, para, a partir delas, planejar ações. “Foram identificadas necessidades básicas - documentação moradia, saúde, educação e emprego. As equipes realizaram reunião com a Defensoria Pública da União para receber orientação sobre a regularização da documentação dos refugiados, bem como encontros com as secretarias municipais de Saúde, Educação e Trabalho, para discutir alternativas de atendimentos nessas áreas”, acrescenta o comunicado oficial.

Ainda de acordo com a prefeitura, as famílias instaladas na Rua da Glória chegaram ao Recife sem apoio oficial de governos e entidades assistenciais, na primeira semana de outubro.

Há cerca de dois anos, a maior parte do grupo entrou no Brasil, passando por Pacaraima (Roraima), Belém (PA), Fortaleza (CE) e Natal (RN). “Os imigrantes estão sendo acompanhados por Agentes Comunitários de Saúde e enfermeiros do Programa de Agentes Comunitários Boa Vista - que fica a 3 minutos distante da Rua da Glória. A Secretaria de Saúde do Recife realizou atendimentos médico e odontológico e fez vacinação de adultos e crianças. Os profissionais também começaram tratamento contra verminoses e pediculoses (piolhos). Houve ainda bloqueio contra varicela, já que uma criança teve a doença, conhecida como catapora”, acrescentou a prefeitura.

Segundo a Prefeitura, há 40 crianças warao na Rua da Glória. (Arthur Souza/LeiaJá Imagens)

Na tarde da última terça (5), foi realizado um mutirão CADúnico/ Bolsa família com os warao. Ao contrário da primeira leva de imigrantes venezuelanos, contudo, os recém-chegados ainda não foram cadastrados na Agência do Trabalho. Segundo a Prefeitura, o aluguel social é uma alternativa para solucionar o problema de moradia do grupo, mas a possibilidade de sua aplicação ainda está sendo discutida com o Governo do Estado.

Crianças sem estudar

Segundo Pablo*, morador da casa de número 480, nenhuma das 40 crianças de origem warao que residem na Rua da Glória está matriculada em escolas. “Antes de alugarmos a casa, as crianças sofriam muito na rua. Elas precisam estudar, como toda criança, para que não percam nossa cultura nem deixem de aprender a daqui”, preocupa-se.

Para o vereador e membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal do Recife, Ivan Moraes (Psol), que participou da reunião do dia 14 com os Warao, o município não pode agir, para solucionar a demanda de educação dos jovens ou qualquer outra, até que analise bem os dados coletados durante o cadastramento realizado. “Muitos não têm documentos, não é uma coisa simples. Quais documentos essas crianças já possuem? Quais elas não têm? Com as informações coletadas, a Prefeitura irá avaliar se já temos programas sociais suficientes dentro da pauta do povo em situação de rua dentre outros ou criar um novo programa”, opina.

Moraes comentou ainda que, durante a reunião, parte do grupo manifestou interesse em solicitar o status de refugiado. “O que formalmente deveria ter sido feito quando eles entraram no país. Como eu tenho me posicionado: um grupo de pessoas, seres humanos, vieram bater na nossa cidade. Então, só por isso, eles têm o direito de terem seus direitos garantidos, não importa de onde sejam”, conclui.

Reunião na câmara foi o primeiro contato oficial dos warao com o governo municipal. (Divulgação/CâmaradoRecife)

No Brasil, o mecanismo do refúgio é regido pela Lei 9.474 de 1997, que estabelece os procedimentos para a determinação, cessação e perda da condição de refugiado, além dos direitos e deveres dos solicitantes. A Lei Brasileira de Refúgio considera como refugiado todo indivíduo que “ I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.

A presidente da Subcomissão de Direito dos Refugiados da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Pernambuco (OAB-PE), Emília Queiroz, frisa que poucas pessoas no Brasil são oficialmente refugiadas. “A solicitação desse tipo de visto se dá através da Polícia Federal (PF), mas pode durar anos e não gera um NIS (Número de Identificação Social), o que impede que essas pessoas sejam contratadas por empresas que exigem o número”, coloca. Por esta razão, muitos dos venezuelanos que chegaram ao Brasil preferem pedir o visto de residência. “Esse é temporário, diferentemente do status de refugiado”, completa Queiroz.

Donativos

Pablo acrescenta que o grupo está conseguindo arrecadar comida, mas tem a dieta prejudicada pela ausência de uma geladeira. "A gente tenta comprar frango, mas não temos onde guardar. Queríamos pedir às pessoas que puderem nos ajudar que tragam doações", pede. 

*nome fictício

Desde 2017, o Brasil vem recebendo uma grande quantidade de imigrantes e refugiados, vindos principalmente da Venezuela. Esses imigrantes atravessam a fronteira até chegarem nos Estados brasileiros. Segundo a ACNHUR  (Agência das Nações Unidas para Refugiados), cerca de 212.441 dos imigrantes e refugiados  vivem no Brasil.

Povos indígenas também estão migrando. Cerca de 735 indígenas da etnia Warao vivem em Belém em busca de oportunidades de trabalho e união familiar.

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Para falar sobre a situação dos indígenas Warao, em Belém, conversarmos com o intérprete da etnia José Albarrán López. Clique no ícone abaixo e ouça o podcast.

Por Sandy Brito e Lucas Neves.

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