Nesta segunda-feira (12), o Recife faz aniversário e completa 481 anos. Dois anos mais velha, Olinda, que é Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, faz 483 anos. Apesar das diversas atividades culturais espalhadas em diferentes pontos das cidades irmãs em homenagem à data, nem tudo é motivo de celebração. Para moradores em situação de rua, o maior desejo de aniversário é que as metrópoles sejam cidades mais humanas com todos habitantes, com ou sem moradia.
Vivendo nas principais vias das cidades e acostumados com os olhares indiferentes, moradores em situação de rua quase sempre carregam histórias tristes e motivos semelhantes para ter ido buscar oportunidades nas ruas. A falta de uma moradia fixa, de um lugar para dormir permanentemente, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e desilusões amorosas. M.A, 67, veio do Rio Grande do Norte para morar em Olinda com quatro anos. Dois anos depois a mãe faleceu. Aos nove, já estava nas ruas.
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O idoso diz ter uma relação muito íntima e pessoal com as duas cidades porque já viveu sob marquises, em praças, embaixo de viadutos e pontes. Conheceu na pele a realidade de Olinda e Recife. "Eu sempre fico por Olinda, na igreja de Rio Doce, porque é uma terra muito boa, me sinto mais acolhido do lado de cá do que nas ruas do Recife. Nunca tive condições de pagar aluguel, mas também não tenho muitos problemas com a rua porque já me considero adepto das calçadas. Meu único desejo é que nesse aniversário, Olinda seja mais humana com os moradores de rua. Desejo menos desprezo, apesar de que já me acostumei com ele", disse.
Também moradora das ruas de Olinda por quase toda a vida, E. I, de 39 anos, nem sabia que nesta segunda-feira (12) era celebrada a data de aniversário das cidades irmãs. Quando recebeu a informação, também deu com os ombros e não ligou muito. "Perdi minha mãe aos oito anos. É um desgosto que a gente sente pela vida que você pode nunca mais se recuperar. Eu comecei a beber e não me envergonho disso", diz a moradora que lava carros para conseguir um trocado, no bairro de Rio Doce. Para ela, a celebração das cidades nem deveria existir.
"Eu não acredito em melhoria, esses políticos não nos enxergam. A gente pede um prato de comida numa porta e ninguém quer dar. Um copo de água as pessoas negam. Nem uma carona os motoristas dão. Nesse aniversário, eu queria ganhar era uma refeição boa para me manter", contou. A mulher também diz que prefere não votar porque não acredita no poder das urnas eleitorais. "Eu tenho título, mas não voto. Não enxergo motivos para votar se não sirvo pra nada, não preciso de conta no banco, nem cartão de crédito. Só votava em Lula. Na minha consciência eu preciso que meus amigos e amigas melhorem de vida igual eu to começando a melhorar", afirmou.
Morar nas ruas é uma condição difícil. Uma série de problemas sociais contribuem para essa dificuldade. Violência, falta de saneamento básico e higiene, a falta de alimentação, a precariedade de uma vida desconfortável e a falta de mais cuidados nos abrigos e albergues públicos. Com quase 500 anos, Recife e Olinda têm realidades semelhantes e o número de pessoas em situação de rua ainda é alto.
Deitado em seu colchão improvisado com espumas e lençóis, o artesão E.C, de 57 anos, chegou há sete meses ao coreto da praça do Carmo, em Olinda. Na rua desde os 14 anos, ele já viveu em várias cidades do país e considera a cidade histórica uma das melhores porque recebe comida quase todos os dias. “Mas quem mora no meio do mundo não se sente acolhido em canto nenhum. Eu já me acostumei com essa vida porque não tenho 200 reais para alugar uma casa e pagar todo mês”, disse o artesão.
No dia em que Olinda completa mais um ano, ele garante: “eu não tenho motivos para saber da história de Olinda, se ela não sabe da minha. Vivo na cidade e vou levando a minha arte. Gostaria que houvesse mais cuidado com quem tá na rua. Não é uma escolha, depois de um tempo é sobrevivência. Cada dia é uma vitória e hoje meu lugar favorito é o coreto, amanhã pode ser um viaduto.
No Recife, a quantidade de moradores de rua é maior. De acordo com dados do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) em 2016 havia mais de três mil moradores nas calçadas e praças da capital pernambucana. A moradora itinerante do centro do Recife, M. S, de 37 anos, diz que uma das razões para não celebrar o aniversário da cidade é porque ela não gosta de festas. “Pobre nasceu pra ser pobre e sofrer. Não tenho perspectiva de melhora de vida porque nenhum amigo cresce na vida. É da rua pra pior. A gente vive pedindo comida e bebendo pra poder esquecer desse sofrimento”, lamentou.
Em Olinda, atualmente há 250 moradores em situação de rua em toda cidade, sendo 150 atendidos pelo projeto Consultório de Rua. De acordo com a Prefeitura da cidade, a iniciativa proporciona benefícios nas áreas de saúde, educação e moradia.
“Os técnicos que trabalham no projeto, idealizado pela Coordenação do Consultório na Rua (CR), e das equipes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e do Cadastro Único de Olinda (CadÚnico), mapeiam as pessoas em situação de rua, recolhem dados e explicam as ações para tais moradores e em seguida analisam o perfil para realizar a inclusão no Bolsa Família”, diz nota enviada à imprensa.
Já a Prefeitura do Recife afirmou que de acordo com o último levantamento cerca de 1.200 pessoas vivem em situação de rua na capital pernambucana. Dentro do quantitativo total, também se levou em conta as pessoas em situação de rua que vivem atualmente em oito casas de acolhida da Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos da Prefeitura do Recife.
"A Prefeitura do Recife acompanha os moradores de rua através do Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (SEAS). A Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos do Recife mapeia as pessoas em situação de rua em toda a cidade e trabalha com a sensibilização e orientação, visando o resgate da cidadania e a retirada consensual dessas pessoas das ruas. Sempre que há aceitação, as equipes do SEAS fazem os encaminhamentos para acolhimento, retirada de documentos, acesso à rede de saúde, inclusão em programas e benefícios sociais e tentativa de reintegração com a família.
Mensalmente, cerca de 200 pessoas diferentes são atendidas nos dois Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro POP) da PCR. O Centro POP atende uma demanda mais emergencial do usuário. É o local onde as pessoas em situação de vulnerabilidade social podem ser incluídas no Cadastro Único, ter acesso à alimentação, higiene pessoal (banho), atendimento psicossocial e podem ser encaminhadas para acolhimento (se quiserem e se enquadrarem no perfil). Os equipamentos oferecem atendimento e atividades direcionadas à sociabilidade, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares. Parte do usuário a procura, diferente do SEAS, em que o serviço vai até o morador de rua.
Os Centro POP funcionam de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h, e se localizam nos bairros de Santo Amaro (Centro POP Glória) e Madalena (Neuza Gomes).
- Centro Pop Glória: Rua Bernardo Guimarães, n° 135, Santo Amaro. Próximo à biblioteca da Unicap. Telefones: 3355-3210/4254.
- Centro Pop Neuza Gomes: Rua Doutor João Coimbra, n° 66, Madalena. Telefones: 3355-3063/4".
*Fotografia: Rafael bandeira