Há 13 meses, Goretti Bussolo criou o Instituto Todas Marias em Curitiba, com a intenção de prestar apoio e ajudar mulheres que sofreram com violência doméstica. O sucesso é tamanho que até homens já procuram auxílio com a instituição. Hoje, Todas Marias realiza atendimentos em todo o país.
Goretti contou que foi estuprada coletivamente quando tinha 12 anos de idade, quando trabalhava de empregada doméstica. O seu ex-patrão pedia para que ela entrasse em baixo da mesa e a "tocava". Depois, em seu segundo casamento, sofreu violência física. De acordo com ela, isso gerou depressão em seu filho, que tem 8 anos de idade. "Violência gera violência. Eu quero salvar meu menino", disse.
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Goretti ainda contou que todos os seus traumas ainda doem, mas que hoje ela consegue separar as suas experiências do que ela escuta. "Hoje eu choro pelas hitórias que eu ouço", afirmou.
LeiaJá - Como se deu a criação do Todas Marias?
Goretti Bussolo - Eu fui uma empregada doméstica aos 11 anos de idade e sofri um estupro coletivo aos 12 anos. Eu passei a ser uma menina problema. Eu escondi a violência e acabei vivenciando isso por muitos anos. Eu só me envolvia com relacionamentos adoecidos.
Tenho um filho de 25 anos, sou mãe solteira. Ou melhor: mãe. E tenho o Eduardo, de oito anos. Cansada, chega um momento da vida que a gente tem que dar um basta. O meu último relacionamento foi traumático. Quando eu vi o meu filho menor com depressão, eu já não tinha mais o que perder. Eu já perdi amigos, família, o amor da minha vida.
Com a medida protetiva, a Patrulha Maria da Penha me indicou para uma entrevista com o Sou Mais Eu. Teve uma repercussão muito grande. Programas de televisão começaram a me chamar para dar entrevistas. Mais de duas mil mulheres entraram em contato. vinte e um homens também. A demanda foi tão grande, pessoas me contando coisas. Hoje eu sou uma mulher empoderada, estudei, abri meus horizontes. Então decidi criar o instituto.
LeiaJá - Isso ainda dói?
Goretti Bussolo - Eu já não choro todos os dias. Hoje eu choro pelas histótias eu que ouço.
LeiaJá - Essas histórias mexem com você pela sua experiência ou pelo próprio conteúdo delas?
Goretti Bussolo - As duas coisas. Mas hoje eu já consigo me colocar fora, a menina que sofreu, não posso mostrar a minha fragilidade. Com muita meditação, hoje eu já consigo separar isso.
LeiaJá - Há quanto tempo o instituto funciona?
Goretti Bussolo - Eu trabalho com mulheres há 11 anos. A gente precisou criar o instituto há 13 meses.
LeiaJá - Como vocês são procurados?
Goretti Bussolo - Normalmente pela internet. São coisas tão maiores do que o eu vivi que me espanto. teve um caso que uma criança me disse: "tia, eu não quero mais sentar no colo do vovô, dói". eu tenho um tratamento humanizado, eu vou na casa, eu vou atrás. Já fui para nove estados. Isso me coloca em risco também.
LeiaJá - Você já foi ameaçada?
Goretti Bussolo - Sou quase diariamente.
LeiaJá - Tem medo disso?
Goretti Bussolo - Eu tenho medo de não ter medo. Eu já tive tanto medo na vida que eu acho que hoje, nós mulheres, não podemos ter medo. Eu procuro colocar isso para elas.
LeiaJá - Você é ameaçada por ser uma mulher forte ou pelo trabalho que desenvolve?
Goretti Bussolo - Os dois. Incomoda muito ao machismo eu não ter medo deles. Eles me chamam de "sapatona". Eu brinco que sou "sapatinha", sou vaidosa. É importante ter autoestima. Quase todas as mulheres, meninas e meninos que sofrem, vivem violência, têm obesidade. Encadeia isso.
LeiaJá - É uma forma do corpo externar a dor que sofre?
Goretti Bussolo - Eu, por exemplo, tive todos os tipos de compulsão. Hoje é pela leitura. Mas já tive outras piores. Eu tentei usar drogas, mas não consegui. Eu fui de uma criação muito rígida, isso para mim gerava uma culpa enorme.
LeiaJá - Os homens também te procuram?
Goretti Bussolo - Nós também cometemos violência. O Brasil está cheio de homens em cárcere privado. Um me ligou, conseguiu fugir e me mostrou o local em que estava preso. O relacionamento doentio vale para os dois lados. Além disso, homens violentos também procuram tratamento.
LeiaJá - Eles mesmos procuram ajuda?
Goretti Bussolo - Sim. Eles mesmos. Nós divulgamos: os homens que querem ser tratados, venham. O grande problema da sociedade é a falta de estrutura familiar, de ajuda. Nós vamos nas escolas, nos presídios feminos também.
LeiaJá - Como se dá o atendimento do instituto?
Goretti Bussolo - Sempre que posso, eu vou até o local. A ONG estava na minha casa, mas tudo foi destruído por lá mais de uma vez. Eu não tenho mais nada, só coragem.
LeiaJá - Vocês encaminham essas mulheres para a Delegacia da Mulher? É um serviço que funciona?
Goretti Bussolo - A Delegacia da Mulher não funciona. Ela é horrorosa. É um desserviço. Você chega lá, fica de três a cinco horas. Eles perguntam: "o que você fez para o seu marido quebrar a medida protetiva?". É aí que eu subo na mesa e divulgo isso. Precisamos melhorar a legislação e o atendimento às mulheres. Isso é necessário.
LeiaJá - O seu trabalho é ligado ao feminismo?
Goretti Bussolo - Não. Ele é a favor da igualdade de direitos. Não quero disputar minha força física de um homen com a minha. Embora eu seja muito forte, eu sei da minha limitação.
LeiaJá - De onde você tira essa força?
Eu já perdi tanto. Fiz tentativa de suícidio. Fiquei internada em um hospício porque eu tive depressão há 27 anos, quando não existia um diagnóstico sobre isso. Era loucura. Eu carrego esse estígma da loucura. Eu coloco tudo o que é meu, não tenho captador. Somos malucos, poetas, que querem fazer sua parte na sociedade.
Eu reclamava muito e um dia uma terapêuta me disse: "Goretti, chega de dizer que você não é amada. Você não se ama. Sobe na mesa!". Hojé, eu subo na mesa.
LeiaJá - A violência gera violência?
Goretti Bussolo - Sim. A violência gera violência.
LeiaJá - Tratando o homem, talvez isso gere uma melhora no relacionamento violento?
Goretti Bussolo - É a grande questão. Estou buscando alguém que banque isso para mim, para descobrir o porquê da violência masculina nas relações. E veja, não estou falando do estuprador.
LeiaJá - A cidade tem esse histórico de violência contra a mulher?
Goretti Bussolo - Sim, Guarulhos é uma das cidades de maior violência contra a mulher no Brasil.
LeiaJá - Os debates nas redes sociais são benéficos ou trouxeram voz para quem deveria ficar calado?
Goretti Bussolo - Isso me incomoda um pouco. Estamos reconhecendo quem somos socialmente. Essa disputa política mostrou ao Brasil quem somos. Éramos encaixotados, lá fora diziam que éramos muito queridos. Eu tenho tentado me afastar um pouco, porque eu acabo me contaminando. Eu não quero me contaminar com pessoas que eu não vou mudar e que não vão me mudar. Temos que levar isso para as escolas. É esse o nosso trabalho.
LeiaJá - A violência aumentou ou hoje é mais divulgada?
Goretti Bussolo - Sobre a pedofilia, por exemplo, sempre existiu. Não era contada. Na classe social ala existem muito casos. Isso porque as classes sociais mais baixas ainda têm coragem de denunciar.
LeiaJá - Vocês atuam só no Brasil?
Goretti Bussolo - Já chegaram denúncias do Chile, da Argentina também. Não sabemos o que vai se tornar o Todas Marias, uma vez que homens também estão nos procurando.
LeiaJá - Você acredita que ajudar essas mulheres é a sua missão de vida?
Goretti Bussolo - Eu tenho certeza.
(Rapahel Pozzi)