Após uma exaustiva negociação, Reino Unido e Comissão Europeia chegaram nesta quinta-feira (17) a um novo acordo para permitir um Brexit ordenado e o menos traumático possível.
O principal entrave nas tratativas era a questão da Irlanda. A ilha é repartida entre a Irlanda do Norte, território britânico, e a República da Irlanda, Estado-membro da União Europeia, e só foi pacificada em 1998, com o Acordo da Sexta-Feira Santa.
##RECOMENDA##Um dos pilares desse tratado é a ausência de fronteira física entre as Irlandas, o que acabou virando o ponto mais delicado nas negociações do Brexit. Na gestão de Theresa May, Londres e Bruxelas chegaram a um acordo que previa um mecanismo chamado "backstop".
O sistema tinha como meta evitar o ressurgimento de barreiras físicas na ilha e mantinha a Irlanda do Norte na união aduaneira europeia caso o Reino Unido e a UE não concluíssem um acordo de livre comércio no período de transição do Brexit.
Os críticos do backstop argumentavam que o mecanismo enfraqueceria Londres nas futuras tratativas comerciais e arriscaria criar duas regulações diferentes no mesmo país.
Em teoria, May teria os votos necessários para seu acordo ser aprovado, mas o backstop desagradou à ala eurocética do Partido Conservador, liderada pelo agora primeiro-ministro Boris Johnson, e ao Partido Unionista Democrático (DUP), legenda norte-irlandesa que dá maioria aos "tories" no Parlamento.
O que mudou? - O acordo alcançado por Johnson enterra o backstop e estabelece um novo modelo para a relação entre as Irlandas.
O novo texto mantém o Reino Unido sob regras europeias até o fim de 2020, com possibilidade de prorrogação desse prazo para eventuais ajustes. Após a transição, a ilha da Grã-Bretanha sairá da UE e da união aduaneira, mas a Irlanda do Norte terá uma espécie de status duplo.
Por um lado, Belfast permanecerá no território aduaneiro do Reino Unido e será incluída em qualquer futuro acordo comercial fechado por Londres. Por outro, será um ponto de entrada para a zona aduaneira europeia.
Ou seja, o governo do Reino Unido aplicará, em nome da UE, tarifas europeias sobre produtos estrangeiros que arrisquem entrar na República da Irlanda e, por consequência, no mercado comum do bloco.
Esse sistema valerá inclusive para bens que sejam modificados. O jornal britânico The Mirror deu um exemplo: se uma empresa da Irlanda do Norte importar açúcar de um país terceiro, colocá-lo em um refrigerante e depois exportar a bebida para a UE, a matéria-prima será taxada em Belfast de acordo com as regras de Bruxelas.
Um comitê conjunto entre Reino Unido e União Europeia determinará quais bens correm risco de entrar no mercado único.
Não haverá aduanas na ilha, e todos os controles alfandegários serão feitos nos portos. Também haverá isenções para bens pessoais ou de consumo imediato levados por indivíduos que cruzarem a fronteira entre as Irlandas.
Além disso, a Irlanda do Norte continuará alinhada a um número limitados de regras europeias, inclusive no aspecto sanitário.
Esse sistema vigorará até 31 de dezembro de 2024, nos quatro anos após o período de transição. Ainda antes de 2025, a Assembleia da Irlanda do Norte, suspensa desde janeiro de 2017, decidirá por maioria simples se mantém ou não as regras da UE.
O órgão poderá prorrogar o sistema vigente em votações a cada quatro ou oito anos, dependendo do percentual de aprovação. Se as regras europeias forem rejeitadas, elas deixarão de valer depois de dois anos.
Reações - O primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, disse que esse complexo mecanismo é um "bom acordo" tanto para Dublin quanto para Belfast, uma vez que desfaz a hipótese de uma fronteira física e "protege o mercado único". "Recomendarei a aprovação desse compromisso ao Conselho Europeu", acrescentou.
Por outro lado, o DUP, que é essencial para a aprovação do tratado no Parlamento britânico, afirmou que a proposta "não é aceitável", uma vez que manteria parte das mercadorias em circulação na Irlanda do Norte sob regras europeias.
Além disso, o partido afirma que a proposta de dar à Assembleia de Belfast o poder de decidir por maioria simples sobre a questão viola o Acordo da Sexta-Feira Santa, que determina que as deliberações tenham sempre apoio de unionistas e nacionalistas.
Sem os votos do DUP, é improvável que o acordo de Johnson seja aprovado no Parlamento.
Da Ansa