Sem uma estratégia específica para o eleitorado católico, maior grupo religioso do País, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu o discurso do medo para tentar reduzir a preferência pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha. Antes terceirizada, a ofensiva saiu das redes sociais de aliados de Bolsonaro e foi incorporada por Bolsonaro. A ordem é repetir que Lula vai perseguir católicos no Brasil, a exemplo dos expurgos promovidos pelo governo de esquerda de Daniel Ortega, na Nicarágua.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula tem 52% entre os católicos, conforme o mais recente levantamento do Ipec, com oscilação positiva. No mesmo levantamento, Bolsonaro aparece estagnado, com 26% das preferências nesse segmento. No Datafolha, a última rodada também detectou crescimento do petista, que atingiu 54%, enquanto o presidente ficou com 27%.
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Bolsonaro incorporou a campanha negativa contra Lula que, nos últimos meses, tomou conta das redes sociais de aliados do governo no meio cristão, principalmente os evangélicos e católicos ultraconservadores. Tanto Lula quanto Bolsonaro são católicos, mas o atual presidente se casou em cerimônia evangélica e foi batizado em 2016 no rio Jordão, em Israel.
"O atual ditador da Nicarágua prende padres, fecha TVs e rádios católicas, expulsa freiras de lá e chama os católicos de fascistas. Não podemos deixar que isso chegue ao Brasil. O ex-presidente, que é candidato, falou que cada presidente pode fazer o que bem entender no seu país. Não é bem assim, não. Se está perseguindo católicos lá é sinal que ele pode fazer o mesmo aqui no Brasil. Pode não, vai fazer, porque ele disse que vai botar no seu devido lugar padres e pastores no Brasil, caso chegue a presidente. E, mais grave, vai legalizar o aborto, vai legalizar as drogas e manter a política terrível conhecida com ideologia de gênero", disse Bolsonaro, anteontem, durante entrevista televisionada no programa do Ratinho, no SBT.
A campanha de Lula rechaça a associação de um eventual novo governo ao fechamento de igrejas e fez uma contraofensiva no meio religioso, com o apoio do candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que tem trânsito entre católicos, e da ex-ministra Marina Silva (Rede), fiel da Assembleia de Deus. "Nenhuma igreja foi fechada por ele", disse Marina ao declarar apoio a Lula.
A linha de ação de viés religioso vai de encontro a um dos objetivos da campanha governista: aumentar a rejeição do ex-presidente. Há frentes em andamento com foco nas mulheres e na corrupção, que viraram tema da propaganda eleitoral.
O presidente explora o fato de Lula evitar críticas mais contundentes a Ortega. No ano passado, em entrevista à imprensa internacional, o petista disse que não poderia julgar a prisão de candidatos opositores ao governo da Nicarágua. O PT chegou a publicar nota saudando a eleição de Ortega, mas depois apagou.
Além disso, Bolsonaro passou a citar uma frase de Lula, fora do contexto, durante comício inaugural de sua campanha no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, quando reagia a boatos e notícias falsas difundidas por líderes religiosos evangélicos. Os bolsonaristas passaram a dizer que Lula ameaçou "enquadrar" os clérigos. Na prática, porém, o candidato do PT afirmou que poderia se conectar com Deus sem a intermediação de alguma autoridade sacerdotal.
"Quando quero conversar com Deus, não preciso de padres ou de pastores. Eu posso me trancar no quarto e conversar com Deus quantas horas eu quiser sem precisar pedir favor a ninguém. É assim que a gente tem que fazer para não ser obrigado a escutar pessoas contando mentiras, quando deveria estar cuidando da fé, da espiritualidade, lendo a Bíblia decentemente, e não inventando coisas", disse Lula, na ocasião. Na semana passada, durante encontro com lideranças protestantes, no Rio, ele afirmou que admite "um ser humano normal mentir, mas não é aceitável um pastor, que diz falar em nome de Deus, mentir". Chegou a mencionar a Lei da Liberdade Religiosa, sancionada no primeiro ano de seu governo, em 2003.
Antes de ser incorporada pelo próprio Bolsonaro, a "guerra santa" da campanha passava pela primeira-dama Michelle Bolsonaro e por aliados no meio evangélico, como o deputado e pastor Marco Feliciano (PL-SP). Ambos abordaram o caso da Nicarágua. Identificado com bandeiras do bolsonarismo, o padre Paulo Ricardo, um dos porta-vozes do conservadorismo católico, fez um curso sobre a situação daquele país. Aliados do presidente compartilharam, nos últimos dias, o apelo de uma freira brasileira, que, em tom alarmista, falava sobre a possibilidade de um bispo ser "executado".
Acusado de incitar atos violentos, o bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez, está em prisão domiciliar. O núncio apostólico, representante diplomático no país, havia sido expulso, assim como freiras missionárias da Caridade. Estações de rádio e TV foram lacradas.
A propaganda de Bolsonaro veicula, ainda, a imagem de Madre Tereza de Calcutá contra o aborto e associa Lula à defesa da prática. A campanha do presidente não buscou diálogo com lideranças da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem um histórico de críticas ao governo e é considerada por Bolsonaro como "parte podre" da Igreja, em 2018. Até agora, de todas as campanhas, apenas Alckmin conversou com a cúpula da CNBB.
Ao Estadão, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que "as lideranças católicas são menos ostensivas" e resistem mais a receber candidatos, se comparadas às evangélicas.
O vice-presidente da Frente Parlamentar Católica, deputado Eros Biondini (PL-MG), afirmou que Bolsonaro tanto fez outros gestos mais sutis em direção à Igreja, como passou a frequentar missas e se reunir com sacerdotes em privado. Ele esteve com 40 sacerdotes na Paróquia São Miguel Arcanjo Cantor gospel da ala carismática, Biondini fez a oração final da convenção de Bolsonaro no Maracanãzinho e no Sete de Setembro estendeu a bandeira nacional com o presidente, com a imagem de um feto e as frases "Brasil sem aborto e "Brasil sem drogas".
"Claro que existe parte do segmento católico não alinhado ao presidente, mas vejo uma aproximação crescente, pelas pautas que ele defende", disse Biondini. "Tenho visto uma convivência mais harmônica, mais pacífica, o que mostra um amadurecimento nessa relação".
Bolsonaro esperava realizar uma missa no Cristo Redentor, durante a campanha, ao lado do arcebispo Dom Orani Tempesta, mas o culto não se concretizou. No momento, a campanha ainda não tem previsão de que possa ocorrer. Em abril, o presidente foi ao monumento para celebração de um protocolo de convivência entre o Santuário do Cristo Redentor administrado pela Mitra e o Parque Nacional da Tijuca, ao redor do Cristo, gerido pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio). Havia um histórico de disputas que iam desde a exploração comercial de lojas ao controle de acesso Corcovado, área de preservação ambiental.
Para lembrar
Ala ultraconservadora
Como mostrou o Estadão, a estratégia do presidente Jair Bolsonaro (PL) para atrair público para os atos do 7 de Setembro ganhou o reforço de padres e grupos ultraconservadores da Igreja Católica.
Discurso alinhado
Em sermões às vésperas do feriado, os sacerdotes chegaram a explorar notícias sobre a situação de cristãos na Nicarágua para sugerir risco de fechamento dos templos em um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Reação
A ala predominante da Igreja Católica reagiu aos acenos a atos antidemocráticos. Grupo de 450 padres divulgou carta em que propuseram uma reflexão sobre o governo. "Hoje, distante quatro anos daquele momento (eleição de Bolsonaro), nós, conscientes do nosso dever, queremos alertar para o perigo de repetirmos o mesmo erro", escreveram.
'Novos caminhos'
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também tornou pública uma posição. O presidente da entidade e arcebispo de Belo Horizonte, d. Walmor Oliveira de Azevedo, afirmou que comemorar a Independência exigia não tolerar ataques à democracia e às instituições.
Pacto
A CNBB já havia divulgado carta na qual condenou a "manipulação religiosa", pediu um pacto em defesa da democracia e criticou "tentativas de ruptura da ordem institucional" para pôr em xeque a lisura do processo eleitoral.
Democracia, sim
O arcebispo de Aparecida, d. Orlando Brandes, defendeu a democracia ao conduzir missa no 7 de Setembro. O sacerdote pediu aos fiéis que não deixem de "exercer o poder do povo". "Democracia, sim; golpe, não", disse o arcebispo.