Os birmaneses voltaram às ruas nesta quarta-feira (10), pelo quinto dia consecutivo, apesar da violenta repressão e do ataque noturno do exército contra a sede do partido de Aung San Suu Kyi, o que mostra a determinação dos generais golpistas a ignorar os pedidos de retorno da democracia.
Dezenas de milhares de pessoas, de acordo com várias estimativas, protestaram nesta quarta-feira (10) no centro de Yangon, a capital econômica do país, apesar do aumento da repressão na véspera.
"Faremos qualquer coisa para rejeitar o governo militar", declarou à AFP Kyaw Kyaw, funcionário de um hotel.
"Não queremos a ditadura. Tenho um pouco de medo depois da repressão de ontem", disse o estudante Khin Nyein Wai.
Milhares de pessoas também se reuniram em Naypyidaw, capital administrativa de Mianmar, na região central do país.
No estado de Kayah, leste, alguns policiais se uniram aos manifestantes, segundo a imprensa local.
A ONU condenou na terça-feira o uso "desproporcional" e "inaceitável" da força pelo exército, que no dia 1 de fevereiro executou um golpe de Estado que acabou com 10 anos de experimento democrático.
- Mulher ferida a tiros -
O relator especial das Nações Unidas para Mianmar, Tom Andrews, condenou o uso da força e afirmou que a polícia abriu fogo contra uma mulher em Naypyidaw, que foi ferida por um tiro. Nas redes sociais, muitas pessoas compartilharam as imagens que mostram esta ação policial.
"Podem atirar contra uma mulher, mas não podem roubar a esperança e a determinação de um povo", escreveu nesta quarta-feira Tom Andrews. "O mundo se solidariza com os manifestantes de Mianmar".
Um médico de um hospital de Naypyidaw afirmou que a jovem Mya Thwe Thwe Khin, ferida na cabeça, está no CTI porque "precisa de ajuda para respirar e continua inconsciente".
Na terça-feira, um médico afirmou que as forças de segurança usaram munição letal, a julgar pelos ferimentos sofridos por dois jovens hospitalizados em estado crítico.
Em Mandalay (centro), segunda maior cidade do país, a polícia usou gás lacrimogêneo contra os manifestantes que exibiam bandeiras da Liga Nacional para a Democracia (LND), o partido de Aung San Suu Kyi.
A LND, os militares executaram uma operação na sede do partido em Yangon.
"A ditadura militar entrou e destruiu o quartel general da LND às 21H30", informou o partido em sua página do Facebook, enquanto em várias cidades do país as forças de segurança reprimiam as manifestações com jatos de água e tiros de balas de borracha.
Um membro da LND, Soe Win, declarou nesta quarta-feira à AFP que um segurança viu a operação pelo sistema de vigilância por controle remoto, mas não foi capaz de intervir por causa do toque de recolher.
Durante a manhã, funcionários constataram que as fechaduras foram forçadas. Dentro da sede, cabos da rede de energia elétrica e do servidor foram roubados, equipamentos foram retirados e documentos bancários sumiram do cofre. Soe Win afirmou que o partido pretende denunciar a operação à polícia.
- Condenação internacional -
As autoridades proibiram na segunda-feira todas as reuniões com mais de cinco pessoas em Yangon, Napypydaw e outras cidades e decretaram um toque de recolher.
Nos últimos dias, centenas de milhares de manifestantes saíram às ruas do país para pedir a libertação dos detidos, o fim da ditadura e a abolição da Constituição de 2008, muito favorável ao exército.
Desde o golpe de Estado, o número de pessoas detidas alcança 190, de acordo com uma ONG que ajuda presos políticos.
Os ventos de protesto não eram observados no país desde 2007, quando a "revolução do açafrão", liderada por monges, foi violentamente reprimida pelos militares.
O risco de repressão é real em um país que viveu quase 50 anos sob a ditadura militar desde sua independência em 1948.
O golpe de Estado foi condenado pelos Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outros países.
A Nova Zelândia suspendeu as relações militares e políticas de alto nível com Mianmar, o primeiro país a adotar medidas para isolar a junta birmanesa.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU celebrará na sexta-feira uma sessão especial para examinar os acontecimentos. O Conselho de Segurança das Nações Unidas pediu a libertação dos detidos.