Com Felipe Mendes
As contas do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) dão indícios de que estão no vermelho. Existe um grande atraso nos repasses da edição de 2013/2014, cujo valor ainda não repassado aos produtores independentes beira a casa dos R$ 17 milhões, e ainda não existe data definida para liquidação. Mas o problema com a maior (se não a única) ferramenta de incentivo cultural do Estado pode ser muito mais grave: em 8 anos, apenas 7 editais foram lançados, levantando dúvida quanto ao destino do dinheiro referente a um ano fiscal inteiro do fundo, cujos recursos são garantidos por lei e depositados diretamente na conta do Funcultura.
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A possível manobra fiscal teria sido feita a partir de 2009, quando o Funcultura passou a contemplar 'duas cabeças', deixando de levar em consideração o período fiscal, que tem início em 1° janeiro e termina em 31 de dezembro de cada ano em questão. Em 2008, por exemplo, os trâmites do edital, entre inscrição e divulgação dos projetos selecionados, foram finalizados no mesmo ano. Já em 2009, quando passou a ser divulgado como 2009/2010, as inscrições dos projetos independentes ocorreram entre setembro e outubro de 2009 e a lista dos aprovados só saiu em abril de 2010.
Em 2010, no entanto, não foi realizado nenhum edital. Considerando o período de 2008 a 2015, quando, teoricamente, deveriam ter sido executados 8 editais, foram lançados apenas 7. E não há planos do lançamento de mais um edital para compensar o hiato.
A possível ausência de um edital tem sido questionada pelos produtores. “Desde que eles (Fundarpe) passaram a executar dois anos em um único edital, tivemos um ano perdido. Deixamos de apresentar projetos e executar trabalhos que divulgam a cultura do nosso Estado”, afirma o pesquisador teatral e jornalista Leidson Ferraz.
“O Funcultura era para ser lançado no começo do ano, para consequentemente liberar os recursos e ao longo dele o projeto ser executado. Eles mudaram o método de lançamento dos editais e, aparentemente, temos um ano sem execução”, comenta Marcelo Sena, diretor da Cia Etc. de dança.
Segundo o produtor Thiago Dantas, que recentemente realizou um levantamento referente aos atrasos do edital 2013/2014 do Funcultura, provando que a maior parte dos recursos teve empenhos cancelados e não foi executada, existe um hiato no que se refere à execução financeira do referido edital. “O Funcultura está com um atraso de quase dois anos de edital. O lançamento do formato com duas cabeças, durante a gestão de Luciana Azevedo, gerou um hiato de um ano sem execução de recurso do Funcultura. Na gestão anterior, o valor liberado para o Fundo tinha que ser executado no mesmo ano fiscal”, pontua Thiago.
De acordo com o consultor especialista de mercado cultural Leonardo Salazar, quando o edital inclui dois anos, está contrariando o exercício fiscal, que é anual. “Eles estão completamente atrasados no calendário. Não existe uma periodicidade no lançamento dos editais. Isso acaba se transformando numa bola de neve, porque antes de finalizar um edital, a Fundarpe lança outro, gerando atrasos nos repasses e a necessidade de fazer o processo bianual, pois não existe dinheiro em caixa”, ressalta.
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O próprio superintendente executivo do Funcultura, Gustavo Araújo, reconheceu durante reunião com produtores que protestavam contra o atraso nos repasses do fundo, na última quinta (9), que os atrasos nos repasses são motivados pela execução simultânea de editais antigos e atuais. “Nós temos o Funcultura sendo executado com editais sobrepostos. Há projetos de 2011/2012 funcionando paralelamente aos editais de 2012/2013 e 2013/2014. Essa situação atípica nos leva a fazer 'priorizações'”, afirmou o gestor. Ele ainda explica que o cancelamento dos empenhos foi realizado pela Secretaria da Fazenda estadual, e não 'estaria no âmbito da Secretaria de Cultura'.
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Para Leonardo Salazar, os atrasos no Funcultura e os moldes atuais dos editais representam ausência de compromisso com a cultura e com os recursos do Estado. “Isso demonstra uma grande falta de planejamento. Se você se propõe a executar uma coisa e não consegue, acaba deixando transparecer a incompetência da gestão”, pontua.
Sobre a modificação do processo de lançamento do edital e execução do Funcultura, a Fundarpe defende que o calendário foi modificado apenas por questões burocráticas. “Em 2010, o calendário dos editais foi modificado, pois eram lançados em janeiro de cada ano. Ocorre que os editais, a partir de então, foram lançados no final de dezembro de cada ano e todo processo de inscrição, análise e publicação dos resultados é realizado no ano seguinte. Por este motivo, a Fundarpe passou a titular o edital com o ano de seu lançamento, mais o ano de sua execução”, respondeu a assessoria de comunicação da Fundarpe através de email.
Pode-se ver, no entanto, no quadro acima, que o edital 2010/2011, por exemplo, teve seu resultado divulgado apenas no dia 21 de outubro de 2011, o que inviabiliza sua realização naquele mesmo ano. Isso significa que a execução deste edital só pode ter sido feita em 2012. O mesmo acontece com os editais subsequentes: o resultado do 2011/2012 saiu em 19 de outubro de 2012; o do 2012/2013 em 13 de setembro de 2013; o de 2013/2014 em 12 de setembro de 2014.
Mudança
A mudança no formato dos editais aconteceu no mesmo período em que estourou o 'escândalo dos shows fantasmas'. Em Maio de 2010, a bancada de oposição da Assembleia Legislativa de Pernambuco levantou um possível esquema de favorecimento relacionado à produção de Shows, entre os meses de janeiro de 2009 e abril de 2010, cujo saldo foi de R$ 36,2 milhões. Segundo os deputados, os repasses teriam sido realizados por meio de empenhos fracionados, beneficiando familiares de integrantes do Governo do Estado.
Na época, os parlamentares ainda questionaram a similaridade entre as despesas do possível esquema de favorecimento e os recursos do Funcultura de 2009, que tinha valor orçado em R$ 24 milhões e não foi executado no ano em curso. Em resposta, a então presidente da Fundarpe, Luciana Azevedo, afirmou que a oposição estava levando a população ao equívoco. "A lógica apresentada pela bancada de oposição de fracionamento de despesas é maliciosamente equivocada, a fim de induzir a sociedade ao erro de interpretação da própria lei", rebateu na época, por meio de nota.
O relator do processo no Tribunal de Contas do Estado isentou a ex-gestora de responsabilidade no caso e decidiu pela aplicação de uma multa por negligência, no que foi acompanhado por outros conselheiros. Informações de bastidores no período davam conta de que a gestão de Luciana Azevedo teria deixado, ao sair, um rombo de milhões na Fundarpe, na casa dos dois dígitos, o que a ex-gestora também negou. O valor seria condizente com o montante anual destinado ao Funcultura.
O produtor Thiago Dantas afirma que a empresa de consultoria Sapiens irá fazer uma nova auditoria para apurar a ausência da execução de um edital do Funcultura. Ele também ressaltou que o novo formato do processo, unindo dois anos em edital único, prejudica os produtores. “Essa temporalidade estendida ao longo de dois anos para executar um ano de edital prejudica e muito quem trabalha com cultura. Há um problema sério de gestão do Fundo, o qual não pode ser usado para gasto de uso corrente, que não seja por edital do Funcultura”, explica.
Apesar da Lei do Funcultura utilizar em vários trechos o ano fiscal como base, em nenhum momento a norma explicita que o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura deve ser executado anualmente, ou lançar um edital por ano.
Segundo a legislação, o Funcultura é um mecanismo de natureza financeira e contábil, com prazo indeterminado de duração, criado com a finalidade de incentivar e estimular a cultura pernambucana, mediante a persecução dos objetivos do Sistema de Incentivo à Cultura (SIC). O Fundo recebe contribuições do SIC; dotações orçamentárias; doações de pessoas físicas ou jurídicas, entidade e organizações públicas ou privadas, de capital nacional ou estrangeiro; rendimentos de aplicações financeiras; arrecadações de multas; saldos remanescentes de aplicações financeiras; recursos remanescente do Fundo de Incentivo à Cultura; e saldos do exercício anterior do próprio Funcultura.