A gestão bolsonarista encerra o mês de março com seis mudanças em pilares estratégicos da sua equipe. Nessa segunda-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou uma reforma ministerial, que já vinha sendo especulada, em partes, há algumas semanas. Casa Civil, Secretaria de Governo, Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério da Defesa, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério das Relações Exteriores terão novos ministros, entre saídas e realocações. No entanto, a mudança drástica em pastas importantes e ainda durante uma crise econômica e sanitária pode significar desequilíbrio e falta de apoio interno, segundo aponta a cientista política Priscila Lapa.
As mudanças foram oficializadas em uma nota divulgada pela Secretaria de Comunicação Social, vinculada ao Ministério das Comunicações. Em resumo, três ministros saem e três ministros entram no governo. O general Fernando Azevedo, exonerado da Defesa; Ernesto Araújo, que pediu demissão do Itamaraty; e José Levi Mello do Amaral Júnior, que pediu demissão da AGU. Todos ex-membros do alto escalão.
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As realocações também aconteceram, ou seja, ministros que já faziam parte do governo e apenas trocaram de pasta. O general Walter Braga Netto deixou a Casa Civil e assumiu a Defesa. O general Luiz Eduardo Ramos deixou a Secretaria de Governo e vai assumir a Casa Civil. E André Mendonça deixou a Justiça para voltar a ser advogado-geral da União, função que já exerceu entre janeiro de 2019 e abril de 2020.
O governo Bolsonaro também tem três novos integrantes, completando o novo ciclo ministerial. São recém chegados a deputada Flávia Arruda (PL-DF), nova ministra-chefe da Secretaria de Governo; Anderson Torres, delegado da Polícia Federal que vinha exercendo o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele deixa o posto na gestão do governador Ibaneis Rocha (MDB) para ser o novo ministro da Justiça e Segurança Pública.
Por fim, o embaixador Carlos Alberto Franco França, promovido a ministro das Relações Exteriores. França já fazia parte da ala ideológica do governo, como cerimonial da Presidência da República.
Na avaliação de Lapa, governos em equilíbrio não fazem reformas, já que elas são sempre provocadas por algum tipo de mecanismo que desequilibra a base, seja a base política, de apoio congressual e partidos políticos, ou a de apoio popular.
“Quando esses dois fatores se unem e geram crises de opinião pública e de sustentação política, governos tendem a fazer reformas. Ou eles fazem no fim dos ciclos, como quando há uma renovação de mandato durante uma reeleição, é normal haver uma reforma ministerial ou de secretariado, para abrigar novos aliados e retirar do poder aliados até então consolidados. Mas uma reforma no meio de uma crise… É preciso situar o contexto em que nós estamos. Estamos no olho do furacão, na maior crise sanitária da história e em uma das maiores crises econômicas, existe, claramente, um imobilismo do governo em relação a essas crises, e a reforma acontece nesse cenário. É como se um equilíbrio tivesse se rompido e o governo estivesse em busca de um novo”, explica a especialista.
Apesar das especulações, mesmo nos bastidores, as mudanças em diferentes pastas ainda denunciam uma falta de transparência sobre o que a reforma ministerial pode causar, sobretudo em um período de crise e muita insatisfação no Congresso.
Perguntada sobre o que seria o tal “equilíbrio” buscado por Bolsonaro, a cientista avalia: “Parece ser uma falta de apoio pessoal. Existe essa pressão do Centrão, que é diferente de uma pressão do Centrão em outros tempos republicanos. Antes, a pressão existia muito mais no sentido de “toma lá, dá cá”, de querer ocupar cargos por ocupar. Agora o Centrão pede respostas, pois está se desgastando na sua base. Esses deputados e senadores não estão conseguindo mais ter a relação que eles tinham com seus governadores e seus prefeitos. Quando eles chegam nos seus estados, estão sendo cobrados por coisas mínimas para o combate à pandemia. Então o que o Centrão cobra hoje de Bolsonaro são soluções para a crise.
A saída de Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, também foi uma grande perda para a ala ideológica de Bolsonaro. O general foi chefe do Estado-Maior do Exército, um dos postos de maior prestígio na Força. Ele entrou para a reserva em 2018, quando também foi escolhido pelo presidente. Quando anunciado ministro, ele era assessor do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
“[Em relação ao ministro da Defesa] A reação de Bolsonaro quando ele é profundamente pressionado pode ser de maior radicalização. O que parece é que ele está insatisfeito pessoalmente com a falta de apoio, seja do ministro da Defesa, seja do advogado da AGU que não assinou com ele aquele pedido para o STF fazer a reversão das medidas adotadas pelos governadores. Ficou muito clara na nota do ministro Fernando Azevedo a questão da preservação das instituições, ao invés das vontades pessoais do presidente da República”, continua.
A cientista continua falando sobre a movimentação autoritária do presidente e o que ela pode significar em contexto de crise. “Os gestos autoritários de Bolsonaro sempre preocuparam, mas no contexto da crise, preocupam muito mais. É com muita preocupação que essa reacomodação vai acontecer. É a mesma preocupação que se tinha com o Ministério da Saúde. O que importa é a mentalidade de quem conduz. Essa troca está soando no momento como uma troca rumo à radicalização. Inclusive detonando um apoio que parecia consolidado, que era o apoio das Forças Armadas, e ao que parece, não há consensos tão grandes assim dentro dessa própria categoria, que é um dos pilares mais fortes de Bolsonaro”, diz, ao também lembrar que a presença dos militares no governo sempre foram motivo para dúvida.
Para Priscila Lapa, a presença das Forças Armadas enquanto corpo jurídico ou individual, através dos militares, é algo que nunca foi deixado claro pelo governo. “O que eles estão fazendo lá? Estão dando que tipo de sustentação: ideológica, técnica, política? Essa sempre foi uma questão que gerou debate. Assim como a gente não tem clareza do papel que eles têm exercido, a saída por outro lado gera muitas perguntas, do que é que pode estar por trás desse certo rompimento de uma ala do militarismo com esse momento do presidente”, ela indaga.
Por último, foi momento de comentar a saída de Izabel Lima, secretária da Educação Básica no MEC. Rumores são de que ela abandonou o posto por razões pessoais, mas o momento ainda é inoportuno, uma vez que o Ministério da Educação discute um dos principais momentos da pasta na história.
“[Com relação à educação] Não são claras as diretrizes, e falamos aqui de políticas públicas básicas, da condução básica de políticas que funcionavam, até então no Brasil, sem rupturas entre um governo e outro e que agora não funcionavam. Agora não há clareza de nada. Se tem um ministério que hoje vive de um imobilismo e vive de uma falta de planejamento, clareza e transparência, é o Ministério da Educação. Se com quadro técnico já não tem políticas públicas, sem quadro técnico vai ter o quê? Não há condução da crise neste momento, não tem ministro que vá a público falar e debater, que vá construir uma forma de enfrentar esse momento da pandemia. Tem um vazio gigante no MEC. Não sei se tem como piorar”, crava Lapa.