Com passos rápidos e a cabeça baixa para não chamar a atenção, algumas mulheres entram com prudência, uma depois da outra, em um pequeno apartamento em Cabul. Mesmo com suas vidas em risco, elas iniciam uma resistência incipiente ao Talibã.
O grupo prepara a próxima ação contra o movimento fundamentalista islâmico que provocou o fim de seus sonhos e conquistas ao retornar ao poder no Afeganistão, em 15 de agosto de 2021, após duas décadas de insurreição.
No início eram apenas 15 mulheres que participavam do movimento de resistência civil, a maioria jovens na casa dos 20 anos que já eram amigas.
Mas após sua primeira ação em setembro, a rede aumentou para dezenas de mulheres, ex-estudantes, professoras, trabalhadoras de agências humanitárias ou donas de casa que agora atuam em sigilo para defender seus direitos.
"Me perguntei: por que não me unir a elas em vez de ficar em casa, deprimida, remoendo tudo que perdemos?", relatou uma delas, de 20 anos, à AFP.
Elas têm perfeita consciência do perigo: várias companheiras desapareceram nos últimos meses.
Mas estão decididas a prosseguir o combate contra os Talibã, que durante seu primeiro regime esmagou as liberdades fundamentais das mulheres. E apesar das promessas de mudança em seu retorno ao poder, os fundamentalistas não demoraram a atacar os mesmos direitos outra vez.
Jornalistas da AFP foram autorizados a acompanhar duas reuniões das ativistas em janeiro.
Assumindo o risco de serem detidas, marginalizadas ou observarem suas famílias ameaçadas, mais de 40 mulheres, incluindo algumas mães com suas filhas, participaram no primeiro encontro. Muitas falaram sob anonimato por motivos de segurança.
Na segunda reunião, algumas militantes prepararam de maneira ativa a próxima manifestação. Com um telefone celular em uma mão e uma caneta na outra, uma ativista analisa uma faixa que pede igualdade de tratamento para as mulheres.
"Estas são as nossas armas", afirma.
- Lutar contra o medo -
Entre 1996 e 2001, os talibãs proibiram as mulheres de trabalhar, estudar, praticar esportes ou sair às ruas.
Agora, eles alegam que mudaram, mas adotaram um rigorosa segregação de gênero na maioria dos locais de trabalho, excluíram as mulheres de muitos empregos públicos, fecharam a maioria das escolas do Ensino Médio para as adolescentes e modificaram os programas universitários para impor sua interpretação estrita da sharia, a lei islâmica.
Ainda marcadas pelas recordações do regime Talibã anterior, muitas afegãs são reféns do medo de sair para protestar ou sucumbem à pressão de suas famílias para que permaneçam em casa.
Uma jovem de 24 anos explica como enfrentou sua família conservadora, incluindo um tio que escondeu seus livros para que não prossiga com os estudos. "Não quero deixar que o medo me controle e me impeça de falar", disse.
Nos últimos 20 anos, as afegãs, especialmente nas grandes cidades, estudaram em universidades, assumiram a direção de empresas e ocuparam cargos ministeriais.
O maior medo de Shala é que as meninas e as mulheres voltem a ser confinadas em casa. A ex-funcionário do governo de 40 anos perdeu o emprego com a volta do Talibã ao poder.
Algumas noites, esta mãe de quatro filhos vai para as ruas para escrever frases como "Viva a igualdade" nos muros.
"Quero apenas ser um exemplo para as jovens, mostrar que não abandonei o combate", afirma, com voz calma.
Ela tem o apoio do marido e dos filhos, que correm pela casa aos gritos de "Educação! Educação!".
- Precauções -
Para concretizar suas ações, as ativistas tomam todas as precauções.
Antes de aceitar novos membros, Hoda Kmosh, uma poeta de 26 anos e ex-funcionária de uma ONG que ajudava a reforçar a autonomia das mulheres, tenta assegurar que esta é uma pessoa de confiança e comprometida.
Um dos testes consiste em pedir que preparem rapidamente bandeiras ou slogans. As mais rápidas costumam ser as mais determinadas, opina Hoda.
Uma vez elas convocaram uma postulante para uma manifestação falsa. Os talibãs chegaram ao local e elas cortaram a relação com a mulher suspeita de ter passado a informação aos novos governantes.
O núcleo duro das ativistas utiliza um número de telefone reservado apenas para a coordenação antes de cada ação. Este número é abandonado em seguida para não ser rastreado. Hoda, cujo marido foi ameaçado, teve que mudar de número diversas vezes.
No dia do protesto elas enviam uma mensagem poucas horas antes do encontro. As mulheres chegam em grupos de duas ou três e ficam próximas às lojas, como clientes.
No horário marcado, elas se reúnem rapidamente, exibem seus cartazes e gritam as palavras de ordem: "Igualdade!, Igualdade! Chega de restrições".
Elas sempre são cercadas por combatentes talibãs que dispersam os protestos, gritam e apontam suas armas. Uma lembra que deu um tapa em um talibã. Outra que continuou gritando mesmo com uma arma contra suas costas.
"Quando a manifestação acaba, colocamos um véu e roupas que costumamos carregar para não sermos reconhecidas", explica Hoda.
- Operações noturnas -
Mas isto é cada vez mais perigoso.
O Talibã "não tolera protestos. Eles agridem manifestantes e jornalistas que cobrem os protestos. Eles procuram manifestantes e pessoas que organizam protestos", disse Heather Barr, pesquisadora especializada em direitos das mulheres da Human Rights Watch.
Em meados de janeiro, os talibãs usaram gás lacrimogêneo pela primeira vez contra contra militantes que pintaram burcas brancas com manchas cor vermelho-sangue para protestar contra o uso do véu integral, que tem apenas uma tela na altura dos olhos.
Duas manifestantes, Tamana Zaryabi Paryani e Parwana Ibrahimkhel, foram detidas em uma série de operações durante a noite de 19 de janeiro.
Em um vídeo dramático vídeo divulgado nas redes sociais pouco antes de sua detenção, Paryani pede ajuda: "Por favor, me ajudem! Os talibãs vieram aqui em casa (...) Minhas irmãs estão aqui", afirmou desesperada.
Ela também foi vista perto da porta implorando ao homem que aguardava. "Se você quiser conversar, vamos conversar amanhã. Não posso falar com vocês no meio da noite com as meninas em casa. Não quero, não quero... Por favor! Ajuda!".
As duas permanecem desaparecidas. A ONU e a HRW pediram ao governo que investigue o paradeiro das ativistas.
O porta-voz do governo, Zabihullah Mujahid, negou qualquer envolvimento do Talibã, mas afirmou que as autoridades têm o "direito de deter e prender os opositores ou aqueles que violam a lei".
Muitas mulheres entrevistadas pela AFP antes dos desaparecimentos decidiram se esconder, alegando "ameaças ininterruptas".
A ONU solicitou na semana passada publicamente que o regime Talibã apresente informações sobre outras duas militantes desaparecidas.
- "Meu coração e corpo tremem" -
"Estas mulheres (...) precisaram criar algo do nada", destaca Heather Barr, da HWR. "Há muitas militantes experientes que trabalharam durante anos no Afeganistão (...) mas quase todas partiram depois de 15 de agosto".
Ao longo dos meses, elas aprenderam a adaptar-se: no início, os protestos terminavam quando uma mulher era agredida. Agora, nestes casos, duas militantes cuidam da vítima e as demais continuam sua ação, explica Hoda.
Como o Talibã proíbe os jornalistas de cobrir os protestos, elas usam telefones para fazer fotos e vídeos, que publicam rapidamente em suas redes sociais.
As imagens, em que aparecem com os rostos descobertos em um gesto de desafio, são exibidas para todo o mundo.
Outro grupo de mulheres, mais modesto, busca formas de protesto que evitem o confronto direto com os islamitas.
"Quando estou na rua, meu coração e meu corpo tremem", explica Wahida Amiri, ex-bibliotecária de 33 anos que já estava envolvida na luta contra a corrupção no governo anterior.
Às vezes ela se vezes se encontra com amigas na privacidade de uma casa onde filmam e postam imagens de vigílias à luz de velas, com faixas que exigem o direito de estudar e trabalhar.
Elas também recorrem a artigos, debates no Twitter ou ao aplicativo de conversas de áudio Clubhouse, com a esperança de que as redes sociais conscientizem o mundo sobre seu destino.
Em outras partes do país, como Herat (noroeste), Bamiyan (centro) ou Mazar-i-Sharif (norte), foram organizadas manifestações mais esporádicas.
"É possível que fracassemos. Tudo o que queremos é ressoar a voz da igualdade e que, em vez de cinco mulheres, milhares se unam a nós", explica Wahida.
"Porque se não lutarmos por nosso futuro hoje, a história do Afeganistão vai se repetir", adverte Hoda.