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Ao menos uma em cada quatro mulheres lésbicas que entram em um consultório ginecológico no Brasil sofre algum tipo de violência ou não recebe atendimento adequado. É o que aponta o I LesboCenso Nacional, da Liga Brasileira de Lésbicas e Associação Lésbica Feminista de Brasília– Coturno de Vênus. “Seja por um olhar, seja por alguma piada ou algo do tipo. É muito triste e revoltante, porque se a gente vai no médico a gente quer ser é acolhida”, conta Jussiara Silva, de 39 anos, ao se recordar de praticamente todos os atendimentos ginecológicos que recebeu depois de se reconhecer uma mulher lésbica, aos 30 anos. “Desde então eu nunca encontrei uma ginecologista que eu me sentisse 100%”, se ressente, por não conseguir fazer um acompanhamento prolongado com um mesmo profissional.

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Jussiara Silva, de 39 anos - Foto: Aequivo pessoal

Na data em que se celebra o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29 de agosto), relatos mostram que a violência não é exclusividade na atenção à saúde para mulheres adultas. Hoje, quem vê Mare Moreira, com 34 anos, se dividindo entre a tosa profissional de animais e os jogos de videogame, nem imagina que seus problemas nas idas ao médico começaram aos 13 anos. A primeira estranheza foi ser questionada sobre detalhes de sua vida sexual, mesmo ela afirmando que não tinha uma. Nessa época ela já sabia que não sentia atração por meninos, mas nem chegou a falar disso. Ela saiu do consultório, ao lado da mãe, confusa, constrangida e com uma receita de anticoncepcional na mão.

“Um dos flagelos da nossa cultura é permitir que a/o profissional assuma que qualquer mulher buscando atenção ginecológica é uma mulher heterossexual, o que automaticamente a/o direciona a pensar que o sexo experienciado por aquela pessoa é o sexo ‘pênis-vagina’”, afirma a ginecologista e obstetra Letícia Nacle.

A análise de Letícia é confirmada por pesquisas. Um estudo publicado pelo The Journal of Medicine, em 2018, e que analisa a revelação da orientação sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres durante atendimento ginecológico, mostra que os profissionais não questionam sobre a orientação sexual das pacientes, fazem perguntas padrão, elaboradas para atender mulheres que se relacionam com homens, prescrevem sempre o uso de anticoncepcional, mesmo sem necessidade de contracepção, usam equipamentos inadequados durante exames ou não solicitam os exames necessários para o acompanhamento dessas mulheres.

Por ter menstruado pela primeira vez aos 9 anos, Isadora Costa, estudante de arquivologia, começou a ir cedo ao ginecologista. Aos 16, quando começou a compreender sua orientação sexual, se afastou dos consultórios. Por volta dos 18, buscou atendimento, queria fazer exames de rotina e saber se estava tudo bem com sua saúde sexual, já que àquela altura tinha uma vida sexual ativa. Mas os atendimentos eram sempre interrompidos quando ela contava que suas parceiras eram mulheres. “Elas paravam ali, nunca nem passaram um papanicolau [exame para a detecção de câncer do colo de útero], sabe? Eu ouvi várias e várias vezes que sexo entre mulheres não é considerado um sexo de verdade, então, para elas eu continuava virgem. Apesar de não ser”, se indigna Isadora. Para conseguir ter o seu direito de fazer uma ultrassonografia transvaginal respeitado, conta, foi preciso discutir com a ginecologista e ameaçar ela mesma se penetrar com o equipamento do exame.

Diagnóstico

A demora em ter um atendimento bem feito, com exames e atenção, retardou o diagnóstico da síndrome dos ovários policísticos (SOP), que Isadora só recebeu aos 25 anos, depois de anos de fortes cólicas e pelos grossos pelos corpo. “É estúpido, é ridículo porque minha irmã nunca precisou passar por isso, minhas primas também sempre fizeram os exames delas e eu ficava me perguntando se tinha algo errado comigo. Eu me senti lesada por uma vida inteira porque eu nasci homossexual”, afirma Isadora.

Mariana Viegas, cineasta, também poderia ter tido um diagnóstico precoce de um cisto grave no ovário. Mas só conseguiu isso no ano passado, apesar de frequentar consultórios ginecológicos desde a adolescência. Mas em vez de um atendimento adequado, ela conta que recebeu uma série de questionamentos preconceituosos ao revelar a uma das médicas que se relacionava mulheres.

“Ela questionou que drogas eu usava, eu disse que nenhuma. Ela insistiu e eu reafirmei que não usava nada. Então a médica disse que sabia que “nesse meio” rolava muitas drogas. Ela questionou também com quantas parceiras eu me relacionava. Eu disse que estava namorando há mais de um ano. Então ela me passou diversos exames de ISTs (infeções sexualmente transmissíveis) porque, segundo ela “com a homossexualidade vem a promiscuidade, vem o uso de drogas””, relembra Mariana.

“Eu fiquei tão chocada que eu não consegui reagir, as palavras (da médica) ficavam rondando na minha cabeça, ficava aquilo ecoando”. Depois dessa experiência, Mariana só conseguiu voltar ao ginecologista dois anos depois, ao retornar para sua cidade natal. Hoje ela faz acompanhamento na cidade em que mora e relata ter encontrado uma “médica ótima, muito cuidadosa, muito atenciosa, muito gentil e muito acolhedora”.

Atualmente, encontrar uma médica acolhedora é o desejo da maquiadora Janaína Oliveira, de 28 anos. Segundo ela, foi necessário mentir e dizer que já tinha feito sexo com um homem, para que lhe fosse solicitado um exame preventivo do câncer de colo de útero.

“Já tive mais de uma experiência de ser negada a guia de exame preventivo, por ser considerada virgem pelo olhar médico, por eu nunca ter me relacionado com homens, e mesmo eu dizendo que eu precisava sim, pois me relaciono com mulheres e a penetração acontece”, conta Janaína.

A maquiadora Janaína Oliveira, de 28 anos. Foto: Arquivo pessoal

De acordo com o I LesboCenso Nacional, feito pela Liga Brasileira de Lésbicas e Associação Lésbica Feminista de Brasília– Coturno de Vênus, publicado em 2022, 24,98% das mulheres lésbicas se sentiram discriminadas e/ou violentadas em um atendimento ginecológico por conta de sua orientação sexual.

Violências

“São poucas as pacientes que não trazem relatos infelizes ou até mesmo traumáticos em consultas com ginecologista. As experiências variam desde a invisibilidade da orientação sexual até discursos claramente lesbofóbicos ou realização de exames ginecológicos inapropriados e incongruentes com a vivência e contexto daquela mulher. É comum escutar relatos de uso de espéculos (ou bicos-de-pato) de tamanhos M ou G para essas pacientes, o que torna o exame extremamente desconfortável ou até doloroso. Existem espéculos P e PP que seriam muito mais adequados”, garante a ginecologista Letícia Nacle.

Mas as agressões vão além da orientação sexual.  Racismo e gordofobia são relatos comuns nos consultórios. Mare Moreira ouviu de uma ginecologista que deveria “tomar alguma coisa para emagrecer e que assim eu teria uma vida sexual de verdade”, querendo ligar o fato de ela ser gorda ao de só se relacionar com mulheres. Isadora Costa também teve o mesmo problema, uma das profissionais disse que as dores fortes eram resultado do tamanho do corpo dela. “Você sente cólicas porque está gorda, porque você não se alimenta bem”, disse a médica, sem perguntar sobre a alimentação da paciente

Isadora também vivenciou outra agressão. “Senti muito a questão do elitismo. Esse elitismo médico de quem te olha de cima a baixo. É um desconforto muito grande além da lesbofobia, além da gordofobia. Eu me senti muito diminuída, que não deveria estar ali procurando aquele serviço”, conta.

Qualificação dos profissionais

De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, publicada em 2011, os profissionais da área da saúde devem ser capacitados para o atendimento adequado da população LGBTQIAPN+. O Ministério da Saúde afirma que tem trabalhado no âmbito da educação permanente, identificando necessidades e capacitando profissionais de saúde. Um exemplo é o curso “Enfrentamento ao estigma e discriminação de populações em situação de vulnerabilidade nos serviços de saúde”, fruto do Acordo de Cooperação Técnica/ Ministério da Saúde nº 1/2022, que também prevê a revisão da Política Nacional de Saúde Integral LGBT.

Já na formação universitária, a ginecologista Letícia Nacle avalia que o ambiente ainda é “muito conservador” para se discutir essas questões. A médica se formou em 2019 e relata que nunca recebeu nenhum tipo de instrução formal na graduação sobre especificidades no cuidado em relação à saúde e mulheres lésbicas ou de qualquer pessoa da comunidade LGBTIAPN+. “Infelizmente o MEC ainda não contempla a temática da diversidade sexual e de gênero em nenhuma graduação da área da saúde”, menciona.

Derrubando mitos

Mas, de todas as falas médicas relacionadas à saúde das mulheres lésbicas o que é verdade e o que é mito, preconceito e desconhecimento? De acordo como o Ministério da Saúde não há protocolo diferenciado para a coleta de exame citopatológico em mulheres que fazem sexo com mulheres. Para a pasta, todas as mulheres de 25 a 64 anos, independente da orientação sexual e/ou como se relacionam, devem realizar o exame.

A médica Letícia Nacle defende que além de seguir o protocolo médico, o profissional deve dialogar com as pacientes, para que o cuidado prestado seja alinhado com a realidade de cada uma. Ela explica que a realização de exames como ultrassom transvaginal ou coleta de prevenção geralmente são realizados em pacientes que já tiveram algum tipo de penetração. Mas a coleta também pode ser feita em uma paciente que tenha vida sexual ativa sem penetração, se ela se sentir confortável pra isso. E para essa definição uma relação de confiança é fundamental.

Outro mito é o de que lésbicas não devem se preocupar com as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A ginecologista afirma que sim, lésbicas estão sujeitas a essas infecções, mas que hoje a prevenção acontece em forma de “redução de danos”, com orientações para que as mulheres lésbicas mantenham “as unhas sempre curtas e limpas, usem lubrificante e preservativos e evitem sexo oral ou penetrativo no período menstrual”, por exemplo. De acordo com ela, estas falas não levam em conta que a prevenção é dificultada porque “os principais métodos de proteção – para as ISTs - foram criados para o sexo pênis-vagina. Quando falamos sobre mulheres lésbicas cis, são poucas as opções. As calcinhas de látex são caras e de difícil acesso. Os métodos mais baratos e acessíveis são ‘artesanais’ e muitas vezes não são congruentes com a prática sexual lésbica”, enfatiza a médica.

“Eu sei que não é só comigo”

Os dados do Censo 2022, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não traz informações sobre a orientação sexual dos brasileiros, então não é possível saber quantas são as mulheres lésbicas hoje no país. O Ministério da Saúde também não tem – facilmente – dados sobre quantas mulheres lésbicas foram ao ginecologista e fizeram exame de prevenção no último ano. Mas a expressão usada por Mariana Viegas para responder ao convite para esta reportagem diz muito sobre a comunidade lésbica “eu sei que não é só comigo”. E mesmo com a invisibilidade e violência relatada por todas as mulheres aqui ouvidas, elas seguem se amparando e rasgando o preconceito. Seja na criação de conteúdos, como o caso da médica e mulher lésbica Letícia Nacle, seja dando seus relatos como Jussiara, Mare, Mariana, Janaína e Isadora. A visibilidade é construída diariamente e todas elas concordam que é preciso que os brasileiros estudem mais, se conscientizem mais para que todas as mulheres sejam respeitadas em suas particularidades nos consultórios ou fora deles.

Mas caso isso não ocorra, o importante é que a mulher e vítima do preconceito – e suas violências - não se silenciem, ressalta Letícia Nacle. Denúncias de violência ginecológica podem ser feitas pelo Disque Saúde 136 e também pelo Disque 100, que recebe denúncias de quaisquer violações de direitos humanos.

 

 

Uma polêmica envolvendo o Rei Roberto Carlos surgiu. De acordo com a revista Rolling Stone, um laudo criminal mostra que a música Traumas pode ser plágio de uma canção feita por uma professora.

Erli Cabral Ribeiro Antunes entrou em um processo contra Roberto. Ela afirma que uma música feita por ela e intitulada Aquele Amor tão Grande foi plagiada pelo cantor e Erasmo Carlos.

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A música Traumas foi escrita pela consagrada dupla em 1971. Segundo a professora, meses antes ela foi a um show de Roberto e entregou uma fita para um dos músicos do cantor. Sua música foi registrada em fevereiro de 1971 e em julho do mesmo ano o hit de tremendão e o amigo já estava nas rádios.

De acordo com a revista, o laudo feito pelo perito Cesar Peduti Filho aponta partes muito parecidas com a música de Erli. Mas as duas produções têm alterações na musicalidade e no ritmo.

Comparados os compassos de ambas as canções, a ideia central da música Aquele Amor Tão Grande é tocada como refrão da música Traumas. Não restam dúvidas quanto à reprodução parcial da obra. Verificou-se o plágio.

A defesa de Roberto Carlos no processo afirma que ao longo de sua carreira ele lançou vários nomes na indústria musical.

Sete vezes campeão mundial de Fórmula 1, Lewis Hamilton revelou traumas que sofreu durante sua infância na escola, com insultos racistas e humilhações. Segundo o piloto da Mercedes, este período foi "o mais traumático" de sua vida, no qual recebeu diversos xingamentos e bananas foram jogadas em sua direção.

Em entrevista ao podcast "On Purpose", transmitido na segunda-feira, o piloto de 38 anos deu detalhes de sua infância. Nascido em Stevenage, pequena cidade localizada no condado de Hertfordshire, Hamilton contou detalhes de seus primeiros anos da infância.

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"Eu já sofria bullying aos seis anos de idade. Naquela escola em particular, eu era uma das três crianças negras e muitas vezes sofria bullying de meninos mais velhos e fortes", revela o piloto. "Golpes constantes, atiravam coisas em mim, como bananas, pessoas te chamando de mestiço, e não sabia onde era o meu lugar. Isso para mim foi difícil."

"Não tinha vontade de ir para casa e explicar aos meus pais que eu havia sofrido bullying ou havia sido espancado na escola. Não queria que meu pai pensasse que não era forte", diz o piloto. Atualmente, Hamilton é o único piloto negro na Fórmula 1. Em 2021, fundou a instituição Mission 44, para promover a inclusão social no automobilismo, e já se posicionou contra o racismo no esporte nos últimos anos.

Hamilton está em sua 17ª temporada na Fórmula 1, Hamilton possui mais um ano de contrato com a Mercedes, mas pode renovar seu contrato. Na mesma entrevista, o piloto revelou que vê dificuldades para parar de correr.

"Eu faço isso há 30 anos. Quando você parar, o que vai acontecer para combinar com isso? Nada se compara a estar em um autódromo, estar em uma corrida, estar no auge do esporte e estar à frente do grid ou passar por aquela emoção que sinto", afirma. "Quando eu parar, haverá um grande buraco (na minha vida), então estou tentando me concentrar e encontrar coisas que possam substituir isso e ser igualmente gratificantes."

Pela primeira vez em Copas do Mundo, uma seleção pôde trocar no Catar um dos seus jogadores em campo sem queimar uma das substituições a que tinha direito. Foi a estreia da troca de atletas por concussão cerebral. A preocupação com esse tipo de lesão levou ao também inédito uso de um aparelho médico para avaliação imediata de casos de concussão, ainda no gramado, se necessário.

Mas o que levou a Fifa a se preocupar com este tipo de problema de saúde agora? Quais os riscos para os jogadores de futebol a curto e longo prazo em casos de choques de cabeça? E para praticantes mais jovens, como crianças e adolescentes das categorias de base dos clubes? Há risco de danos cerebrais em caso de simples cabeçadas na bola? Para responder estas perguntas, o Estadão foi atrás de estudos e especialistas em neurociência.

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O GAROTO DE HARVARD

As concussões cerebrais, que se caracterizam pela perda temporária de consciência, se tornaram preocupação para a Fifa nos últimos anos, na esteira de um movimento encabeçado por lideranças científicas dos Estados Unidos há pelo menos 30 anos.

Um dos pioneiros foi o americano Christopher Nowinski, dono de uma das histórias mais improváveis da ciência do seu país. Formado em ciências sociais pela prestigiada Universidade de Harvard, Nowinski resolveu aproveitar seus quase dois metros de altura para se aventurar nas lutas de WWE, conhecidas no Brasil por "Telecatch". Seu apelido era "The Harvard Boy" (o garoto de Harvard).

Mesmo teatralizados, os confrontos e as eventuais pancadas na cabeça causaram no americano a chamada Síndrome Pós-Concussional, que forçou sua aposentadoria na luta livre. Os sintomas, como tontura e confusão mental, fizeram Nowinski se interessar pelo tema. Ele foi fundo na pesquisa e, em 2006, transformou seus estudos no influente livro Head Games: Football’s Concussion Crisis ("Jogos de cabeça: a crise da concussão no futebol", em tradução livre).

De acordo com a revista científica The Lancet, uma das mais importantes do mundo, o livro do americano "causou ondas de impacto por toda a NFL", a liga de futebol americano dos EUA. A partir dali, a concussão cerebral se tornou um dos temas esportivos mais pesquisados no país. Nowinski, por sua vez, se aprofundou no tema. Tornou-se um neurocientista, obteve o título de PhD e ajudou a fundar a Concussion Legacy Foundation, entidade focada em estudos ligados à concussão.

A fundação, por sua vez, se tornou uma das entidades científicas mais poderosas dos Estados Unidos, com orçamento de dar inveja a grandes universidades. Não por acaso começou a financiar estudos ligados ao tema até em instituições brasileiras nos últimos anos - o estudo do cérebro do ex-boxeador Éder Jofre, por exemplo, é bancado pela entidade americana.

Enquanto crescia, a fundação ganhava espaço na imprensa, apresentando às famílias dos EUA os riscos apresentados pelo futebol americano praticado pelos seus filhos nas escolas. Como consequência, outros esportes, de menor impacto, ganharam atenção e cresceram entre o público americano, como o futebol tradicional. Não demorou, portanto, para os riscos da modalidade começarem a ser observados de perto, a partir da década de 2010.

RISCOS DO FUTEBOL TRADICIONAL

Com certo atraso, estas preocupações chegaram à Europa nos últimos anos. E, em agosto de 2022, a International Football Association Board (Ifab), entidade que define as regras do futebol, recomendou que crianças de até 12 anos evitem cabeçadas na bola. Os árbitros de campeonatos de base até receberam orientação para marcar falta nos jogos nestes casos.

Em comunicado, a Ifab disse que a medida é fruto de cuidados "a curto e a longo prazo". "Esta preocupação se torna aguda quando os jogadores são crianças porque seu corpo, seu cérebro e suas habilidades motoras estão ainda em desenvolvimento e talvez não tenham a força física e nem a experiência suficientes para minimizar possíveis riscos", explicou a entidade.

O neurologista brasileiro Renato Anghinah explica que, no caso das crianças, a preocupação está no choque entre cabeças e também no choque entre cabeça e corpo, principalmente porque os pequenos atletas ainda estão com seus cérebros em formação. A curto prazo, elas podem sofrer um Traumatismo Cranioencefálico (TCE). Depois de muitos anos, o risco está na chamada encefalopatia traumática crônica, doença do cérebro causada por inúmeras e repetitivas pancadas ao longo do tempo.

"Quanto maior o tempo de exposição às pancadas, maior a chance de desenvolver essa doença. Se eu proíbo as cabeçadas na bola, principalmente nesta fase de formação, quando o cérebro está em desenvolvimento, eu estou ganhando duas coisas: vou evitar que eventualmente provoque algum dano numa fase ainda em formação e estou diminuindo o tempo de exposição destas crianças. Reduzo, assim, de 25 a 30% o tempo de exposição que estes indivíduos tiveram aos traumas de crânio", disse ao Estadão Renato Anghinah, do Hospital das Clínicas e livre docente em neurologia pela USP (Universidade de São Paulo).

No mundo dos adultos, os choques de cabeça também preocupam. O especialista dá uma sugestão para reduzir essas cenas que se tornaram corriqueiras nas partidas de futebol. "Assim como o carrinho por trás, cabeçada na cabeça do outro por trás poderia gerar falta e cartão amarelo. Simples! É só uma questão de a Fifa querer mudar isso. Vai evitar a cabeçada? Não, mas o jogador, com certeza, vai ter mais cuidado nestes lances."

CABEÇADAS NA BOLA SÃO PERIGOSAS PARA O CÉREBRO?

Não há estudos provando qualquer dano ao cérebro de um jogador por conta de cabeçadas na bola. As pesquisas sobre o tema ainda são raras, mas uma delas analisou os possíveis danos cognitivos que o movimento poderia causar em cérebros de jogadores do Atlético-MG e do América-MG. Numa comparação com pessoas que não são atletas, o estudo publicado em 2019 na revista Frontiers in Neurology "não mostrou diferenças significativas em testes de performance", apontou.

A pesquisa teve entre seus autores o médico Paulo Caramelli, doutor em neurologia e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e o ortopedista Rodrigo Lasmar, que divide sua atenção entre o departamento médico do Atlético e o da seleção brasileira - esteve em cinco das últimas seis Copas do Mundo com a equipe nacional e operou Neymar em 2018.

Os autores são cautelosos e afirmam que o estudo não é definitivo e o tema exige mais pesquisas, principalmente a longo prazo. "Mais estudos, principalmente com um desenho longitudinal (maior alcance), são necessários para esclarecer o significado clínico da cabeçada como possível causa de dano cerebral, o que segue como um tema controverso e inexplorado, e para identificar os fatores de risco."

A preocupação dos especialistas, no momento, é quanto aos efeitos das cabeçadas (mesmo aquelas somente na bola), a longo prazo. No estudo, Lasmar, Caramelli e outros cientistas estimam que um jogador profissional alcance o número de 300 jogos numa carreira bem-sucedida, o que poderia gerar cerca de 2 mil cabeçadas na bola ao longo de uma trajetória profissional nos gramados.

Em breve artigo na revista Nature, os neurocientistas britânicos William Stewart e Alan Carson afirmam que ex-jogadores de futebol da Escócia analisados em pesquisa apresentaram maiores chances de doenças neurodegenerativas, como demência, Mal de Parkinson e de Alzheimer após a aposentadoria.

"Apesar de fazer parte do futebol desde a sua criação, poucos estudos avaliaram os efeitos a curto e longo prazo da cabeçada. Mesmo assim, em estudos de imagem do cérebro, declarações sobre cabeçadas no futebol são relacionadas a mudanças verificáveis na estrutura do cérebro", apontam os pesquisadores no artigo intitulado "Heading in the right direction", um trocadilho com a palavra "heading", que significa "cabeçada" e também "ir".

Também cauteloso, o estudo destaca que problemas cognitivos verificados em ex-atletas de 50 e 60 anos podem ter outras causas. Mas não descartam eventuais mudanças radicais no esporte, caso novas pesquisas apontem maior relação entre as cabeçadas e problemas de saúde a longo prazo.

FUTEBOL DE CAPACETE?

Especialistas do mundo científico não descartam mudanças radicais na prática do futebol no futuro em caso de eventuais estudos a confirmarem danos cerebrais. Um jogo sem a permissão de cabeçadas na bola ou a utilização de capacetes estariam entre os cenários hipotéticos.

Os capacetes poderiam ser uma solução parcial para o problema. "Não resolveria completamente, mas amenizaria com certeza. Seria como aconteceu com a exigência de usar capacete para pilotos de moto. Os números caíram muito. O índice de traumatismo foi lá embaixo. O impacto, em termos de sociedade, foi fantástico", afirmou ao Estadão o neurocirurgião Feres Chaddad, professor da Unifesp e chefe da Neurocirurgia da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Os médicos brasileiros, contudo, lembram que capacetes e outros equipamentos de proteção não servem para reduzir o impacto no cérebro em caso de uma forte desaceleração. Isso é algo comum no futebol americano, nos lances de "tackle" (impedir a passagem do rival), ou de falta, no futebol tradicional.

"Mais ou menos 50% das lesões cerebrais em jogos de contato são causadas pela desaceleração e aceleração do cérebro. Não precisa encostar na cabeça do indivíduo para ter lesão no cérebro", explicou Anghinah.

"Num momento, um jogador e seu cérebro estão a 30 km/h. Aí ele sofre o tackle. E, milissegundos, a velocidade vai a zero. O cérebro está solto e chacoalha dentro da caixa craniana. Um atleta pode sofrer um tackle, sem choque de cabeça, e cair desacordado no gramado. E nem bateu a cabeça. Por quê? Porque a desaceleração brusca pode lesar o cérebro."

PROFISSIONALIZAÇÃO DA GESTÃO

Anghinah e Chaddad pedem mais pesquisas na área, principalmente com atletas já aposentados. Eles lembram que os problemas no cérebro só aparecem quando os jogadores já deixaram os gramados. E acreditam que, pela onda de profissionalização da gestão dos clubes de futebol, haverá maior abertura para pesquisas no futuro.

"Com as SAFs, os clubes passam a ter um dono. E o dono é o responsável pelo que acontece com o elenco do time. Hoje, se um clube sem SAF sofre algum problema, não acontece nada com o presidente. Já com a SAF os donos vão sofrer um processo ou perder dinheiro", afirmou Chaddad.

Sabrina Sato revelou que decidiu colocar próteses de silicone nos seios após ter sofrido bullying na adolescência. Durante o programa Saia Justa, do GNT, a apresentadora falou sobre os apelidos que a assombraram no passado e os traumas deixados por eles.

Ela começou explicando sobre os rótulos que recebia na infância:

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- Rótulo ajuda a definir, mas atrapalha muito porque limita. Você pode ficar preso nesse rótulo se você acreditar nele, se levar ele a sério. Desde criança eu recebi os piores rótulos: esquisita, japa, burra, minha verruga gerou vários rótulos. Conforme você vai crescendo, vai piorando. Depois veio pra frentex, burra de novo, gostosa. Se eu tivesse ficado presa nos rótulos que me deram lá atrás, eu não estaria sentada nesse sofá com vocês.

A artista também revelou que sofreu bullying por conta de seus seios pequenos.

- Eu tenho silicone e eu acho que tem muito desses rótulos que me trouxeram traumas na infância. Na escola, os meninos ficavam me chamando de jabuticaba, eu não entendia o porquê, eu achava que era por causa da pinta, mas era por causa dos meus seios. Me doeu muito. Eu tentei usar sutiã de enchimento, de algodão, durante muito tempo, mas nunca cresceu.

Segundo Sabrina, os apelidos pejorativos recebidos de colegas de escola a levaram a passar pela cirurgia.

- Chegou uma hora que eu coloquei silicone, isso machuca a gente, né? Em determinados momentos da vida, isso pode te brecar e te segurar.

População tem sofrido desgaste emocional diante dos resquícios da pandemia. Cenário é preocupante, mas pode ser combatido. Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

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Dedos entrelaçados em sinal de oração, mãos aos céus como forma de agradecimento, rezas ante o mar e uma sintonia de esperança celebravam o novo ano. Sob fogos brilhosos e respingos de champanhe, 2020 chegou. Fotografei abraços e presenciei dizeres otimistas para o ciclo que começara. Tomado pela atmosfera comemorativa do réveillon, não imaginaria naquele momento eufórico que, meses depois, vivenciaríamos o início da mais crítica e enlutada crise de saúde dos últimos tempos. Os mesmos amigos e familiares que, com os pés na areia da praia festejavam o ano novo, hoje pedem às suas crenças que o período corrente leve consigo doença, medo, luto, mazelas, intolerâncias, desemprego, corrupção, entre outros males. O novo coronavírus, literalmente, atormentou o ano novo.

Não tão longe do litoral, *José Silva, 35 anos, reflete em seu apartamento - uma espécie de refúgio ante o cenário desolador da pandemia de Covid-19 -. Em isolamento social – séria e correta medida indicada pelos órgãos competentes de saúde para combater a proliferação da doença -, da janela do edifício ele observa as ruas situadas no coração do Recife, uma das capitais fortemente atingidas pelo novo coronavírus. Praticamente não há pessoas no local, antes de intensa movimentação. *José observa. Analisa. Questiona sua própria mente: “por que isso está acontecendo”?. Também rememora momentos em família, ao sentir falta dos abraços, do calor carinhoso característico da mãe idosa. São meses sem vê-la, sem tocá-la; tudo por amor a ela.

*José observa. Reflete. Agitada, sua mente não cansa, não para. Ao direcionar novamente sua atenção às ruas vazias, paralelamente sente um vazio de incertezas quanto ao seu futuro e das pessoas que ama.

*José viu, repentinamente, sua rotina tomar uma proporção antes inimaginável. Obrigatoriamente e de maneira consciente, afastou-se dos amigos, da família e do local de trabalho. Na mídia, alimentou-se de informações a respeito da problemática e complexa Covid-19, cujo rastro de estrago e morte marca países do mundo todo. *José acompanha, diariamente, as contagens de casos e óbitos, além dos efeitos oriundos da pandemia, que reverberam, além da saúde, na educação e economia de um país desigual, socialmente falando, desde os primórdios. Para *José, a pandemia potencializou os diversos problemas sociais e políticos que acometem o povo brasileiro, assim como instaurou desconfortos mentais.

A mente de *José não pausa. Todos os dias, durante a pandemia, é tomada por uma tempestade de pensamentos; seu corpo já sente os efeitos da ansiedade. Coração e mente acelerados, enquanto as noites não mais servem como um momento reparador, uma vez que, em várias ocasiões, o sono não vem. “Fiquei bastante tenso quando a quarentena, no início de março, começou a se estender. Diversos sentimentos de impotência brotaram em mim. Estou há quase seis meses sem ver minha família, e todo o meu pensamento vai para cada um que está distante de mim. Apesar de conversas por chamadas de vídeo, o contato físico faz falta. Não aguento mais ficar isolado por tanto tempo em casa, longe de quem eu gosto. Minha saúde mental está indo embora”, desabafa.

O medo cerca *José. Ele teme, por exemplo, perder pessoas queridas. Teme, ainda, que a crise econômica acarrete demissões. “É no silêncio da noite que a minha mente projeta um turbilhão de dúvidas e medos. Não sei como mudar a rota do meu pensamento para que eu sinta um certo alívio, de fato, de que as coisas irão realmente melhorar. Meus questionamentos estão sempre relacionados ao meu lado financeiro. Acho que, desde o início da pandemia, sinto instabilidade profissional. Não vejo com entusiasmo a capacidade que eu tenho de desenvolver o meu trabalho”, descreve ele.

É perceptível como *José trava uma luta emocional na qual é difícil desenvolver soluções imediatas. Talvez isso se dê pelo fato de que ele, sozinho, não detém o controle do atual cenário, pois, em suas mãos, não estão as soluções que possam, de uma vez por todas, colocar fim aos resquícios da pandemia em seu cotidiano. Nesse contexto, *José não consegue cessar os próprios medos e nem planejar o próprio futuro.

“Só espero que esse caminho de incertezas e de negatividade que estamos trilhando não deixe marcas profundas na alma, ao ponto de lembrarmos futuramente de tudo isso que estamos presenciando com tristeza e amargor. Me preocupa bastante ver que estou desacreditando a cada dia que se passa do meu potencial, da minha entrega, da garra que um dia eu lutei intensamente para conquistar o meu lugar. Ainda não passou pela minha cabeça buscar apoio psicológico para me dar um norte em meio a esse caos instalado pela pandemia. Não faço a mínima ideia se tenho a capacidade de sair desse mar de consternação sozinho”, diz *José.

*José Silva – nome fictício. Personagem preferiu preservar a sua identidade.

Doença pandêmica, mente em perigo

Mais de 23 milhões de casos confirmados no mundo. Quase 816 mil mortes. Assustadores, os dados globais da pandemia do novo coronavírus, informados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em seu mais recente balanço, expõem quão crítico é o cenário. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto da Covid-19 constitui uma Emergência de Saúde Pública Internacional, patamar de alerta mais alto da instituição. Localmente, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa baseado nas informações das secretarias estaduais de Saúde, o Brasil registra mais de 3,7 milhões de pessoas diagnosticadas com o vírus e o número de óbitos passa de 117 mil. Além desse panorama, existem comprovações de que a pandemia tem bombardeado suas consequências na condição mental da população.

Em comunicados oficiais, a OMS já alerta que a pandemia da Covid-19 tem, de fato, forte impacto na saúde mental das pessoas. A entidade demonstra preocupação e orienta os países a tomarem medidas necessárias para ajudar suas nações.

À frente da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom explica que os efeitos econômicos e sociais da pandemia, da forma acelerada como se expandem e causam estragos, tendem a aumentar casos prejudiciais à saúde mental dos indivíduos. Depressão, ansiedade e transtornos mentais por uso de substâncias são alguns dos problemas citados pelo diretor-geral da OMS.

Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, pede atenção às questões relacionadas à saúde mental. Foto: OMS

Antes mesmo da pandemia, os números de transtornos mentais despertavam preocupação na Organização Mundial da Saúde. De acordo com a entidade, foram registrados 322 milhões de casos de transtorno depressivo em todo o mundo, bem como 264 milhões de pessoas eram acometidas por transtorno de ansiedade. Ainda sobre o período pré-pandemia, o estudo aponta que, no Brasil, 9,3% da população sofria distúrbios relacionados à ansiedade, correspondendo a um quantitativo de 18.657.943 cidadãos.

Se antes da Covid-19 a sociedade já ansiava aportes em relação à saúde mental, agora, mais do que nunca, segundos os especialistas, há a necessidade de cuidarmos com mais afinco de nossas mentes. Os resquícios pandêmicos são, metaforicamente, como uma imensa bola de neve que vai agregando problemas e mazelas, ao ponto de atingir a mente da população. De acordo com a psiquiatra Fátima Vasconcelos, integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mortes, luto, desemprego, crise econômica, risco de contágio, incertezas sobre a vida são alguns dos fatos pandêmicos que impulsionam dores emocionais. “Todos esses problemas juntos podem criar um quadro de ansiedade e depressão muito grande. Algumas dessas pessoas, tanto pela ansiedade quanto pela depressão, podem aumentar o consumo de substâncias lícitas e ilícitas. A gente tem também, além da depressão, ansiedade e do transtorno do estresse pós-traumático, o aumento do consumo de drogas, tanto álcool, quanto maconha e cocaína. Muitas crises já vinham acontecendo e já comprometiam a qualidade de vida da população”, explica a médica psiquiatra.

Dados e indícios preocupam

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), instituição vinculada à OMS, estão sendo levantados dados globais que ratificam os indícios de aumentos de ansiedade, depressão, entre outros males psíquicos, em virtude do novo coronavírus, bem como instituições passaram a traçar estratégias preventivas. Em maio deste ano, por exemplo, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, lançou um relatório sobre políticas públicas para a saúde mental com uma série de orientações aos governantes. “Luto pela perda de entes queridos. Choque com a perda de empregos. Isolamento e restrições à circulação. Dinâmicas familiares difíceis. Incerteza e medo do futuro. Problemas de saúde mental, incluindo depressão e ansiedade são algumas das maiores causas de miséria no nosso mundo”, alertou Guterres. “À medida que nos recuperamos da pandemia, precisamos transferir mais serviços de saúde mental para a comunidade e garantir que a saúde mental seja incluída na cobertura universal de saúde. Apelo aos governos, à sociedade civil, às autoridades de saúde e a outros que se reúnam com urgência para abordar a dimensão da saúde mental desta pandemia”, acrescentou o secretário-geral da ONU, conforme informações do site da Organização.

O relatório das Nações Unidas destaca, inicialmente, que embora a crise da Covid-19 seja, a priori, de saúde física, ela propagará sementes de uma grande crise de saúde mental, caso ações preventivas não sejam realizadas. O documento aponta que boa saúde mental é “fundamental” para o funcionamento da sociedade, devendo também ser pauta de cada país durante o enfrentamento ao novo coronavírus. Conforme o relatório, pesquisas realizadas em 2020 revelam alta prevalência de sofrimento na população durante a pandemia de Covid-19, como na China, em que 35% da população está angustiada. Nos Estados Unidos esse índice de angústia sobe para 45%, enquanto no Irã o percentual é ainda mais alarmante: 60%.

Ao analisarmos o cenário brasileiro, fica ainda mais evidente a necessidade de o País intensificar, prontamente, um combate dedicado aos problemas oriundos da pandemia que reverberam na saúde mental. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos revelou que quatro em cada dez brasileiros sofrem sintomas de ansiedade como consequência da pandemia. Segundo o estudo, as mulheres são mais afetadas, representando 49% dos casos, enquanto o percentual dos homens é de 33%. O levantamento aponta que o índice de 41% coloca o Brasil na primeira posição entre os países mais ansiosos em decorrência do novo coronavírus. “A gente diz que o Brasil é um país feliz e não é. Na verdade, é um país que tem muita desigualdade, muita gente vivendo em condições grandes de pobreza, o que cria um quadro de ansiedade e depressão muito grande”, acrescenta a psiquiatra Fátima Vasconcelos.

 

Arte: João de Lima/LeiaJáImagens

Aliado fundamental do bem-estar, o sono, antes reparador, perdeu efeito para muitas pessoas. A pesquisa do Instituto Ipsos indica que, de dia, a preocupação é com a utilização segura de máscaras e com a limpeza correta das mãos e objetos, enquanto ao anoitecer, a luta de muitos brasileiros é contra a insônia. Segundo o levantamento, 26% da população nacional relatou dificuldades para dormir na pandemia; as mulheres são as mais afetadas, apontou a pesquisa. De novo, o Brasil aparece nas primeiras posições, quando analisamos os efeitos da falta de sono entre os países: no topo da tabela está o México, com 38% da população afetada, e em segundo lugar está o Brasil, com o percentual de 26%; em terceiro estão a África do Sul e a Espanha, ambos com 25% dos seus povos atingidos pela insônia. Em contraponto, as nações menos afetas foram Japão (6%), Coreia do Sul (10%) e Austrália (12%).

Ainda de acordo com o estudo do Instituto Ipsos, um em cada dez entrevistados no Brasil disse estar enfrentando sintomas depressivos em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Fátima Vasconcelos reitera que existe uma relação muito clara com a disseminação dos sintomas e as mazelas pandêmicas. “Na pandemia, nós já temos mais de 100 mil pessoas mortas no Brasil. Claro que tivemos índices de recuperação, mas como ficaram os familiares das pessoas que já faleceram? E mais: há o risco de mais pessoas falecerem. Algumas se internaram para o tratamento da Covid-19 e se recuperaram, mas se recuperaram com um grau de sofrimento muito grande. Existem mães que perderam filhos e mães que tiveram filhos e esperaram um mês para vê-los. Depois da pandemia, todo mundo de alguma forma foi atingido”, comenta a psiquiatra.

Já no recorte das nações em que a população menos sente os sintomas de depressão, a pesquisa mostra que chineses (4%), japoneses e franceses (5%), e por fim os alemães (8%), são os povos menos deprimidos. Ainda segundo o Instituto Ipsos, a pesquisa aponta que, no Brasil, apenas 22% dos entrevistados disseram que não foram impactados por nenhum dos problemas identificados no estudo.

O próprio Ministério da Saúde brasileiro oficializou, publicamente, sua preocupação com a piora dos índices de problemas emocionais atribuídos aos efeitos da pandemia. A pasta realizou a “Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico COVID-19 (Vigitel)” e apresentou, no fim de maio, seus resultados, entre eles os oriundos da saúde mental da população. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 2 mil pessoas foram ouvidas neste estudo. Confira, a seguir, os problemas relacionados à saúde mental que incomodaram os cidadãos entrevistados no levantamento e seus respectivos percentuais das pessoas afetadas:

Após os resultados oriundos da Vigitel, o diretor do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância em Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Eduardo Macário, reforçou a necessidade de o Brasil oferecer atenção especial às questões de ordem mental, segundo ele, em alguns momentos colocadas de “lado”. Para o diretor, “eventos relacionados à saúde mental muitas vezes são colocados de lado numa situação como a que estamos vivendo”. Ele complementa: “Mas é fundamental serem monitorados e acompanhados”.

Cresce o número de atendimentos psiquiátricos durante a pandemia

Pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria, a ABP, realizada em maio deste ano, identificou que, entre seus médicos associados, 47,9% dos entrevistados notaram aumento em seus atendimentos após o início da propagação do novo coronavírus. Levando em consideração esse grupo, o levantamento revelou um crescimento de até 25% nos atendimentos, quando comparados ao período anterior à pandemia para cerca de um terço dos participantes.

Um dos objetivos do trabalho estatístico da ABP foi identificar os atendimentos a novos pacientes. De acordo com a Associação, quase 68% dos psiquiatras entrevistados receberam pacientes novos após o começo da pandemia; são pessoas que nunca apresentaram sintomas psiquiátricos anteriormente. A apuração do estudo informa também que 69,3% dos médicos disseram que receberam pessoas que já haviam tido alta médica, porém, sofreram o reaparecimento de seus sintomas mentais; esses pacientes voltaram aos consultórios ou realizaram novos contatos para atendimentos. Ao todo, médicos de 23 estados, além do Distrito Federal, participaram da avaliação.

Arte: João de Lima/LeiaJáImagens

O levantamento da ABP, no que diz respeito aos médicos que não notaram aumento nos atendimentos, identificou um cenário contrário ao mencionado anteriormente: queda na quantidade de demandas. Esse decréscimo, no entanto, também pode ser entendido como uma consequência da proliferação do novo coronavírus, uma vez que entre os principais motivos revelados sobre a queda, está a interrupção do tratamento porque o paciente sente medo de sair de casa e ser contaminado pela Covid-19. Diminuíram, claramente, atendimentos às pessoas do grupo de risco, tais como idosos e brasileiros afetados por comorbidades, bem como foram empecilhos para os acolhimentos presenciais as restrições de circulação determinadas pelo poder público em algumas cidades.

"Essa pesquisa identificou dois cenários preocupantes como consequência de uma única possibilidade. O aumento dos atendimentos foi motivado, em sua maioria, pelo agravamento dos transtornos ou desenvolvimento de novas patologias psiquiátricas devido ao medo da Covid-19. Entretanto, a redução dos atendimentos àqueles que assim identificaram também se deve ao medo da contaminação e às estratégias para evitar o contágio", avalia o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, conforme informações da assessoria de imprensa da entidade.

De acordo com os especialistas, a quebra da rotina também é um fator que pode potenciar desgastes emocionais na sociedade. Adaptar-se à uma nova realidade de trabalho, como nos casos do home office e das restrições impostas pelo isolamento social, é difícil e cria desafios. “Quando saímos de nossa homeostase, ou seja, o nosso modo usual de funcionamento, cognitivo, comportamental e emocional, temos que usar nossos mais nobres recursos para adaptação. É nesse sentido que muitas pessoas, ao não conseguirem fazer esse ajuste, adoecem e necessitam de atendimento especializado. É de se supor que, num momento de grande mudança e necessidade de adaptação, sintomas de ansiedade, depressão e relacionados a trauma aumentem e precisem de uma abordagem imediata", acrescenta o presidente da ABP ao site da instituição.

Sentimentos revelados

Um levantamento do Instituto de Pesquisas UNINASSAU, entidade vinculada ao Centro Universitário Maurício de Nassau, reuniu informações acerca dos efeitos do novo coronavírus na rotina de moradores do Recife. Um dos pontos abordados na capital pernambucana analisou a relação da Covid-19 com a saúde mental dos populares.

Segundo o Instituto, a pesquisa teve como objetivo “investigar a opinião da população residente na área de abrangência em relação à pandemia do novo coronavírus”. O universo do estudo corresponde a eleitores com 18 anos ou mais de idade, cujo grau de instrução vai do ensino fundamental incompleto ao nível superior concluído, entre outras características. No total, foram realizadas 628 entrevistas, no período de 11 a 14 de junho de 2020

Ao questionar os entrevistados sobre questões ligadas à saúde mental em meio à pandemia, a pesquisa reuniu vários sentimentos. As revelações expressaram incertezas quanto ao futuro, medos, angústias, entre outros declínios emocionais demonstrados pelos cidadãos. Acompanhe informações apuradas pela pesquisa no vídeo a seguir. Também registramos o comentário da psiquiatra Catarina Moraes, médica associada à Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, acerca dos efeitos pandêmicos nas questões psicológicas.

Indicativos ou transtornos em vítimas da Covid-19

Pesquisadores e profissionais da saúde já admitem que pessoas acometidas pelo novo coronavírus podem desenvolver transtornos mentais e até problemas neurológicos. Um estudo da Universidade Oxford, da Inglaterra, publicado no dia 16 de agosto, revelou que uma em cada 16 vítimas da Covid-19 desenvolveu alguma espécie de transtorno mental no período de três meses após a doença. Segundo a pesquisa, o risco é duas vezes maior para as pessoas que necessitaram de hospitalização por causa dos efeitos do vírus.

A pesquisa da Universidade de Oxford avaliou mais de 60 mil pessoas que apresentaram recuperação após o diagnóstico do vírus pandêmico, bem como o estudo científico identificou que indivíduos que já apresentam doença mental têm um risco maior de serem acometidos pela Covid-19. Nas avalições, foram realizadas comparações com o surgimento de transtornos durante o tratamento de outras enfermidades, entre elas infecções respiratórias e de pele, pedra na vesícula e nos rins, fraturas consideradas graves e influenza.

O estudo da universidade inglesa somou seus resultados aos de outras pesquisas que também provaram relação entre transtornos mentais e o novo coronavírus. Cientistas ainda apontam que, mesmo sendo uma doença nova, cujo vírus acomete pessoas de faixas etárias diferentes, a Covid-19 pode castigar o cérebro e o sistema vascular, além do coração, pulmões, intestino e os rins.

Em outra conclusão científica, pesquisadores da University College London (UCL), de Londres, publicaram um artigo, em julho deste ano, em que mostra uma análise de 43 pessoas vitimadas pelo novo coronavírus. Segundo o artigo, os pacientes apresentaram complicações neurológicas, tais como psicose, delírio, tremores e até danos ao cérebro, ocasionando derrame.

A comunidade científica brasileira também tem desenvolvido importantes estudos acerca da relação da pandemia com a sanidade mental da população. A Universidade de Fortaleza (Unifor), por exemplo, realizou uma pesquisa que tem como principal questionamento “Quais os impactos psicossociais que a pandemia do novo coronavírus tem causado na saúde mental do brasileiro?”. O trabalho foi financiado pela Fundação Edson Queiroz, por meio da Diretoria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (DPDI).

De acordo com a Unifor, a pesquisa revelou que os piores índices de saúde mental aconteceram com pessoas que já foram diagnosticadas com a Covid-19, além das que integram o grupo de risco, residem com pessoas desse grupo ou concordam com o isolamento social indicado pelos órgãos competentes. O mesmo estudo mostrou também que apresentaram maiores indícios de adoecimento as pessoas em maior nível de adesão aos protocolos de combate à pandemia.

Em entrevista ao LeiaJá, a coordenadora do projeto de pesquisa e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade de Fortaleza, Cynthia Melo, explanou os resultados dos principais pontos do estudo. Uma das constatações indica que quem teve Covid-19 apresentou maior nível de ansiedade. Para a docente, isso se explica pelo fato de que as vítimas vivenciaram um risco alto de óbito. “É uma possibilidade de morte muito maior do que quem não teve a doença. Essa pessoa sabe da gravidade da doença mais de perto do que os outros”, esclarece.

Cynthia Melo é coordenadora do estudo desenvolvido pela Universidade de Fortaleza. Foto: Cortesia

O estudo da Unifor indicou, ainda, que os entrevistados que moram com pessoas do grupo de risco apresentaram mais indícios de adoecimento mental. De acordo com a coordenadora da pesquisa, uma das hipóteses para esse resultado é que os indivíduos temem sair de casa com receio de se contaminar com o novo coronavírus e, se saírem, colocarão em risco todas as pessoas com as quais moram. Há, portanto, um clima de tensão.

Em outro recorte do levantamento, foi identificado que quem concorda com o isolamento social apresenta indicadores de pior saúde mental. No entanto, a professora Cynthia alerta veemente que o isolamento é uma estratégia fundamental no combate à Covid-19, devendo, portanto, ser respeitado e praticado conforme as orientações da Organização Mundial da Saúde.

“O isolamento e o distanciamento social, apesar de necessários - devendo ser respeitados para a contenção da doença -, podem causar estresse. Por esses e outros fatos, a pandemia nos convoca a cuidados com a saúde mental. Além de ser um problema de crise epidemiológica com alto nível de contágio e de mortalidade, ela também é uma crise do ponto de vista psicológico. Tudo que envolve a doença, sensação de vulnerabilidade, risco de morte, incertezas sobre o futuro e isolamento, é adoecedor”, explica a professora.

A docente continua sua fala orientando a população sobre ações que contribuem para o bem-estar social durante o isolamento: “Para a população, existe a necessidade de se cuidar, de se prevenir, organizando os espaços da casa; tem o lugar certo para cada coisa, organizando a rotina, melhorando a ambientação do lar e fazendo uso de espaços verdes. Tenha hábitos que fazem bem, tais como aula de exercício físico ou assistindo uma live de um cantor que você gosta, ou conversando com os amigos em vídeo conferência. Pode estudar, ver um filme. Conseguimos manter essas práticas de forma adaptada. Além disso, algumas cidades abriram os espaços públicos; existem espaços verdes que são muito bons para serem usados, com liberdade e sem colocar os outros em risco, respeitando o distanciamento”.

No total, 2.705 brasileiros participaram da pesquisa da Universidade de Fortaleza. Além de Cynthia Melo, outros professores – doutores - trabalharam no levantamento e na análise das informações reveladas pelos entrevistados, bem como contribuíram para o projeto alunos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unifor. A coordenadora ressalta que o estudo apresenta indicadores de depressão, ansiedade e estresse, mas não crava que, de fato, as pessoas ouvidas sofrem literalmente esses transtornos mentais, porque, para a conclusão dos diagnósticos, devem ser feitas avaliações contínuas com instrumentos psicossociais.

A história e o anseio humano pelo bem-estar mental

Somos movidos a realizações. Buscamos - às vezes desenfreadamente - conquistas pessoais e profissionais, assim como bem-estar físico e mental. Nesse processo, porém, as pessoas podem encarar de diferentes formas êxitos, frustrações e problemas. Historicamente, a humanidade viveu desafios, transformações sociais, conflitos e fatos – acontecimentos históricos com impactos na condição mental dos indivíduos -, ao mesmo tempo em que caminha ao encontro da paz física e emocional.

A Organização Mundial da Saúde define saúde mental como um “estado de bem-estar em que o indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses normais da vida, pode funcionar de forma produtiva e frutífera e é capaz de dar uma contribuição para sua comunidade”.

“O ser humano sempre está, de certa forma, em busca de uma felicidade, de bem-estar, de ter satisfação na vida. Isso acontece desde a primeira infância, depois na pré-adolescência, adolescência, vida adulta e entre os idosos. O ser humano tem algo dentro de si que vai buscando sentindo na vida, seja na escolha profissional ou mesmo na criança, por exemplo, quando ela faz a escolha de jogos que dão prazer. É a relação com a vida que tenha significado. Quando isso não acontece, os problemas aparecem. Problemas emocionais, sofrimentos, isso faz parte da vida humana, só que quando esses sofrimentos acabam por incapacitar as pessoas de trabalhar, estudar, de conviver em grupo, acabam se tornando transtornos, muitos deles de base genética, com componente hereditário muito forte”, comenta o professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Instituto de Psicologia da instituição de ensino, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, em entrevista ao LeiaJá.

Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, coordenador do Instituto de Psicologia da USP, alerta que problemas emocionais fazem parte da vida humana. Porém, quando começam a incapacitar as pessoas, eles podem virar transtornos mentais. Foto: Cortesia

Na corrida pelo bem-estar mental e físico, há pessoas que sentem a necessidade de expor à sociedade essa condição de realização humana. No entanto, isso não quer dizer que, verdadeiramente, elas vivenciam esse bem-estar. “Vários sociólogos falam que a gente vive em uma sociedade acelerada, cansada, ou a sociedade dos espetáculos. A gente tem hoje um ritmo acelerado de cotidiano. Você é acordado por um despertador, pula da cama, se arruma e vai trabalhar. E depois volta, corre, vem e vai. Você não tem tempo para o outro, não tem tempo para pensar no seu dia, no seu cotidiano, na sua vida. Ao mesmo tempo, a gente vive na sociedade dos espetáculos. É essa sociedade em que eu posso até não viver bem, mas eu tenho que mostrar, aparecer que estou bem. No Orkut, Facebook e Instagram. Às vezes, a gente está em um restaurante, e você vê um casal, amigos, cada um com o seu celular e não vivem o momento. Às vezes nem estou curtindo o restaurante, mas já estou ali fazendo uma foto para mostrar que estou no restaurante, mesmo que fisicamente apenas. É a sociedade que mostra que está tudo perfeito e as relações são muito descartáveis. Como dizem os jovens nas relações amorosas, a fila não anda, ela voa. As coisas vão girando. E no meio da Covid-19, essa sociedade se viu obrigada a parar. Pela primeira vez, nós fomos obrigados a parar”, reflete Cynthia Melo, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza.

O filósofo coreano Byung-chul Han defende a ideia de que a sociedade contemporânea é marcada por um excesso de positividade. Para o estudioso, essa característica pode resultar em patologias psicológicas. “O que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão de desempenho. O que torna doente, na realidade, não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho”, defende o filósofo.

O estudioso continua: “Mas em relação à elevação da produtividade não há qualquer ruptura: há apenas continuidade. Alain Ehrenberg localiza a depressão na passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de desempenho: 'A carreira da depressão começa no instante em que o modelo disciplinar de controle comportamental, que, autoritária e proibitivamente, estabeleceu seu papel às classes sociais e aos dois gêneros, foi abolido em favor de uma norma que incita cada um à iniciativa pessoal: em que cada um se comprometa a tornar-se ele mesmo. O depressivo não está cheio, no limite, mas está esgotado pelo esforço de ter de ser ele mesmo”. No áudio a seguir, o professor de filosofia e sociologia João Pedro Holanda traz mais detalhes acerca das ideias de Byung-chul Han. Clique na barra cinza:

Nos registros históricos, existem descrições de como o homem debatia questões sobre saúde mental. “Essa discussão sobre saúde mental é anterior à Segunda Guerra Mundial, porque já no final do século 19, começam a chegar discussões sobre isso. Freud já discutia a questão do homem moderno e as questões relativas ao mundo moderno, que têm muito do impacto da Revolução Industrial. Com os efeitos da Primeira Guerra Mundial, aconteceram os famosos traumas de guerra, resultando no aumento dessas discussões. O próprio Freud tratou alguns soldados. Alguns livros são bem emblemáticos sobre isso, como ‘Nada de novo no front’, escrito por Erich Maria Remarque, ex-soldado que vivenciou os conflitos. É um romance de um autor que lutou na guerra, em que ele fala como era o cotidiano no front e como isso impactava os soldados”, explica a professora de história Thais Almeida. “Essas discussões, porém, ganham os espaços públicos a partir da década de 50, após a Segunda Guerra Mundial. Foucault, por exemplo, publica o livro ‘História da Loucura’ em 1961”, complementa a docente.

Para o médico psiquiatra e historiador da Associação Brasileira de Psiquiatria, Walmor Piccinini, cuja atuação na medicina soma 54 anos de experiência, a Segunda Guerra Mundial marcou de maneira emblemática a psiquiatria. “No meu ponto de vista, embora a gente possa traçar vários aspectos filosóficos, a Segunda Guerra Mundial mudou a maneira de se olhar os problemas emocionais e mentais, porque os psiquiatras aprenderam a lidar com os soldados em estado de choque, em estado de crise, e a lidar de uma forma de recuperá-los para eles voltarem ao combate. Durante a guerra, não se fazia mais internamentos em hospitais, o atendimento era feito na linha de frente, e isso mudou a maneira de se ver o doente, porque, até então, o doente mental era recolhido para o asilo e lá ele era isolado. Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiram medicamentos”, explica Piccinini.

De acordo com o historiador da ABP, a partir dos anos 90 a depressão passou a ter um crescimento expressivo. “Também a partir dos anos 90, existe um lado bem concreto disso tudo, que é o aumento das licenças médicas para o trabalho por depressão. Nós tivemos um esvaziamento dos hospitais psiquiátricos, a maioria das pessoas foi tratada nas comunidades com antipsicóticos, antidepressivos e ansiolíticos. Isso aconteceu em todo o mundo”, recorda o médico psiquiatra.

Outras pandemias, ao longo da história, também desencadearam efeitos de ordem mental na sociedade. Há mais de dez anos, a proliferação da H1NI deixou sequelas físicas e, consequentemente, emocionais nos acometidos pela doença, segundo pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. De acordo com o estudo, metade das pessoas diagnosticadas com o vírus teve ansiedade, 25% apresentou depressão e em 40% dos pacientes foi identificado risco de transtorno pós-traumático. Por outro lado, ao analisarem o período após a epidemia de SARS na Ásia, ocorrida em 2003, os estudiosos documentaram um sentimento positivo: 60% dos pacientes passaram a valorizar mais a família, em uma comprovação de que, o isolamento social também pode aproximar as pessoas e fomentar uma atmosfera de solidariedade e união.

Acolhimentos e estratégias em prol da sanidade mental em meio à Covid-19

Sob o risco de uma crise global de ordem mental, instituições públicas e privadas tentam intensificar acolhimentos psicológicos e psiquiátricos durante a pandemia do novo coronavírus. Muitos profissionais realizam atendimentos de forma remota, uma vez que os serviços estão autorizados nesse formato durante a pandemia, em virtude da necessidade de manter o distanciamento social. A Lei 13.989/2020 regulamenta e autoriza a telemedicina nesse período, assim como os respectivos conselhos regionais de psicologia, orientados pelo Conselho Federal da área, permitiram os acolhimentos por meio de comunicação a distância.

Um dos serviços de acolhimentos remotos é desenvolvido em Campina Grande, na Paraíba, por meio do trabalho da Clínica Escola da UNINASSAU – Centro Universitário Maurício de Nassau. Antes mesmo da pandemia, a instituição de ensino oferecia atendimentos psicológicos presenciais de forma gratuita à comunidade acadêmica e ao público externo, porém, após o agravamento da Covid-19 no Brasil e da necessidade de valorizar o distanciamento social, o projeto passou a disponibilizar escutas de forma on-line, mediante a marcação dos interessados por meio da internet. O serviço se manteve sem custo para os usuários.

A psicóloga do serviço de acolhimento da UNINASSAU, Carla Correia, explica que os atendimentos anteriores à pandemia continuam sendo feitos, mas de maneira remota, somados às novas demandas advindas do período pandêmico. “A gente já oferecida os serviços presencialmente. Com a pandemia e diante da preocupação da universidade com a saúde mental dos alunos, colaboradores e da comunidade, sentimos a necessidade de estender o serviço e dar continuidade às escutas de forma on-line. Como o Conselho Federal de Psicologia permite, os psicólogos puderam atender de forma remota. Para isso, é preciso fazer um cadastro no e-Psi, um site do Conselho. Pessoas da Paraíba, Bahia, Pernambuco, Alagoas, entre outros estados, estão sendo atendidas no nosso projeto. O atendimento é realizado por meio de vídeo chamadas”, explana a psicóloga. De abril deste ano até agosto, mais de 160 pessoas foram acolhidas pela iniciativa, apresentando, principalmente, sintomas relacionados à depressão e ansiedade. “A própria pandemia desencadeou muitos sintomas obsessivos compulsivos, como na questão de aferir a temperatura repetidamente, por várias vezes ao dia. Na ansiedade, por exemplo, uma das características é a falta de ar e, em alguns momentos, nessa falta de ar, as pessoas se confundiam com alguns sintomas da Covid-19. Muitas vezes não tinham relação com o vírus e sim era algo relacionado à ansiedade. Notamos intensificação do medo, da insegurança. Tivemos pacientes de todas as faixas etárias, a partir de 18 anos; foi algo bem misto”, acrescenta Carla Correia.

Na visão da psicóloga, o atendimento remoto, diante do cenário difícil imposto pelo novo coronavírus, surge como uma alternativa importante para os acolhimentos dos pacientes. “Foi algo realmente novo para alguns profissionais, visto que o atendimento on-line só se dava apenas em alguma vezes, quando, por exemplo, um paciente viajava. No atendimento remoto, o lugar do paciente e do psicólogo não se altera, visto que é a fala - o que está sendo dito - que é relevante. Diante desse momento de pandemia, o atendimento on-line veio realmente para somar”, opina.

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Brasil tem registrados 375 mil psicólogos. Diante da proliferação do novo coronavírus e consequentemente da necessidade de realização dos atendimentos psicológicos de maneira remota, o site e-Psi – plataforma de cadastro dos profissionais que almejam atender remotamente – registrou um crescimento superior a 800%.

No âmbito do poder público, a Prefeitura de Olinda, na Região Metropolitana do Recife, por exemplo, é uma das gestões municipais que oferecem acolhimento remoto a pessoas com sofrimento mental durante a pandemia, além de encaminhamentos para aportes presenciais quando necessário. No caso de Olinda, a cidade é integrada à Rede de Atenção Psicossocial preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cujo funcionamento ocorria antes mesmo da Covid-19. A partir da pandemia, em março deste ano, foram necessários ajustes na oferta dos serviços, porque com o isolamento social, as escutas precisaram ser feitas em formato remoto, bem como os profissionais da rede municipal previram que com as mudanças bruscas ocasionadas pela propagação do vírus, havia o risco de aumento nos números de casos relacionados à saúde mental entre a população.

Segundo a coordenadora de saúde mental da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Olinda, Cíntia Mota, os teleatendimentos foram oferecidos, desde marco, a pessoas que, antes do contexto pandêmico, não apresentavam sintomas de transtornos emocionais. “Nós deixamos disponíveis dez números telefônicos, dos quais dois foram específicos para profissionais de saúde, porque a gente também percebeu um aumento desses profissionais em sofrimento mental, alguns na linha de frente do combate ao coronavírus”, explica a coordenadora. 

Também houve aumento de demanda nos atendimentos presenciais nos três Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do município. “O acolhimento individual presencial começou a aumentar muito. Em um Caps que a gente tinha por dia de cinco a dez acolhimentos de porta aberta, chegamos a ter 25 pessoas e um único dia, para que a equipe pudesse dar conta de fazer o primeiro atendimento, acolhimento e orientação. Na população em geral, sintomas de ansiedade estão muito presentes. Sintomas ligados a depressão também aumentaram, assim como as ideações suicidas, que são outras questões ligadas a sofrimento mental”, detalha Cíntia.

De acordo com a Prefeitura de Olinda, cerca de 2 mil intervenções são realizadas por mês em cada Caps da cidade. No que diz respeito especificamente aos teleatendimentos como suporte psicológico durante a pandemia de Covid-19, mais de 600 acolhimentos foram registrados até o momento. No áudio a seguir, em entrevista ao LeiaJá, a coordenadora de saúde mental detalha como são feitas as escutas telefônicas:

Cíntia ainda alerta que os usuários do SUS não devem ter preconceito contra os atendimentos psicossociais, uma vez que, principalmente no atual cenário, qualquer pessoa corre o risco de sofrer desgaste emocional. “A gente previu que isso aconteceria e criamos estratégias para atender a essa população mesmo de forma isolada. Costumo dizer que produzimos em 2020 mais tecnologias de cuidado do que anos atrás. Em saúde mental, ainda existe muito preconceito no acesso a serviços especializados, porque a gente tem o adoecimento mental distante das nossas vidas, como se a gente não estivesse propenso a isso. E a pandemia aproximou muito a população geral ao sofrimento mental. Ou seja, eu posso adoecer porque não estou preparado para todas as dificuldades da vida. Por mais que tenhamos um repertório de estratégias para lidar com as dificuldades, a pandemia apresentou um cenário muito novo, de muita incerteza, que causou muito sofrimento”, comenta a coordenadora de saúde mental de Olinda.

Os teleatendimentos são gratuitos e estão disponíveis de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, mesmo horário de funcionamento dos Caps. Confira os endereços dos Centros de Atenção Psicossocial, além dos números para contatos no teleatendimento.

Recife, cidade-irmã de Olinda, também apostou no teleatendimento psicossocial para tentar diminuir as dores emocionais da população. Por meio da Secretaria de Saúde da capital pernambucana, o serviço foi batizado de “teleacolhimento” e, desde março deste ano, oferece escutas gratuitas via vídeos e telefones a pessoas que estão sentindo impactos na saúde mental. Os agendamentos são realizados por meio da ferramenta Atende em Casa, criada pelo poder público com a finalidade de promover atendimentos iniciais em formato digital, direcionando os usuários para profissionais de saúde que dão orientações em casos suspeitos de Covid-19. Após passar por um questionário, o público é perguntado se precisa de apoio emocional; havendo resposta positiva, é feito o direcionamento ao teleacolhimento.

Segundo a coordenadora do serviço, Angélica Oliveira, mais de 2 mil atendimentos relacionados a sofrimento mental foram realizados até o momento. Além do agendamento para o público geral, existe um e-mail exclusivo para profissionais da rede municipal de saúde do Recife, que estão atuando na linha de frente contra o novo coronavírus.

Angélica Oliveira, coordenadora do teleacolhimento oferecido pela Secretaria de Saúde do Recife. Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

“O que mais aparecem são ansiedade, depressão e, de junho para cá, começou a surgir muito luto, pessoas sofrendo pela perda de parentes. Há muito medo de pegar a Covid e medo de perder o emprego. Por isso que o apoio é psicossocial, porque existem muitos problemas de ordem financeira”, explica a coordenadora.

O projeto conta com um trabalho multiprofissional, envolvendo 80 servidores municipais, como psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, entre outras funções. A coordenadora do teleacolhimento ressalta que o serviço não oferece consultas e nem receita medicamentos, pois, para isso, são necessárias avaliações presenciais e criteriosas com médicos psiquiatras da rede municipal de saúde ou em hospitais privados. “Por isso que nós chamamos de acolhimento psicossocial”, enfatiza Angélica, complementando que, havendo necessidade, os usuários podem ser encaminhados para os serviços presenciais. “É uma escuta qualificada e, quando necessário, fazemos o encaminhamento com qualidade, fazendo o contato com o serviço; a gente diz como a pessoa vai chegar e passa os contatos. Fazemos toda uma regulação desse cuidado para que quando ele – usuário - chegue no lugar do atendimento presencial, o local já esteja sabendo e o atenda de uma forma benéfica. É um trabalho integrado”, acrescenta Angélica.

Ainda de acordo com a coordenadora do teleacolhimento, os atendimentos específicos aos profissionais de saúde devem ocorrer de maneira continuada. “A gente está com uma demanda, desde junho, regular de profissionais que apresentam todos os tipos de sofrimento, tais como medo de pegar a Covid-19 e porque estão na linha de frente. Esse acompanhamento vai durar até o final da pandemia”, finaliza.

O cidadão que necessita do aporte psicológico, dependendo da situação, pode ser acolhido em mais de uma ligação ou vídeo. Caso apresente sofrimento grave, ele deve, ainda, ser encaminhado a um serviço presencial. O teleacolhimento está disponível de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Veja endereços dos Caps, indicados a quem precisa de socorro presencial.

No vídeo a seguir, a coordenadora – e psicóloga de formação - do teleacolhimento dá mais detalhes a respeito do serviço, bem como revela dicas sobre como a sociedade pode combater desgastes psicológicos. Também participa da entrevista o assistente social Airles Ribeiro, que divide com Angélica a coordenação do teleatendimento da Prefeitura do Recife. Assista:

Quarta onda – Entre os profissionais de saúde mental, existe um entendimento de que os efeitos da pandemia da Covid-19 desencadearam uma nova “onda”. Miriam Gorender, professora de psiquiatria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), detalhada as etapas: “A primeira onda é da doença em si. A segunda seria das complicações trazidas pela doença, como pessoas que ficam com lesões no pulmão, neurológicas e cardiológicas. Você tem ainda uma terceira onda das pessoas que adoecem de enfermidades que vinham sendo tratadas, como diabetes e pressão alta, e que deixam de ser tratadas porque toda a atenção está na Covid-19. Nesse caso, a pessoa fica com medo de ir ao médico, se consultar para continuar o seu tratamento, ou não tem uma UTI. A quarta onda é de doença mental, que deve acompanhar a gente por muitos anos, porque doença mental é crônica”.

Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva reitera o alerta e enfatiza a necessidade de ações imediatas. "A quarta onda, que é a onda das doenças mentais, já chegou e não temos mais tempo a perder. Temos que atuar firmemente para minimizar os prejuízos que todos terão deste momento, monitorando a saúde mental da população e o atendimento psiquiátrico”, defende Antônio.

Durante entrevista ao LeiaJá, a psiquiatra Fátima Vasconcelos – também vinculada à ABP – elencou uma série de atitudes que podem ajudar as pessoas, mesmo em casa, a tentar diminuir os impactos emocionais e o agravamento de casos da quarta onda. A médica alerta, porém, que não se trata de uma receita pronta, uma vez que nem todas as atividades são indicadas a todas as pessoas de maneira generalizada, já que cada indivíduo tem suas preferências cotidianas e particularidades. Acompanhe as dicas:

1 – Crie uma rotina: você irá sentir-se mais calmo e no controle de suas emoções; leia livros, veja televisão, filmes, series, documentários, mas evite ficar o tempo todo vendo notícias. É importante se informar, mas, o excesso de informação gera estresse. Ao invés disso, ligue para seus amigos e sua família. Uma rede de suporte social faz toda a diferença. A solidão pode levar a depressão.

No home office, crie uma rotina. Acorde, vista uma roupa confortável e comece seu o trabalho, mas, estabeleça horários. Para se distrair, jogue com crianças e idosos – desde que preservados os protocolos de saúde -, respeitando suas preferências. Um dos aspectos positivos do “fique em casa” foi a maior aproximação das famílias, que estão em home office e podem conviver mais com seus filhos e pais.

2 – Faça atividades físicas: caso não tenha a orientação de um profissional, a pessoa pode optar por realizar exercícios simples, como pular corda, realizar apoios, abdominais, agachamentos e polichinelos. É indicado variar o tipo de treino a cada dia, evitando a monotonia. Este tipo de atividade pode ser realizado tanto por adultos quanto por idosos que não possuam nenhuma doença cardiovascular, respiratória ou nas articulações.

3 – Mantenha uma boa alimentação: alimentar-se de forma saudável é fundamental para superar essa pandemia. Uma dieta equilibrada evita não apenas o ganho de quilos extras, garante também uma boa imunidade do corpo. Sendo assim, evite refrigerantes, doces e pratos gordurosos. Dê preferência aos alimentos naturais como frutas, verduras, vegetais e cereais e beba bastante água. O ideal mesmo é procurar um nutricionista para montar uma dieta adequada às necessidades do seu corpo. Evite bebidas alcoólicas. Definitivamente, neste momento não abuse de bebidas.

4 – Durma bem: é quase impossível dormir quando se está ansioso ou preocupado. Uma boa ideia para regular o sono é manter-se ativo durante o dia. Quanto mais atividades físicas fizer, mais cansado ficará e melhor será o seu sono e, por consequência, sua saúde.

5 - Tenha uma boa rotina de higiene: se for necessário quebrar o isolamento social, siga estes passos: use máscara quando sair; carregue álcool em gel a 70% para higienizar as mãos na rua; lave bem as mãos quando voltar; retire os sapatos na porta de casa; coloque as roupas usadas para lavar; tome um banho e lave os cabelos. Além disso, higienize tudo que veio do supermercado e mantenha a casa sempre limpa, inclusive maçanetas, puxadores e controles remotos. Lavar as mãos antes de preparar os alimentos sempre foi um hábito básico de higiene, mas é necessário reforçar essa dica em tempos de coronavírus.

Também em entrevista ao LeiaJá, o coordenador do Instituto de Psicologia da USP, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, destacou orientações para a população que corre risco de sofrimento mental. Entre elas está a busca de informações em fontes confiáveis, como as produzidas pelos cientistas das universidades. Para casos graves, o coordenador também exalta o trabalho do CVV - Centro de Valorização da Vida, por meio do telefone 188. Ouças as dicas no áudio a seguir:

O médico psiquiatra Walmor Piccinini compactua da ideia que é importante filtrar informações sobre o novo coronavírus. Receber um fluxo intenso de notícias negativas pode potencializar adoecimento psicológico, segundo o especialista. “As pessoas têm que evitar passar o dia inteiro presas no WhatsApp, na tevê, recebendo informações negativas. É preciso preservar a sanidade. Não se deixar bombardear por informações negativas. Também não adianta imaginar soluções mágicas: a pessoa tem que ter tranquilidade e saber o melhor a fazer no momento. Ficar mais em casa, se for possível, evitar o contato, diminuir essa ansiedade de ir à praia, de ir a um mercado, enfim, a pessoa deve se expor o menos possível tanto psicologicamente e quanto fisicamente. É indicado ouvir uma boa música, brincar com os filhos”, aconselha Piccinini.

A Associação Brasileira de Psiquiatria divulgou, em seu site oficial, uma série de orientações para a população e profissionais de saúde que devem ser compartilhadas durante a pandemia. "Com o intuito de orientar seus associados e a população em geral, a ABP tem publicado informações voltadas aos cuidados em saúde, tanto física quanto mental, direcionadas aos diversos públicos que a acompanham", destaca a ABP. Também no site da instituição, foi publicado um comunicado com o presidente da Associação; confira no vídeo produzido pela entidade:

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), umas das instituições mais atuantes no combate à pandemia de Covid-19, por meio do seu Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (CEPEDES), publicou o documento em que traz recomendações à população. Intitulada “Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19”, a publicação explica por que estamos sob o risco de uma carga grande de estresse.

“Durante uma pandemia é esperado que estejamos frequentemente em estado de alerta, preocupados, confusos, estressados e com sensação de falta de controle frente às incertezas do momento. Estima-se, que entre um terço e metade da população exposta a uma epidemia pode vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica, caso não seja feita nenhuma intervenção de cuidado específico para as reações e sintomas manifestados. Os fatores que influenciam o impacto psicossocial estão relacionados a magnitude da epidemia e o grau de vulnerabilidade em que a pessoa se encontra no momento”, diz um trecho do documento.

Segundo as orientações da Fiocruz, a sociedade deve seguir ações de cuidado psíquico. São elas:

“Retomar estratégias e ferramentas de cuidado que tenham usado em momentos de crise ou sofrimento e ações que trouxeram sensação de maior estabilidade emocional;

Investir em exercícios e ações que auxiliem na redução do nível de estresse agudo (meditação, leitura, exercícios de respiração, entre outros mecanismos que auxiliem a situar o pensamento no momento presente, bem como estimular a retomada de experiências e habilidades usadas em tempos difíceis do passado para gerenciar emoções durante a epidemia);

Se você estiver trabalhando durante a epidemia, fique atento a suas necessidades básicas, garanta pausas sistemáticas durante o trabalho (se possível em um local calmo e relaxante) e entre os turnos. Evite o isolamento junto a sua rede socioafetiva, mantendo contato, mesmo que virtual;

Caso seja estigmatizado por medo de contágio, compreenda que não é pessoal, mas fruto do medo e do estresse causado pela pandemia, busque colegas de trabalho e supervisores que possam compartilhar das mesmas dificuldades, buscando soluções compartilhadas; investir e estimular ações compartilhadas de cuidado, evocando a sensação de pertença social (como as ações solidárias e de cuidado familiar e comunitário);

Reenquadrar os planos e estratégias de vida, de forma a seguir produzindo planos de forma adaptada às condições associadas a pandemia;

Manter ativa a rede socioafetiva, estabelecendo contato, mesmo que virtual, com familiares, amigos e colegas; evitar o uso do tabaco, álcool ou outras drogas para lidar com as emoções;

Buscar um profissional de saúde quando as estratégias utilizadas não estiverem sendo suficientes para sua estabilização emocional;

Buscar fontes confiáveis de informação como o site da Organização Mundial da Saúde; reduzir o tempo que passa assistindo ou ouvindo coberturas midiáticas;

Compartilhar as ações e estratégias de cuidado e solidariedade, a fim de aumentar a sensação de pertença e conforto social; estimular o espírito solidário e incentivar a participação da comunidade”.

Ainda de acordo com a Fiocruz, “caso as estratégias recomendadas não sejam suficientes para o processo de estabilização emocional, busque auxílio de um profissional de Saúde Mental e Atenção Psicossocial (SMAPS) para receber orientações específicas”. Leia o documento na íntegra.

De acordo com a presidente do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco (CRP-02), Alda Roberta Campos, é preciso deixar claro que sofrimento psíquico é algo comum em meio ao cenário conturbado da pandemia. “Sofrimento psíquico todo ser humano tem, uns mais, outros menos. Em um momento de pandemia, todo mundo vai sofrer de algum jeito, pelo medo, dificuldade de sono, aumento de ansiedade, diminuição ou aumento de apetite. Vai ter interferência na vida, ninguém está imune ao sofrimento psíquico. Sofrimento não é doença”, comenta a presidente.

Alda Campos orienta que o autocuidado é um comportamento importante no processo de combate ao sofrimento psíquico, uma vez que caso esse sofrimento comece a impedir que o indivíduo realize suas atividades cotidianas, como trabalho, estudos, projetos, convivência social e higiene pessoal, começarão os indícios de que a pessoa pode, de fato, estar sendo acometida por um adoecimento mental.

“Olhar para si, se autoconhecer para entender qual é a sua demanda e quais são os seus limites. O que você consegue fazer? Qual o reconhecimento do seu sentimento? A partir disso, você faz o seu projeto. Não existe uma receita de autocuidado. Oriento que olhe para você, enxergue o seu contexto. Como você pode acolher e ser acolhido? Com quem você conta? Amigos, amigas, familiares são as pessoas que você pode contar. O que você tem feito em relação à construção da rotina, para ressignificar seu dia e seu tempo? O autocuidado é isso, é olhar para si mesmo, para tornar esse período menos difícil”, explica psicóloga.

Saiba mais - No site da Organização Pan-Americana de Saúde, órgão ligado à OMS, são publicadas informações sobre autocuidados durante da pandemia de Covid-19. Entre eles, está uma série de infográficos que destacam atividades importantes para o nosso dia a dia que nos ajudam a preservar o bem-estar e, por consequência, a nossa saúde mental. Confira, a seguir, um deles:

Folheto produzido pela OMS traz orientações sobre saúde mental em meio à pandemia do novo coronavírus. Imagem: Divulgação - Opas/OMS

Atuação do poder público é necessária. Saúde é um direito de todos os brasileiros

O LeiaJá ouviu especialistas em saúde mental e fontes de entidades que representam a atuação de profissionais da área, para refletirmos a respeito de ações e políticas, por parte do poder público, que possam ajudar a população brasileira a se proteger dos sofrimentos psicológicos e do adoecimento mental. Alda Campos, presidente do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco, compartilhou a sua análise, projetando iniciativas em prol da saúde – física e psíquica - da sociedade.

Para Alda, inicialmente é preciso compreender que o conceito de saúde envolve um bem-estar que possui várias esferas. Questões financeiras, de moradia, perspectivas de vida, acesso à transporte, alimentação saudável, lazer, educação, entre outras, são algumas dessas vertentes. Segundo a presidente do CRP-02, combater desigualdades é um dos primeiros passos para garantir o bem-estar dos cidadãos. “Quando a gente está falando de saúde mental, não estamos falando apenas de ter ou não um diagnóstico. Estamos falando de uma qualidade de vida que precisa ser cumprida diante da nossa Constituição. Na nossa Constituição Federal, saúde é um direito de todos e dever do Estado”, destaca. “A nossa orientação em relação ao poder público é que ele deve oferecer cuidado interdisciplinar e intersetorial para a população, isso quer dizer, condições de vida, acesso à educação e à água, por exemplo. Como vai lavar a mão quem não tem água? É dever do poder público promover condições melhores de moradia, de acesso à educação e à saúde”, complementa.

Na visão da presidente do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco, a pandemia denunciou uma falta de assistência à nossa população e potencializou as diferenças e desigualdades sociais que o povo enfrenta, tais como saúde e educação precárias. Segundo Alda Campos, o Governo Federal precisa pensar um cuidado de reestruturação e reorganização social para a redução dessas desigualdades. “Essas desigualdades têm um impacto imenso na saúde mental das pessoas”, comenta Alda.

De acordo com a gestora do CRP-02, é importante que o Governo Federal, por meio dos Estados e municípios, fortaleça a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), do Sistema Único de Saúde. “Precisamos de cuidados multidisciplinares. São zelos com vários profissionais que vão ofertar cuidados interdisciplinares. O governo precisa aumentar investimentos na saúde coletiva, com acompanhamento médico, psicológico, com terapia ocupacional, assistência social, enfermagem. Cuidado não só através do SUS, mas também com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Proponho ações do governo que vão ofertar, por exemplo, centros de convivência, locais de apoio onde as pessoas podem pernoitar, como as pessoas em situação de rua, acessando uma alimentação adequada. A gente precisa ter trabalhos que vão fazer a oferta de profissionalização. É um cuidado geral”, complementa.

Sobre o oferecimento de profissionalização, estratégia para o campo social e, inclusive, da saúde, Alda defende que o trabalho é um instrumento essencial na vida do brasileiro. “O trabalho garante a sobrevivência e traz a ideia de perspectiva de projetos. Precisamos resgatar na população o desejo de crescimento, de sonhos, projetos. Quando a gente pensa em um trabalho psicoterápico da psicologia, buscamos tratar o outro com igualdade para ele entenda que precisa cuidar dele próprio. A população precisa mais do que cesta básica, precisa voltar à possibilidade de a pessoa desejar e querer crescer, tendo projetos e geração de renda”, opina.

Outro ponto mencionado pela psicóloga diz respeito ao sofrimento psíquico enfrentado pelos profissionais de saúde que estão na linha de frente de combate à Covid-19. Segundo o Ministério da Saúde, 257 mil profissionais de saúde foram infectados pela doença até então; 226 morreram. Na análise da presidente do CRP-02, o autocuidado é peça fundamental para que esses trabalhadores sigam firmes no acolhimento da população. “Estamos trabalhando o autocuidado, os profissionais precisam se cuidar para puder ter uma oferta de cuidado maior para o outro. A ideia do autocuidado é você poder garantir o cuidado com a sua saúde para cuidar das outas pessoas. É necessário para todas as pessoas, mais ainda para quem está na linha de frente. Terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos em enfermagem, assistentes sociais, médicos, todos os profissionais que estão tendo cuidado direto com a população que está buscando saúde. Vigilantes, pessoal da cozinha, copa, pessoal da limpeza, nutricionistas, pessoas na reta guarda e na linha de frente dos hospitais também precisam desse cuidado, porque é um sistema de saúde composto por uma série de profissionais que estão envolvidos. Todo mundo precisa dessa atenção, acolhimento e escuta especializada”, alerta Alda Campos.

Por fim, a presidente do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco destaca a necessidade do zelo pelos psicólogos e psiquiatras. “As pessoas têm uma ideia de que os psicólogos não têm problema. Fazem uma associação do profissional de saúde, de uma forma geral, com heróis e heróis passam a ideia de que têm super poderes, que são imbatíveis. Mas nós temos um índice de mortalidade grande entre profissionais de saúde. Nós somos profissionais que precisamos de equipamento de proteção individual, de acolhimento, de salários dignos, respeito, descanso. São pessoas que estão com medo, preocupadas em contaminar a própria família, que adoecem. Não existem heróis no sentido mágico de super poderes. São pessoas que escolheram uma profissão, que se dedicam à ela e precisam de condições mínimas de trabalho”, reivindica.

A presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Ana Sandra Fernandes, reitera que políticas públicas de saúde mental são essenciais para a sociedade brasileira. No entanto, na visão da presidente, o Governo Federal não tem valorizado essas políticas nos últimos anos. “Se a gente não tiver um investimento efetivo nas políticas públicas de saúde e assistência social que garantem à população serviços de qualidade, teremos problemas, principalmente em um país com o nível de desigualdade como o nosso. O que a gente vê no Brasil, infelizmente, é o processo oposto. A Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos investimentos em políticas públicas, como saúde e educação, a curto, médio e longo prazo, tende a trazer uma desassistência de forma muito marcante para a população em geral”, critica.

Ana Sandra Fernandes, presidente do Conselho Federal de Psicologia. Foto: Comunição CFP

Para a presidente do CFP, o Estado precisa aplicar recursos financeiros em políticas públicas com financiamento adequado. “Deve investir nos sistemas que já existem e facilitar a criação e a promoção de políticas públicas que, efetivamente, garantam o acesso da população a serviços essenciais, garantindo desde as coisas mais simples, como a presença dos insumos necessários para o funcionamento de um serviço, até a presença de profissionais qualificados, enfim, tudo isso é necessário e tudo isso precisa ser garantido. A população tem direito constitucional a esses serviços”, comenta.

Ana Fernandes ainda tece uma crítica aos poderes públicos de uma forma geral. Segundo a presidente do CFP, o País não apresentou, até então, uma política pública de aporte à saúde mental da população durante a pandemia do novo coronavírus. “No Brasil, a gente não tem acesso à política pública, a um projeto explícito, de um programa de saúde mental, posto, principalmente, para o País nesse contexto de pandemia que a gente está vivendo. Nós desconhecemos qual é o projeto, qual é a proposta, qual é o plano dos órgãos governamentais para uma política efetiva de saúde mental. Até hoje, o Conselho Federal de Psicologia nunca foi chamado para a construção de um projeto. Sinto pessoalmente falta de uma política clara, definida, sobre como esse enfrentamento vai ser feito neste momento e no pós-pandemia”, diz a presidente.

Ainda de acordo com a gestora do Conselho Federal de Psicologia, cabe aos governos federal, estaduais e municipais promoverem o funcionamento de suas redes de atenção psicossocial e de todos os seus equipamentos, bem como os gestores públicos devem garantir o acesso da população – principalmente da parcela mais pobre - a elementos básicos, como alimentação, educação e até internet – ferramenta que propicia os atendimentos psicológicos remotos -. “Nós somos um ser integrado, não é possível falar de saúde fazendo recortes. Para que a gente possa ter saúde em uma visão muito mais ampla, que tem a ver com saúde mental, física, entre outras esferas, precisamos estar bem do ponto de vista físico, e precisamos ter as nossas necessidades garantidas socialmente. Acredito que a saúde mental entra em um conjunto de bem-estar, não só importante, mas também fundamental. O Governo Federal precisa trabalhar para que a gente viva de uma forma mais organizada, em uma sociedade mais justa e mais igual, porque isso também contribui de uma forma significativa para o nosso processo de saúde física e de saúde mental por consequência”, finaliza sua análise a presidente do Conselho Federal de Psicologia.

O professor de psiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bruno Monteiro, enxerga um cenário preocupante nos serviços públicos de saúde mental. De acordo com o docente, essa é uma das áreas mais carentes entre os segmentos de saúde direcionados à população. “A assistência em saúde mental já é um problema, uma área muito subvalorizada. Área muito pouca vista, é a última vista entre nas gestões públicas, em sua maioria. Você tem uma carência de serviço, pouco ambulatório, pouca psicoterapia, pouco médico psiquiatra. Os Caps não dão conta. Não estou vendo iniciativa no sentido de incremento do cuidado em saúde mental das populações”, avalia o professor, alertando que já havia, antes do cenário pandêmico, um contexto muito sério em relação à saúde mental da sociedade, potencializado após a Covid-19. “Já está tendo uma explosão de adoecimento mental, a pandemia potencializa e desencadeia um estado de mal-estar que já está presente nas pessoas. Sem pandemia, a situação da saúde mental já era um problema, as pessoas estavam muito ansiosas, deprimidas, tensas”, adverte o educador universitário.

Nascimento indica uma orientação que tem a ver com a forma que os governantes conduzem seus trabalhos sob os efeitos sociais do novo coronavírus. Segundo o professor da UFPE, os discursos dos gestores devem transmitir conforto. “Uma medida de saúde mental nessas horas é um grande sentimento de apaziguamento dado pelas autoridades. A medida terapêutica para aplacar o sofrimento dessas pessoas é tudo o que os políticos não estão fazendo agora. É o cara cuidar bem dessa população, dizer que está tomando as medidas: ‘vocês podem contar com a gente nisso, teremos assistência aqui, vai estar sendo resguardado financeiramente ali’. Claro que as pessoas vão precisar de um psicólogo e eventualmente de uma medicação. Mas, além disso, a forma como é conduzida a catástrofe, por parte do poder público e das autoridades sanitárias, também tem influência sobre a saúde mental das pessoas”, explana.

Ao sugerir possíveis estratégias de combate aos males mentais, o professor da UFPE destaca que são fundamentais o planejamento e a execução de ações emergenciais por parte dos governos. Entretanto, o docente de psiquiatria não acredita na celeridade dos poderes públicos nesse sentido. “O Ministério da Saúde, fundamentado nas instituições consultivas, como a Associação Brasileira de Psiquiatria, que é uma entidade de referência técnica, deveria criar políticas públicas cuja a tradução seja a implantação de algumas medidas específicas em curtíssimo prazo, começando com as medidas para dar uma acalmada na população, propiciando espaços de lazer, de convivência segura presencial ou on-line. No último estágio, deve haver o aumento da assistência à saúde, com maior disponibilidade de mais psicólogos e psiquiatras para a população. É fundamental um aumento da oferta e disponibilidade de profissionais de saúde mental, sobretudo psicólogos e psiquiatras na rede pública. A gente sabe que vai ser muito difícil de ser implementado”, diz o professor da UFPE.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, também reforçou seu alerta em orientação aos chefes de poder de todos os países que enfrentam a problemática pandemia do novo coronavírus. “Devemos aproveitar esta oportunidade para criar serviços de saúde mental adequados para o futuro: inclusivos, baseados em comunidades acessíveis. Porque, em última análise, não há saúde sem saúde mental”, frisa o gestor da OMS.

O que diz o Ministério da Saúde?

O LeiaJá também entrou em contato com o Ministério da Saúde em busca de um representante que pudesse nos responder questionamentos a respeito da postura do Governo Federal no âmbito da saúde mental em meio ao cenário pandêmico. Por meio da sua assessoria de imprensa, a pasta respondeu com informações oriundas de suas equipes técnicas. Confira:

LeiaJá - A partir dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, tais como crise econômica, luto, medo da doença, entre outros, profissionais e entidades ligadas à saúde mental alertam que o Brasil pode ter aumento de casos de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. O Ministério da Saúde concorda com esses alertas? De que maneira a pasta interpreta e explica o atual cenário de saúde mental da população? 

Ministério da Saúde - A literatura científica sugere que medidas restritivas como quarentena, isolamento e distanciamento social têm um impacto sobre o bem-estar psicológico das pessoas, bem como reações em decorrência do medo da contaminação e/ou do luto pelos óbitos de pessoas próximas. As reações psicológicas às pandemias incluem comportamentos desadaptativos, angústia emocional e respostas defensivas como: ansiedade, medo, frustração, solidão, raiva, tédio, depressão, estresse, comportamentos de esquiva, assim como diversas outras manifestações psíquicas e/ou físicas. Esse é o fenômeno que os especialistas estão chamando de “quarta onda da evolução da pandemia de Covid – 19”. 

LeiaJá - Quais são as ações promovidas pelo Ministério da Saúde, a nível federal, em prol da saúde mental da população? E durante a pandemia, quais ações foram criadas para atender os usuários do SUS? 

Ministério da Saúde - A Política Nacional de Saúde Mental compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo País com o objetivo de organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em Saúde Mental, visando fortalecer a autonomia, o protagonismo e promover uma maior integração e participação social destas pessoas. A atenção às pessoas com necessidades relacionadas aos transtornos mentais, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, são assistidas nos pontos de atenção à saúde da Rede de Atenção Psicossocial, no âmbito do Sistema Único de Saúde. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é composta atualmente pelos serviços Atenção Primária à Saúde, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)  em suas diversas modalidades, Serviços de Residência Terapêutica (SRT), Unidades de Acolhimento, Unidades de Referência em Saúde Mental em Hospitais Gerais, Leitos em Hospitais Psiquiátricos Especializados e Equipes Multiprofissionais em Saúde Mental. 

No âmbito Nacional, já foram realizadas diversas ações relativas à saúde mental no contexto da pandemia: 

Nota Técnica elaborada pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (CGMAD), com as recomendações à Rede de Atenção Psicossocial sobre as estratégias de organização no contexto da infecção de Covid – 19; 

Parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) com a oferta de uma campanha para promover a saúde mental no contexto de Covid-19, através de materiais voltados aos profissionais de saúde, familiares, idosos e cuidadores e população em geral, com o objetivo amenizar os efeitos negativos da pandemia da Covid-19 na saúde mental dos brasileiros. 

Projeto Telepsi, realizado em parceria com o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, que oferece teleconsulta psicológica e psiquiátrica para manejo de estresse, ansiedade, depressão e irritabilidade em profissionais do SUS que enfrentam a Covid-19 - e mais recentemente ampliada para os trabalhadores dos serviços essenciais. 

Desenvolvimento de um questionário on-line através do FormSUS, com o objetivo avaliar o impacto da pandemia de Covid-19 e do distanciamento social na saúde mental da população brasileira. 

Lançamento de uma série de ações com o objetivo de informar à população sobre questões envolvendo doenças mentais, na expectativa de promover saúde e bem-estar do brasileiro diante da pandemia da Covid-19. A primeira iniciativa consiste em três eventos virtuais do programa “Mentalize: sinal amarelo para atenção à saúde mental” que está marcado para os dias 25, 26 e 27 de agosto, sempre às 19h, no canal do Youtube do Ministério da Saúde. Serão encontros on-lines, abertos ao público em geral, que reunirão especialistas para falar sobre temas que envolvem saúde mental com o foco na saúde da criança e do adolescente, dos trabalhadores e dos idosos. O objetivo é desmistificar e reduzir estigmas sobre doenças mentais. Acompanhe: youtube.com/minsaudeBR.

LeiaJá - De que forma o Ministério da Saúde trabalha, em parceria com os estados e municípios, para oferecer serviços gratuitos de atendimentos psicológicos e psiquiátricos, além dos serviços de acolhimento psicossocial?  

Ministério da Saúde - A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite, ou seja, compete à União, aos estados e aos municípios a prestação de ações e serviços de saúde. O Ministério da Saúde atua por meio de repasse de recurso financeiro de incentivo e de custeio para habilitação dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). 

LeiaJá - Psiquiatras alertam que, no pós-pandemia, pode haver um aumento expressivo em casos de ansiedade e de pressão. Quais são os planos do Governo Federal para combater um possível surto de transtornos mentais no pós-pandemia?  

Ministério da Saúde - O Ministério da Saúde tem trabalhado para ampliação dos serviços de atendimento à saúde mental, em 2020 foram incentivadas as aberturas de 18 novos CAPS, 8 Serviços de Residência Terapêutica (SRT) e 29 novos leitos de saúde mental em hospital geral. Está prevista a habilitação de 77 novos CAPS, 100 SRT e 144 leitos em hospitais gerais. 

LeiaJá - Em 2019, quanto foi investido em serviços de saúde mental e quanto já foi investido em 2020? Já há uma projeção de recursos para 2021? 

Ministério da Saúde - Em 2019 foi incorporado no teto dos Fundos Municipais e Estaduais de Saúdeo valor de R$ 85,9 milhões. Foram ainda investidos R$ 12 milhões para estruturação e abertura de novos serviços. 

Em 2020, foi incorporado o valor de R$ 5,4 milhões no teto e pago R$ 814 milhões de incentivo para abertura de 18 CAPS, 8 SRT e 29 leitos em hospital geral. Está em tramitação a habilitação de novos serviços que alcançarão um total de R$ 66,6 milhões/ano. Para 2021, o planejamento orçamentário ainda está em elaboração. 

A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) mobilizou todas as suas Regionais, distribuídas pelos Estados brasileiros, bem como os 12 mil médicos associados, para a campanha da Semana Nacional de Trânsito, anunciada pelo Conselho Nacional de Trânsito – Contran. O tema "Minha escolha faz a diferença no trânsito" foi considerado oportuno pela diretoria da SBOT, já que “os acidentes e as fraturas causadas pelos acidentes de trânsito se tornaram verdadeira epidemia que lota os hospitais e serviços de atendimento de urgências do País inteiro”, segundo o presidente da instituição, João Maurício Barretto.

Os ortopedistas lembram que, embora a mídia se refira sempre ao número pontual de feridos nos acidentes de trânsito dos grandes feriados, Semana da Pátria, Natal e Carnaval, por exemplo, para o ortopedista cada acidente representa trabalho e dedicação durante meses inteiros, após a ocorrência dos acidentes. “É que uma fratura grave numa perna, por exemplo, exige não só o atendimento imediato, para minorar o sofrimento, como também uma cirurgia, às vezes a colocação de um implante e meses de acompanhamento para levar à recuperação”, pois o osso precisa ser consolidado e depois são necessárias sessões de fisioterapia para que os músculos, atrofiados durante o período de imobilização, voltem a se fortalecer.

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A SBOT, que já se envolveu em campanhas vitoriosas, como para a obrigatoriedade do uso do capacete pelos motociclistas e pela cadeirinha de segurança para o transporte de crianças em veículos, fez um fôlder com as recomendações pela maior segurança no trânsito (veja aqui). O problema, segundo Barretto, não afeta apenas o Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que o trânsito mata 1.260.000 pessoas por ano no planeta, o que significa que uma morte evitável ocorre a cada 30 segundos.

O custo dos acidentes de trânsito é incalculável, segundo os ortopedistas, pois o total de feridos chega perto de meio bilhão, já que, estatisticamente, para cada óbito 11 pessoas ficam com sequelas, 38 são internadas e 380 precisam de atendimento ambulatorial. A prova de que seria fácil reduzir drasticamente os acidentes também é dada pela estatística mundial, segundo a qual a velocidade não é a maior causa de acidentes, mas sim a conjugação de álcool ou drogas com direção.

Por Lissa de Alexandria, da assessoria da SBOT.

As pessoas que sobrevivem a lesões cerebrais traumáticas são três vezes mais propensas do que a população em geral a morrer prematuramente, com frequência devido a suicídio ou algum ferimento fatal, reportou um estudo internacional, chefiado por cientistas britânicos, publicado nesta quarta-feira (15). As descobertas, publicadas no 'JAMA Psychiatry', Jornal da Associação Médica Americana (JAMA), sugerem a necessidade de cuidados e acompanhamento mais longo de pessoas que sofrem a cada ano destas lesões. Segundo o informe, a lesão cerebral traumática (TBI, na sigla em inglês) pode ser provocada por um golpe na cabeça que resulta em fratura no crânio, hemorragia interna, perda de consciência por mais de uma hora ou uma combinação destes fatores.

O recente acidente de esqui que deixou o campeão alemão de Fórmula 1 Michael Schumacher em coma é um exemplo de TBI. Cientistas da Universidade de Oxford e do Instituto Karolinska, em Estocolmo, analisaram dados de lesões cerebrais traumáticas na Suécia entre pessoas nascidas a partir de 1954. Eles compararam registros médicos de mais de 218.000 sobreviventes de TBI com o de 150.000 irmãos destes, bem como dois milhões de indivíduos de um grupo de controle. "Nós descobrimos que as pessoas que sobrevivem seis meses depois do TBI continuam três vezes mais propensas a morrer prematuramente do que a população de controle e 2,6 mais propensas a morrer do que seus irmãos não afetados", explicou a líder do estudo, Seena Fazel, pesquisadora-sênior do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Oxford.

A morte prematura foi definida como a registrada antes dos 56 anos de idade. As principais causas de morte prematura em sobreviventes de TBI foram suicídio e ferimentos fatais sofridos em acidentes de carro e quedas. "Os sobreviventes de TBI são mais de duas vezes mais propensos a se matar do que seus irmãos não afetados, muito dos quais foram diagnosticados com distúrbios psiquiátricos após seu TBI", disse Fazel.

Uma vez que as diretrizes médicas atuais não recomendam aos médicos avaliar a saúde mental ou o risco de suicídio em pacientes sobreviventes de TBI, as descobertas sugerem uma abordagem de cuidados de mais longo prazo. "Os sobreviventes de TBI deveriam ser monitorados cuidadosamente, em busca de sinais de depressão, abuso de substâncias e outros distúrbios psiquiátricos, pois são todas condições tratáveis", afirmou Fazel. As razões para este risco aumentado de morte prematura não estão claras, mas Fazel afirmou que pode estar relacionado com julgamento comprometido.

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