"Glória ao pai, glória ao filho e ao espírito santo, assim como era no princípio, agora e sempre, por todos séculos dos séculos. Amém". Segurando um ramo de pinhão-roxo colhido no quintal de sua casa, a rezadeira Ciza Batista finaliza o ritual de sua bênção. Em suas mãos santas, ela mantém viva a tradição secular "capaz de curar males da mente e do corpo".
Na busca pelo alívio de desconfortos emocionais e espirituais, muitos recorrem ao apoio místico das rezadeiras. Na infância, familiares costumam levar os filhos com frequência para receber a bênção através da reza. Em Pernambuco, a tradição não desapareceu ao longo dos anos, mas tornou-se mais rara, principalmente nos centros urbanos. Apesar disso, as senhoras da oração poderosa ainda resistem e fazem de suas preces um alento em meio ao sofrimento de quem busca na fé uma esperança.
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No bairro de Paratibe, em Paulista, na Região Metropolitana do Recife, vive a rezadeira Ciza Batista, de 73 anos. A aposentada tem mais de seis décadas de experiência e diz que sua missão é rezar e ser uma porta-voz do conforto divino. Em seu quintal, ela colhe as plantas necessárias para realizar o ritual e diz que a procura das pessoas ainda é grande. “Já benzi gente de outros estados que vieram só para me encontrar”, conta.
A benzedeira Ciza explica que não “aprendeu” a rezar, mas ganhou esse dom das mulheres de sua família. A bisavó rezava os escravos e os donos engenho, ainda no século 19. A fé foi passada para a avó, que era escrava e também adquiriu o dom. Aos sete anos, Ciza observava a sua avó e começou a reproduzir a prática em seus irmãos, de quem cuidou desde muito nova. “Mas não é a reza que cura, nem eu. É a fé no divino”, esclarece.
Para receber a reza não precisa marcar um horário e nem pagar uma taxa. Longe disso. Ciza diz que benzer os necessitados é um ato de caridade e de elevação espiritual. “Quem chega na minha casa é sempre bem-vindo. O único pedido que faço é que ao procurar qualquer rezadeira, é preciso ter fé para que as palavras tenham força. Não adianta receber a bênção sem acreditar na força divina”, pontua.
Os motivos de quem procura as rezadeiras são muitos. Falta de atendimento médico ou desesperança no sistema de saúde, tradição familiar ou para cuidar de casos que, para a cultura popular, pode ser tratado por uma benzedeira. Espinhela caída, vento virado, mau-olhado, erisipela e cobreiro*, além de outros incômodos físicos e emocionais. Criança, adulto ou idoso, não há idade estabelecida e qualquer pessoa pode ser benzida.
Com um rosário ou um ramo na mão, a rezadeira recita uma oração em cima da pessoa por alguns minutos. A planta pode ser vassourinha, arruda, pinhão, aroeira e outras. Em alguns casos, o malefício só é curado após um banho com erva-doce para limpar o corpo e a alma.
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Detentora da sabedoria ancestral, a rezadeira Inácia do Nascimento, de 85 anos, nasceu no município de Limoeiro, no Agreste pernambucano, e ainda muito jovem veio morar no Recife. Ainda no interior, ela diz que começou a rezar porque ficou doente e nenhum remédio ou médico conseguia identificar qual era o problema dela. “Um dia foi a um profissional e ele disse que eu não tinha nada e poderia tentar me benzer”, relembra.
Na década de 1950, Inácia procurou um rezador e descobriu o que tinha. “Ele me disse que se eu não cuidasse da minha saúde mental, iria morrer de mau-olhado. O benzedor me rezou apenas uma vez e fiquei curada". Mais de mais sessenta anos depois daquele dia, a rezadeira ainda acredita na cura pela fé, mas diz que a prática é não para todo mundo. “A crença tem que ser inabalável das duas partes”, diz.
Atualmente, Inácia diz que só reza por necessidade das pessoas que a procuram, mas que já foi mais atuante. Ao longo dos anos, ela relembra que a prática nunca foi devidamente aceita pela Igreja Católica e é vista por muitos como ineficiente. A resistência das rezadeiras, no entanto, é forte e viva.
Em seu livro, “Médicos e curandeiros: conflito social e saúde”, Maria Loyola diz que os rezadores estão ligados ao catolicismo popular. "Eles organizavam preces coletivas nas capelas rurais e costumavam também dar bênçãos para curar doenças. Se definem como especialistas da cura e não como membros de alguma religião. O que prevalece é sua função terapêutica e não sua função religiosa”, explica.
Referências de conforto e alívio para uma parcela da população brasileira, principalmente nas periferias e nas zonas rurais, as benzedeiras passam confiança e sobrevivem repassando os seus dons de forma empírica, já que não há uma forma de ‘aprendizado’ da tradição.
*Alguns males que podem ser curados pela fé, segundo as benzedeiras:
Mau-olhado (ou quebranto) é a doença causada pela energia negativa do olhar de pessoas invejosas ou maldosas. Na tradição popular, às vezes a transmissão não é intencional, mas os sintomas são graves. Depressão, angústia sem fim e pessimismo. Sabe-se que foi atingido quando de repente começa a espirrar e bocejar sem parar.
Vento (ou Ventre) Virado acomete crianças quando se brinca de jogá-las para o alto. Causa mal estar, vômito e diarréia. Para curar, as benzedeiras viram a criança de cabeça para baixo e batem seus pés na folha de uma porta.
Espinhela caída é o nome popular de uma doença chamada Lumbago. Causa dor na boca do estômago, costas e pernas, além de um cansaço físico anormal. Espinhela é um osso pequeno que fica no meio do peito, entre o coração e o estômago que pode envergar para dentro. No ritual da bênção, a rezadeira tira a medida do dedo mínimo ao cotovelo e depois, de um ombro a outro, se as medidas não coincidirem, é detectada a doença. Segundo a crença, médicos não conseguem identificar.
Erisipela é uma infecção de pele causada por bactérias e pode ser acompanhada de febre. A enfermidade se espalha pelos vasos linfáticos e geralmente ataca as pernas, principalmente de mulheres. A princípio, aparecem manchas vermelhas, depois incham e surgem bolhas. Também é conhecida por “Vermelhão” e “Gota”. Para tratar a doença, a rezadeira utilizava um terço, uma faca e um ramo de figueira molhada em azeite e aplica na parte doente fazendo o formato da cruz e rezando.
O Cobreiro também uma doença de pele e traz borbulhas na pele e causa muitas dores. Pode se originar devido a alguns bichos rastejantes (cobras, lagartos ou lagartixas) entrarem em contato com sua roupa e deixarem seu veneno. Para o tratamento, as rezadeiras utilizam palhas de alho e cortam as feridas ao mesmo tempo que rezam.
*Fotografia: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens