Ao transitar pela popular Avenida Conde da Boa Vista, no centro da capital pernambucana, é possível ver, entre as dezenas de ambulantes, um guarda-sol armado na calçada onde se acumulam uma longa fila de mulheres. No local inesperado, a designer de sobrancelhas, Shirllene Dantas, de 33 anos, organizou uma estrutura muito simples, mas ainda assim, muito caprichosa, para atender às suas clientes.
Com uma ideia empreendedora na mente, Shirllene, que enfrentava o desemprego, não desanimou pela falta de oportunidades e deu um novo rumo à sua vida, ao organizar seu ponto de atendimento em plena calçada da Boa Vista. Com apenas um guarda-sol, uma cadeira para atender as clientes, um porta objetos, onde fica seu material de trabalho, e um banner de divulgação, a designer chama a atenção de quem passa.
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Ao LeiaJá, a profissional conta um pouco sobre sua história: “Antes eu trabalhava como auxiliar administrativo, então, eu fiquei desempregada há pouco mais de um ano e não tinha perspectiva, mesmo tendo alguns cursos, eu não conseguia encontrar emprego. Assim foi quando eu resolvi, então, começar a trabalhar na rua, na calçada, vendendo bijuteria. Só depois eu migrei para o design de sobrancelhas.”
Antes de se especializar em estética, Shirllene, com a preocupação em conseguir gerar alguma renda para casa, trabalhava com a venda de bijuterias na mesma avenida. Contudo, com a chegada de um novo estabelecimento local, ela precisou mudar de rota e encontrar uma nova área de trabalho.
“Eu procurei outro meio porque estava abrindo um negócio local aqui de jóias e eu vi que não seria bom para mim. Eu nunca pensei em trabalhar na rua e também nunca pensei em trabalhar com nada relacionado a beleza. Mas eu procurei algo que eu pudesse fazer na rua e que desse mais dinheiro do que a atividade que eu estava fazendo, que era vender bijuteria”, explica.
Em uma situação desfavorável em comparação a estúdios e salões de beleza que oferecem o serviço de designer de sobrancelha e contam com maiores recursos para atender as clientes, tanto em relação ao ambiente, como em relação aos materiais de trabalho e estrutura, a empreendedora confessa que seu início no ramo de estética não foi nada fácil.
“No começo, foi muito difícil porque as pessoas não acreditam no trabalho de rua, acham que vai errar, que é sujo porque é de rua, que não tem qualidade, então teve um rejeição. Acredito que por inspiração divina veio em mente a ideia de colocar o slogan 'Eu me garanto fazendo sua sobrancelha. Alguns vão achar que é pretensão, mas eu acredito que é uma forma de passar segurança para o cliente de que é um serviço que presta”, explica.
Clientes satisfeitas
Apesar da dificuldade inicial, a ideia parece ter dado certo. Em algumas cadeiras e na calçada ao redor da designer, acumulam-se algumas mulheres que aguardam pacientemente a profissional terminar o serviço em uma cliente para que chegue logo sua vez. No poste ao lado da "barraquinha" montada por ela, está uma lista pendura, na qual se encontram dezenas de nomes de clientes, alguns já riscados por que já foram atendidos e outros das que ainda aguardam.
Clientes saem satisfeitas, após o trabalho feito por Shirllene (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)
Rebeca Pinheiro, de 29 anos, que já é cliente de Shirllene há mais de um ano, conta como conheceu seu trabalho: “Antes eu trabalhava aqui na Boa Vista, então um dia eu estava passando aqui e vi que tinha muita gente, então eu me interessei. Eu realmente estava procurando alguém para fazer minha sobrancelha, aí parei para ver. Desde então sempre faço com ela, mesmo trabalhando em outro local.”
Outra cliente que já é da casa é Simone de Castro, de 54 anos, que faz questão de fazer um percurso intermunicipal até o local de trabalho de Shirllene, para ter as sobrancelhas feitas pela designer. “Eu não tinha alguém para fazer as minhas sobrancelhas, então encontrei ela e depois disso não procurei outra, ela é ótima, o trabalho dela é muito bom. Eu venho de São Lourenço para fazer a sobrancelha com ela.”
A designer conta que a relação com as clientes é uma das melhores partes do seu trabalho: “É muito legal, eu amo ser a psicologia das clientes, é um momento maravilhoso na vida. Após o atendimento, eu volto para casa feliz porque há esse relacionamento com as clientes, elas desabafam, eles pedem conselhos, é o meu momento psicóloga, então eu na minha profissão de fazer sobrancelhas, eu administro, eu sou psicóloga, eu faço um bom relacionamento com as clientes.”, relata.
Desafios de trabalhar nas ruas do Recife
Apesar da garra profissional, com uma ideia diferente de empreendimento e diversas clientes já conquistadas, Shirllene conta que o trabalho na rua está longe de ser fácil. A designer de sobrancelhas relata que sofre bastante preconceito por ter escolhido trabalhar dessa forma:
“Aqui, ainda tem muito preconceito, chegou uma pessoa e perguntou, 'quanto é para fazer essa porcaria aí?', ela tinha acabado de chegar, olhou e falou isso. Outra, desceu do carro, olhou um pouco distante e falou 'que merda' e foi embora. Então, há muito preconceito porque o meu trabalho é na rua. Eu gosto de vir caracterizada com uma farda, as pessoas também estranham e questionam porque eu trabalho na rua", desabafa.
Além de estranhos, a designer relata que no início não recebeu o apoio familiar: “Também houve resistência na família quando eu comecei a trabalhar na rua, porque todo pai sonha que você se forme, que você trabalhe naquela área. Então eles não aceitaram, perguntaram se eu não poderia arrumar um trabalho mais digno, mas eu considero meu trabalho super digno e hoje, graças a Deus, eles estão vendo que deu certo, não só pelo meu empenho em aprender a atividade, mas porque eu acredito que Deus está no meu negócio.”
Empreendedorismo por necessidade
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas (Sebrae), até 2021, 68% dos empreendedores brasileiros ainda não possuíam CNPJ, dado esse que revela um imenso número de pequenos negócios que contribuem para a economia do país, mas ainda não são registrados. Marco Aurélio Bedê, analista de gestão estratégica do Sebrae Nacional, falou um pouco sobre os empreendedores informais:
“O empreendedorismo informal é fortemente impulsionado por situações de necessidade (desemprego ou como forma de complementar a renda). Um estudo feito pelo Sebrae mostra que entre as variáveis mais associadas à informalidade figuram: níveis de renda mais baixos, menor carga de trabalho semanal no negócio e a presença de negócios sem lugar fixo, predominantemente nas ruas”, explica.
De acordo com Marco, 48,9% dos empreendedores iniciais abriram um negócio, no ano passado, em busca de uma fonte de renda. De acordo com ele, a presença feminina ainda é menor: “O número de mulheres à frente de um negócio no país fechou o quarto trimestre de 2021 em 10,1 milhões, apesar dessa evolução, a participação das mulheres empreendedoras no universo de donos de negócio no Brasil é apenas de 34%.”
Shirllene relata como a sua ideia de negócio transformou sua vida: “Na época, o salário era R$ 800, eu subi de cargo chegou a R$ 1.200, mas trabalhar com sobrancelha, depois que popularizou, mudou totalmente [a vida]. Se eu atendo x pessoas em um dia, eu tenho a metade do salário que eu ganhava em um mês. Graças a Deus, hoje eu consigo viver um pouco mais tranquila.”
Planos para o futuro
Apesar do sucesso na Avenida Conde da Boa Vista, a designer de sobrancelhas conta que não pretende seguir no local por muito tempo. “Os planos para o futuro são avançar na técnica, hoje eu só faço limpeza, o designer ou o designer com henna, as pessoas buscam um trabalho que durante mais, sabendo que pode durar um ano ou seis meses, mas elas precisam que dure mais. Eu não tenho objetivo de ficar na rua para sempre não, eu quero abrir um espaço e trabalhar com uma técnica mais natural”, finaliza. Os serviços de designer de sobrancelhas de Shirllene Dantas custam a partir de R$ 10.
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