O povo brasileiro não perde o bom humor nem nos momentos mais críticos. Foi seguindo essa maxima que o estudante Kaique Brito, 15 anos, decidiu mostrar seu talento baseado em polêmicas icônicas da internet. A partir da gravação de vídeos em que ironiza discursos de políticos e personagens que caem na rede, o soteropolitano ganhou visibilidade há cerca de um ano. Na dublagem, o jovem usou o sarcasmo para satirizar uma youtuber branca, que afirmou existir preconceito contra brancos que, hoje em dia, sofrem "racismo reverso".
Nascido e criado na periferia da capital baiana, a história de Brito com os vídeos não é de agora. De acordo com ele, o interesse pela produção audiovisual vem desde criança. "Lá por 2013, 2014 eu pegava o iPad da minha mãe [aliás, escondido] e ficava dublando músicas com o meu primo. A gente ficava colocando os efeitos, testando coisas", conta o estudante que usava o antigo Musical.ly, que foi fundido com a plataforma Tik-Tok. "Postava lá e tinha minha comunidade mais fechada, uns 25 mil seguidores. Era coisa de efeito especial, transição. Mas depois do primeiro com crítica social e ironia, vi que as pessoas gostavam desse tipo de vídeo e comecei a gravar mais", relata o adolescente que, só no Twitter, é seguido por mais de 193 mil perfis.
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Segundo Kaique, o bom humor pode ser um caminho para que as pessoas se interessem mais por temas essenciais para a vida em sociedade, como racismo e homofobia. Para ele, o fato de ser adolescente não altera a eficácia das produções. "Mesmo a minha audiência sendo maior entre adultos de 18 a 35 anos, a minha geração, os amigos e as pessoas que vejo nas redes sociais falam muito destes assuntos e têm a mesma idade que eu, então acho que a tendência é melhorar", crê.
As polêmicas dublagens do estudante transcenderam as expectativas a ponto do jovem ser bloqueado no Twitter pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Apesar de ter conquistado a admiração de quadros importantes da política nacional, como o ex-presidente Lula (PT), Manuela D'Ávila (PC do B) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), Brito não se deslumbra com o apreço e prefere falar apenas do que sabe. "Tenho que me inteirar mais sobre esse assunto. Sei do que eu não gosto, mas não sei qual é o melhor partido e, do que não entendo, prefiro não falar do que ficar palpitando", afirma.
A fama do menino entre as personalidades conhecidas nas redes sociais no entanto é menos influente entre a turma da escola, mas ele explica. "Tenho uma teoria que adolescente não gosta de ficar dando tanto palco assim para gente da mesma idade", brinca. "As pessoas sabem quem sou eu, mas não falam por vergonha ou não ligam muito. Às vezes vem pessoas que estudam em outro período para falar comigo, mas não é aquela abordagem de fã exagerado", aponta o jovem.
Ligado há tempos no trabalho de youtubers de sucesso, como Nilce Moretto e Leon Martins, do canal "Cadê a Chave?", e do "Coisa de Nerd", Brito passou a acompanhar novas fontes de inspiração em um passado recente. "Estou descobrindo pessoas que fazem vídeos bem parecidos com os meus, como o Yuri Marçal e a Vic Pannuzzio, então me inspiro neles para me inteirar sobre os assuntos e ver sobre o que as pessoas estão falando", atesta.
A experiência em acompanhar os canais do YouTube desde criança também fez o adolescente aprender a lidar com os comentários ofensivos dos chamados haters. "Já tinha essa noção, principalmente por ser um adolescente de 15 anos, negro, nordestino, sabia que isso ia rolar muito, principalmente comentários por ser baiano. Acabo não ligando, pois esses mesmos haters são os que acompanham quem eu sempre gostei, me apego aos amigos e resolvo tudo em cinco minutos", diz Brito.
Para o estudante, o sucesso também tem relação com a exigência dele na hora de escolher o que vai ou não para o ar. "Quando surge o vídeo de alguém falando besteira, as pessoas me marcam 'Kaique, esse é a sua hora', mas eu sou meio chatinho, porque eles querem que eu grave e às vezes o áudio está sem graça então não tem onde usar a criatividade", pondera. Com a veia artística aflorada, o estudante conta que começou a dar mais atenção para a carreira no mundo das artes. "Esse ano eu comecei a fazer um curso de teatro na escola, está sendo online por enquanto, tem sido meio diferente do que é normalmente mas estou gostando. Sempre pensei mais no vídeo mesmo, em talvez produzir filmes de outras pessoas. Gosto muito de editar, deste lado produtor e penso em fazer algo no audiovisual, propaganda, cinema", planeja.
Mesmo tendo deixado de viver na comunidade em que cresceu, o jovem não esquece o que aprendeu em sua raiz. Lisonjeado em pertencer a uma sala de aula repleta de bolsistas, Brito se diz privilegiado em muitos aspectos, mas não abre mão de se colocar no lugar do outro. "Vou muito pela empatia. Falo sobre o machismo, apoio o cancelamento do Enem, mesmo não sendo indicado para minha turma, pois tem gente que é terceiro ano, está sem internet e precisa da nota para a faculdade", finaliza.