O Brasil tem o desafio e a oportunidade de integrar, numa mesma equação, a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico, disse nesta quarta-feira (23) a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, em audiência pública. Durante quase quatro horas de debate na Comissão de Meio Ambiente (CMA), Marina Silva tratou, com a equipe de sua pasta, de temas locais e nacionais, como a questão fundiária, a exploração de petróleo, a Conferência do Clima em Belém e o apelo por "justiça climática" quando se trata das mudanças climáticas.
Requerida pela presidente da CMA, senadora Leila Barros (PDT-DF), e pelo senador Marcio Bittar (União-AC), a reunião serviu para a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, apresentar as políticas e prioridades da pasta.
##RECOMENDA##Marina Silva observou que, diante da realidade das mudanças climáticas, assumiu a pasta do Meio Ambiente em contexto mais complexo do que há 20 anos, quando tomou posse pela primeira vez como ministra, no primeiro governo Lula.
— Estamos novamente fazendo um esforço de olhar para a gestão pública, não com o olhar apenas de uma gestão, ou de um governo, ou de um partido. Mas com o olhar de quem pensa a governança ambiental brasileira. Temos trabalhado muito para que o Brasil faça jus às potências que ele é. Uma potência ambiental, uma potência agrícola e uma potência hídrica. E graças a essas qualidade temos imensas vantagens comparativas que devem ser transformadas em vantagens competitivas. Mas talvez agora tenhamos que pensar em vantagens comparativas e vantagens distributivas — disse Marina Silva, salientando que a política ambiental se dirige prioritariamente às populações vulnerabilizadas pela destruição do meio ambiente e pelas mudanças climáticas.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) observou que a pauta ecológica é um direito constitucional e ponderou ser possível a discussão ambiental "andar de mãos dadas com economia e tributação verdes". O parlamentar destacou que o racismo ambiental é uma realidade no Brasil e considerou medidas como o reforço da fiscalização e o investimento em educação fundamentais para aperfeiçoar o debate ambiental.
Marina declarou que, há 20 anos, quando assumiu o ministério pela primeira vez, não se tinha a clareza atual sobre questões como a gravidade da perda de biodiversidade, da mudança do clima, da importância das florestas para equilíbrio ambiental do planeta, bem como do papel dos povos originais. A ministra destacou também um "imperativo ético" de se acabar com a oposição entre economia e ecologia, transformando os dois temas numa mesma equação.
— Os efeitos indesejáveis da mudança do clima afetam, de forma muito mais perversa, as populações vulnerabilizadas. Mas a ciência ganhou o primeiro round. O Brasil inova no enfrentamento desses problemas. Conceitos novos, como o de justiça climática e o de racismo ambiental passaram a integrar o debate da opinião pública nacional e internacional, sendo uma base de realidade — disse Marina Silva.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE), que endereçou pergunta sobre as políticas em favor do bioma da Caatinga, elogiou a ministra pelo "conteúdo apresentado", a "profundidade" e a "riqueza da abordagem", sobretudo por relacionar preservação do meio ambiente com "justiça climática".
— Mudanças climáticas não podem mais ser vistas como 'naturais', mas estão relacionadas a justiça climática e racismo ambiental — disse a senadora, sublinhando a fala de Marina.
Leila Barros, presidente da CMA, por sua vez, destacou o clima sereno do debate, em que senadores questionaram a chefe da pasta sobre assuntos considerados polêmicos.
— Foi uma excelente audiência, com todos de coração aberto, tirando dúvidas. Que a ministra Marina, com sua competência, venha mais vezes a esta Casa, com um ambiente cada vez menos tenso e sem dicotomias, porque todos aqui estão muito interessados nisso — disse Leila Barros ao conduzir os trabalhos.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) defendeu o aumento do protagonismo social na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP-30), destacando que a 30ª edição do evento acontece em novembro de 2025, em Belém (PA). A parlamentar reconheceu os desafios da pauta ambiental e defendeu a união em favor das políticas dessa área que, na visão dela, devem acontecer de modo transversal.
O senador Beto Faro (PT-PA) considerou necessário reforçar a discussão de temas como desenvolvimento sustentável e aprofundar o entendimento sobre outros temas ainda tratados como tabus, a exemplo de regularização fundiária, "sem a qual não é possível responsabilizar eventuais criminosos". O parlamentar quis saber qual a capacidade efetiva da pasta para a manutenção de programas como o Bolsa Verde e pediu que o ministério contribua com o apontamento de medidas legislativas que podem ajudar a diminuir a pobreza na Amazônia.
Marina ressaltou que ações em favor da agricultura familiar e em defesa dos povos tradicionais têm sido desenvolvidos pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com outros ministérios, como o dos Povos Indígenas. Ela disse que o Bolsa Verde é um pagamento por serviço ambiental, no valor de R$ 600, concedido a cada três meses, e cujos processos de execução foram retomados pelo atual governo. Ela também mencionou recursos da ordem de R$ 92 milhões para Fomento Rural.
Quanto à regularização fundiária, a ministra observou que muitas vezes é possível "legalizar", mas o problema é que a natureza muitas vezes "não assimila" os danos que lhe foram causados.
Em resposta ao senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), Marina disse que a recente negativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a exploração de petróleo pela Petrobras na Foz do Amazonas, na costa do Amapá, teve caráter estritamente técnico. Segundo a ministra, a decisão teve base em um relatório que apontou como insuficientes as propostas de mitigação dos desgastes ambientais e as medidas que seriam tomadas para evitar desastres, em casos de perda de controle. Ela lembrou também
— O Ibama não dá licenças políticas, mas técnicas. Ele não facilita, nem dificulta. Ninguém discute com a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] sobre um remédio ser tóxico ou não. A gente olha para o que a ciência está dizendo — afirmou a ministra, lembrando que o órgão concedeu centenas de autorizações à Petrobras recentemente e que a exploração de petróleo na região ainda é objeto de estudos.
Ela sublinhou ainda que o governo Lula incluiu no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) projetos que são objetivos de estudos, como a própria a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, a construção da Ferrogrão, também mencionada por Zequinha Marinho, e as obras da rodovia 319, igualmente na Região Norte. Marina também respondeu a Zequinha que chamada bioeconomia não é criação recente, mas está presente desde sempre, tendo ela própria sobrevivido por meio do extrativismo, num seringal no Acre. O problema, disse, reside no fato de a bioeconomia ainda ser subfinanciada.
O senador Cleitinho (Republicanos-MG) mencionou os crimes ambientais que ocorrem com a poluição de rios e nascentes e apontou como injusta a cobrança da taxa de tratamento de esgoto em muitas cidades onde o serviço é praticamente inexistente. Ele pediu apoio do Ministério do Meio Ambiente para uma ação a ser apresentada pelo parlamentar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que a manutenção da taxa passe a ser considerada inconstitucional.
—Daí essas empresas [responsáveis pelo saneamento] vão tomar vergonha, e os brasileiros vão parar de pagar por um serviço que não existe — asseverou.
Em resposta, Marina Silva considerou necessário tratar de modo separado a coleta do lixo e a falta de tratamento do esgoto. Ela se disponibilizou a aprofundar esse debate junto aos parlamentares, afirmando que essa agenda é formada por um "tripé fundamental", que envolve proteger a saúde das pessoas e a educação, além da possibilidade de ser um vetor de emprego e renda para a população.
Em resposta à senadora Tereza Cristina (PP-MS), que quis saber se Marina Silva seria favorável a mudanças no Código Florestal, a ministra respondeu que "é hora de implementar a lei e não de se promover alterações no texto".
Marina fez distinção também entre o agronegócio e o "ogronegócio", que age de forma alheia à legislação, com desmatamento ilegal, e não representaria de fato o setor agrário. Tereza Cristina pediu que a ministra não volte a usar o termo, por considerar a metáfora ofensiva ao agronegócio que é, conforme disse, um setor que alimenta o Brasil.
A ministra disse que a metáfora é necessária para entender a diferença, explicando que a palavra "ogro" se referia a "negócio", opondo-se ao verdadeiro agronegócio. Ela disse ter se referido à parte do setor "que paga alto preço em relação aos contraventores".
— São 2% que prejudicam o conjunto da obra. Então, existem o agronegócio e o ogronegócio, ao qual me referi. Não vamos generalizar nem o bem, nem o mal. Não temos compromisso com o erro, e o que é certo vamos querer aprofundar cada vez mais — declarou.
O senador Giordano (MDB-SP) chamou atenção para o trabalho de coleta e reciclagem de lixo. Ele destacou que os aterros sanitários "lucram milhões e milhões" em São Paulo e que os catadores não participam dessa riqueza.
Giordano também pediu apoio da pasta do Meio Ambiente para lidar com um "navio-bomba", que representa risco para a população, pois em breve deve atracar junto ao litoral de Santos (SP). Em resposta, o secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco, explicou que a autorização para o navio de regazificação de gás natural liquefeito, é da empresa Comgás, e que, de acordo com lei aprovada recentemente pelo Congresso, esse licenciamento compete ao estado de São Paulo, especificamente à Cetesb, órgão ambiental local.
O senador Jorge Seif (PL-SC) criticou as ONGs ambientais e reclamou da limitação, pelo Ministério do Meio Ambiente, das cotas para a pesca da tainha — em especial a industrial — no litoral de Santa Catarina. Segundo ele, a restrição prejudica a economia do estado, no qual a pesca tem muito importante. Em resposta, Marina disse que nem sempre determinadas cotas garantem a sobrevivência das espécies, e que elas por isso podem ser reduzidas. Capobianco explicou que foram seguidas orientações técnicas sobre a pesca da tainha e que houve acerto, pois os pescadores artesanais catarinenses obtiveram ótimos resultados. Além disso, já há um grupo de trabalho com o Ministério da Pesca para se definir a pesca da tainha na próxima safra e as perspectivas seriam boas.
O senador também tratou da permissão da caça ao javali, espécie exótica que tem prejudicado plantações e florestas. Segundo Seif, o Ibama tem impedido a caça. Marina respondeu que a introdução de espécies exóticas de fato provocam graves danos ambientais, como é o caso do javali. E, juntamente com o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, explicou que a atribuição de autorizar a caça nesse caso já não pertence ao órgão ambiental, mas ao Exército Brasileiro.
— O javali é um problema, uma espécie híbrida, está espalhado por diversos estados brasileiros. As autorizações [de caça] vigentes continuam mantidas. Não cassamos as autorizações anteriores, mas [...] o Decreto 1.615, de 21 de julho 2023 passou as autorizações para o Exército Brasileiro. Estamos em tratativas para que a gente possa resolver essa questão — disse Rodrigo Agostinho.
Ao senador Chico Rodrigues (PSB-RR), que tratou das áreas disponíveis para a produção agrícola e das áreas de preservação permanente em Roraima, Marina Silva disse que trabalhará "até o último dia" para que a população de Roraima possa desfrutar do crescimento econômico proporcionado justamente pela bioeconomia, em razão da preservação de sua cobertura florestal. Marina defendeu compensação financeira e regularização do mercado de carbono, mencionando também as alternativas de manejo florestal e de aumento da produção, não pela expansão das áreas para produção agrícola, mas pela maior eficiência.
Leila Barros destacou a relevância das articulações para o sucesso das ações do ministério, em defesa dos biomas nacionais e contra atividades de grilagem em regiões como o Distrito Federal. A senadora considerou a área "a caixa d’água do país", que precisa ser preservada.
Marina reconheceu a necessidade de cuidar da região e disse que muitas ações de desmatamento são legalizadas. Ela afirmou, no entanto, que essas licenças ambientais devem ser revisitadas, principalmente para a implementação do Plano de Combate ao Desmatamento do Cerrado, por exemplo. Segundo a ministra, uma das diretrizes do ministério é o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente, em conjunto com os estados.
Participaram da audiência também o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, a secretária do Clima do ministério, Ana Toni, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.
Ao agradecer aos senadores pela reiteração do convite para a audiência pública da CMA, Marina Silva disse que adiou o comparecimento à comissão, nas três vezes antes agendadas, em virtude de reunião com o presidente da República, posteriormente, por problema de saúde e, em seguida, por atividade intensa em virtude da Semana de Meio Ambiente.
Fonte: Agência Senado