A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em parecer enviado ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (3) afirmou que os pagamentos feitos pela empreiteira Odebrecht ao presidente Michel Temer e aos ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, de Minas e Energia, configuram crime de corrupção passiva praticado em conluio, e não crime de caixa dois eleitoral. No documento enviado a Fachin, responsável pelos processos da Lava Jato no Supremo, Dodge pede que o ministro reveja sua decisão de enviar à Justiça Eleitoral as investigação contra Padilha e Moreira.
No relatório final do inquérito aberto para apurar propinas de R$ 14 milhões da Odebrecht para a cúpula do MDB, a Polícia Federal concluiu pela existência de indícios de que o presidente e os ministros cometeram os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
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O documento foi encaminhado ao Supremo no início de setembro. Em outubro, contudo, a procuradora-geral pediu a suspensão das investigações envolvendo o presidente Michel Temer. O principal argumento utilizado por Dodge para embasar o pedido a Fachin à época foi a imunidade constitucional temporária à persecução penal que o presidente possui. A procuradora-geral lembrou que a Constituição Federal proíbe que o presidente seja denunciado por atos anteriores ao mandato.
"A Constituição veda, portanto, a possibilidade de responsabilizar o Presidente da República e de promover ação penal por atos anteriores ao mandato e estranho ao exercício de suas funções, enquanto este durar", escreveu à época Dodge, escolhida para o cargo de procuradora-geral da República por Temer, em junho de 2017.
No parecer enviado ao Supremo nesta segunda, no entanto, Dodge afirma que o presidente Michel Temer recebeu, por meio do coronel João Baptista Lima Filho, seu amigo, vantagem indevida de R$ 1,43 milhão nos dias 19, 20 e 21 de março de 2014, em São Paulo. "A relação entre Michel Temer e João Baptista Lima Filho também mostra-se escusa e perniciosa, conforme Informação Policial", escreveu. Esta é a primeira vez que Raquel Dodge demonstra, de forma clara, que o presidente pode ser processado pelo crime de corrupção após deixar o cargo, em 31 de dezembro.
A procuradora-geral narra que, no início de 2014, em Brasília, Moreira Franco, que chefiava a Secretaria da Aviação Civil, solicitou vantagem indevida de R$ 4 milhões para beneficiar a empreiteira no contrato de concessão do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. De acordo com a procuradora-geral, Temer, Padilha e Moreira atuaram em conjunto e cientes da origem ilícita dos valores. "Os investigados tinham plena ciência do esquema criminoso e da origem das quantias ilícitas, tendo atuado concertadamente, em divisão de tarefas, de modo livre, consciente e voluntário."
Após detalhar o pagamento a Temer, Dodge mostra que Padilha cobrou a vantagem indevida e recebeu R$ 1 milhão. O recebimento do dinheiro ocorreu por meio de Luciano Celaro Begni, em 14 e 19 de março de 2014, em Porto Alegre. Moreira Franco solicitou, em Brasília, no primeiro quadrimestre de 2014, vantagem indevida a Paulo Cesena e Claudio Melo Filho em reunião na Secretaria de Aviação Civil.
"Não há nos autos qualquer elemento probatório que dê suporte à afirmação de que, além do crime de corrupção passiva praticado em conluio por Moreira Franco, Eliseu Padilha e Michel Temer, eles também praticaram o crime eleitoral previsto no art. 350 do Código eleitoral", escreveu Dodge no parecer.
Dodge ponderou que a investigação não apresenta indícios que esclareçam a destinação que de fato foi conferida pelos investigados aos R$ 2,5 milhões que, juntos, receberam da Odebrecht em março de 2014. "Não se sabe a destinação dada aos pagamentos de vantagem indevida efetuados pela Odebrecht a Eliseu Padilha e a Michel Temer, não sendo possível se afirmar que os valores recebidos foram destinados a custear despesas de campanha não declaradas à Justiça Eleitoral. Não há qualquer elemento nos autos que aponte nesse sentido. Por isso mesmo, não há como afirmar que esses dois pagamentos também configuram crime eleitoral, além de corrupção passiva, consumado com a solicitação da vantagem indevida feita por Michel Temer e Eliseu Padilha no Palácio do Jaburu e posterior recebimento."
A chefe do Ministério Público Federal diz ainda que, em jantar no Palácio do Jaburu, em 2014, e que foi detalhado nos acordos de delação de executivos da Odebrecht, uma nova solicitação de valores indevidos foi feita com a presença de Claudio Melo Filho e Marcelo Odebrecht. "Eliseu Padilha efetivamente recebeu, via Ibanez Filter, a quantia de R$ 1.000.000,00, nos dias 15/08/2014 e 18/08/2014, em Porto Alegre. Por sua vez, Michel Temer recebeu, por meio de José Yunes, o valor de R$ 1 milhão em 04/09/2014. Para completar o pagamento da vantagem indevida, Paulo Skaf recebeu, via Duda Mendonça, o montante de R$ 5.169.160,00", descreve Dodge. Em seguida, a procuradora-geral salienta que Temer, enquanto vice-presidente e articulador político do MDB, "foi o responsável pela indicação de Moreira Franco e Eliseu Padilha para a Secretaria de Aviação Civil".
A procuradora-geral destaca depoimento de Marcelo Odebrecht, a respeito do "pedido" que teria sido feito por Padilha e Temer. "Que, na impressão do declarante, o apoio prestado pela área de infraestrutura ao grupo de Michel Temer era consequência das interações que a Odebrecht vinha tendo com a Secretaria da Aviação Civil, desde as primeiras licitações de aeroportos, com a apresentação de diversas demandas à correspondente área", mostra o trecho.
"O significado que o 'pedido' de Eliseu Padilha e Michel Temer teve para Marcelo Odebrecht revela que o propósito dos executivos da Odebrecht, ao se reunirem com os denunciados, era de mercancia da função pública, uma clara manutenção de um esquema de corrupção que se prolongava no tempo e funcionava como modo de perpetuação do poder, econômico para a Odebrecht e político para Eliseu Padilha e Michel Temer", diz a chefe da PGR.
Os investigados têm negado qualquer prática de irregularidade. O advogado de Padilha, Daniel Gerber, afirmou em nota que "não existe sequer hipótese de corrupção nos autos, e todos os delatores são claros em afirmar que jamais receberam solicitações em tal sentido". "Espera-se, portanto, que tal ponto, de caráter exclusivamente especulativo, não seja aceito pela Suprema Corte como causa de decidir", disse.
"O recurso da PGR contraria a jurisprudência firmada do Supremo. É mais uma prova do uso político da persecução penal em face do Ministro Moreira Franco", disse Antônio Sérgio Pitombo, que faz a defesa de Moreira Franco.
A reportagem buscou contato com a defesa de Temer e com a Secretária de Comunicação da Presidência da República, mas não obteve retorno.