Era março de 1896, quando o estivador Antônio da Costa recebeu uma missão: ele deveria organizar um grupo fantasiado de índio, para ganhar as ruas do Recife no Carnaval e, assim, preservar a cultura regional. O recado foi passado em uma reunião de Jurema Sagrada - religião de matriz indígena -, através do caboclo Carijós. Antônio, que tinha por guia este caboclo, acatou a ordem e montou o Caboclinho Carijós do Recife, que passou a brincar os dias carnavalescos sem descuidar dos preceitos e fundamentos da espiritualidade. Hoje, 122 anos depois, a agremiação tornou-se uma das mais importantes de Pernambuco, além de ser a mais antiga em atividade, e continua preservando o seu legado ancorada na fé e na ancestralidade.
Em 2017, o Caboclinho Carijós foi o homenageado do Carnaval do Recife, levou o título de campeão e, em 2018, conquistou o bicampeonato pelo grupo especial, no concurso carnavalesco da cidade, levando 180 integrantes à passarela no dia de seu desfile oficial. Todos desfilaram sob a proteção do patrono da agremiação, o Caboclo Carijós, pois, segundo Jefferson Nagô, presidente da agremiação, se diferente fosse, "nada daria certo": "Carijós vem de um povo antigo que cultuava aquela Jurema raiz. A tribo foi fundada, praticamente, numa mesa de reunião de Jurema, então a ligação é muito forte.", explica. Ele conta que 15 dias antes do Carnaval são feitas obrigações e rituais para pedir a permissão para participar da festa e proteção durante ela: "Não se pode ir para a rua sem fazer as oferendas. Carijós é movido a fé", completa.
##RECOMENDA##
Não são todos os integrantes que participam dos rituais, embora todos sejam atingidos por eles: "Quando a gente faz o trabalho espiritual é para segurar a tribo toda. A gente dá e pede por todo mundo, todo o povo que sai na tribo Carijós", diz Jefferson. É dele, também, a responsabilidade de cuidar da espiritualidade da agremiação através das obrigações feitas em matas ou na própria sede do caboclinho, que também é um terreiro. Antes de "ir para a rua", os integrantes mais fundamentais do brinquedo, como caboclos, os músicos do terno, rei e rainha, tomam banhos preparados com ervas e passam por defumadores. "Não é chegar, botar uma roupa e desfilar, isso não é correto. É um diferencial de Carijós, a espiritualidade na nossa agremiação é muito forte. Os antepassados deixaram esse legado, de sempre preservar a religiosidade dentro do caboclinho", diz Jefferson.
Ele próprio foi levado à agremiação por um chamado espiritual. Após um sonho com o Caboclo Carijós, em 2011, o jovem assumiu a presidência do caboclinho que estava, então, desativado: "Ele me mostrou em sonhos e recados transportados por outros guias espirituais que queria que os momentos em que ele brilhou na avenida se repetissem no Carnaval", relembra. A missão, porém, não é fácil: "Muita gente desacreditou de mim, achou que eu não teria força para manter esse legado. Eu, um jovem de 27 anos à frente de uma agremiação de 122. Mas eu pedi à espiritualidade e Carijós me mostrou todo o caminho".
Jefferson fala sobre o patrono da tribo com muita reverência. De acordo com os preceitos da Jurema Sagrada, Carijós é um caboclo "muito antigo, um caboclo de ciência, de luz, muito elevado e que já não incorpora mais". Segundo o presidente, toda a comunicação com o caboclo é feita através de sonhos e recados, pelos quais ele indica como deseja ver a agremiação no Carnaval: "É uma ligação muito forte, se não fosse nada daria certo. É toda uma ciência que o caboclo mostra pra gente. Por terem sido os primeiros habitantes da Terra, eles são de uma espiritualidade muito forte e muito presente em nossas vidas". Além de Carijós, a tribo possui outra guia espiritual, a cabocla Nanci. A questão religiosa se mantém inabalável no cotidiano da agremiação e dela depende todo o seu funcionamento: "A agremiação pode um dia parar, mas a espiritualidade é sempre viva dentro dos nossos corações", afirma o presidente.
Ciência
Passado o Carnaval é hora de agradecer pela proteção e cuidado dos seres superiores. Em abril, é realizada uma grande festa, na sede do caboclinho, em louvor ao patrono da agremiação: "Depois do Carnaval, a primeira festa é o Toré de Caboclo, que a gente dedica a Carijós em agradecimento por toda a trajetória do ano que passou, independente de resultado. A gente agradece com cânticos, com rezas e oferendas. A gente louva à Jurema e aos caboclos", conta Jefferson Nagô. No resto do ano, são feitas, ainda, de duas a três obrigações para Carijós, até que chega o período de preparação para a festa carnavalesca do ano seguinte. "Muito caboclinho esquece a parte principal, que é a religiosa. É uma agremiação que requer todos os preceitos dentro da religião. Se não existir Jurema, não existe caboclinho".
[@#video#@]
Aniversário
Na próxima segunda (5), o Caboclinho Carijós do Recife promove uma grande festa, em sua comunidade, na Mangabeira, para celebrar o aniversário de 122 anos. A festa, aberta ao público e com direito a cortejo, também vai comemorar o título de bicampeão do Carnaval recifense, conquistado um ano depois da agremiação ter sido uma das grandes homenageadas nesta que é, talvez, a maior festa do Estado: “O coração fica a mil! Ano passado fomos homenageados do Carnaval e campeões. A gente foi trabalhando, se apertando de um lado e de outro, para que as coisas pudessem fluir e alcançar o bicampeonato. Foi muita luta e pra gente é um orgulho muito grande hoje ser uma das agremiações mais antigas dentro do Carnaval, dando continuidade a essa história. É muito importante”. diz Jefferson.
Serviço
Aniversário do Caboclinho Carijós do Recife - 122 anos
Segunda (5) | 18h30
Rua Coremas, 40 – Mangabeira (Perto do Mangabeira Clube)
Gratuito
[@#relacionadas#@]