Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir nasceu na França em janeiro de 1908, foi escritora, filósofa, professora e precursora da lutas das mulheres por direitos iguais. "Não se nasce mulher, torna-se mulher", uma das suas frases mais famosas, retirada do livro ‘O Segundo Sexo’, de 1949, foi trazida em uma questão do Enem de 2015, fazendo surgir uma discussão nas redes sociais sobre a importância do feminismo e de se entender as lutas femininas desde o século XX.
Muitos concordaram com a abordagem na prova, outros nem tanto. Na internet era possível ver opiniões de todos os tipos, sobretudo de mulheres, com demonstração de contentamento e alegria pelo contexto cobrado. Inclusive, após a questão do Enem, a página do Wikipedia que traz a biografia da filósofa sofreu uma série de ataques, passando de 250 acessos diários para 35 mil e 46 edições em quatro dias.
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A professora de filosofia Cristiane Pantoja faz uma reflexão sobre o motivo de algumas pessoas se incomodarem tanto com as obras de Beauvoir: “São homens que temem perder seu lugar, são mulheres que nem se percebem machistas. Simone se coloca em lugar de fala e vai de encontro ao machismo e conservadorismo estrutural, logo, afronta toda hierarquia e se afirma feminista e assim também é reconhecida”, diz.
Já o professor de Filosofia e Sociologia, Salviano Feitoza, completa que a discussão surge porque a escritora coloca em jogo as desigualdades como sendo algo de responsabilidade das pessoas. “Questiona-se as obras de Simone de Beauvoir porque elas vão de encontro a uma estrutura de pensamento que foi construído historicamente. Quando há uma problematização de que ser mulher não é algo que se nasce sabendo ser, isso vai de encontro a uma estrutura de pensamento que atribui às mulheres uma situação de inferioridade”, explica.
Simone de Beauvoir bebeu da água do existencialismo. Inclusive, o grande nome do existencialismo, Jean Paul Sartre, foi companheiro dela por muitos anos. Esta corrente filosófica diz que os Homens, ao decidirem sobre sua própria existência, criam a própria existência, sem influências externas, determinando por si só os rumos de sua vida, de suas escolhas e decisões. Isso ajuda a entender as lutas dela para que a sociedade se desse conta de que manter relações de desigualdades pela lógica da biologia não era honesto.
“Beauvoir começa a pensar de onde é que vem e quais estruturas que fazem com que permaneça essa diferença social entre homens e mulheres. Ela chega à conclusão, portanto, que não é nenhum fator biológico, psíquico, que determina a inferioridade da mulher em relação ao homem. Essa inferioridade existe. Ela é algo socialmente e culturalmente construído a partir de decisões e escolhas do ser humano. Não há nada genético. É completamente cultural”, comenta o professor João Pedro Holanda.
A autora é um dos grandes nomes do movimento que ficou conhecido como segunda onda feminista, que compreende os anos de 1960 até 1980. A diferença principal entre a primeira parte do movimento e esta, é que na fase anterior havia uma luta voltada para o reconhecimentos dos direitos políticos das mulheres.
Seu livro “O Segundo Sexo” aparece aqui como um marco do momento que traz além dos questionamentos da natureza biológica feminina, as obrigações atribuídas às mulheres, como o casamento, a maternidade, a submissão. “A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo”, diz trecho de 1949.
O professor Salviano Feitoza aconselha que os estudantes que querem entender e estudar a obra da feminista procurem ler as obras dela, iniciando justamente pelo “Segundo Sexo”. “Não é um livro de leitura difícil. Algumas passagens do livro podem requerer algum conhecimento de filosofia, mas é algo que o professor pode auxiliar. Para o contato com a obra de qualquer outro pensador da filosofia, ideal é ler o que o próprio pensador escreveu, a partir da dificuldade que se apresente, aí deve-se procurar quem escreveu sobre, quem traz uma observação sobre as ideias deles”, aconselha Feitoza.
Sobre a obra de Simone ser cobrada em outras edições do Exame Nacional do Ensino Médio, Cristiane Pantoja mostra-se desconfiante, principalmente pelos posicionamentos do novo governo, que associa temas como feminismo e lutas sociais a ideologias corruptoras. “É aguardar as diretrizes e continuar a análise das políticas públicas. Sabemos que quem entende de política, entende de Enem, logo acredito que vários educadores não esperam temas revolucionários ou de empoderamento das minorias ou da mulher”, pondera.
Mesmo que ela fique de fora do Enem, a obra de Simone se mostra importante nos dias atuais. “Ela é uma filósofa que transcende os muros da vida acadêmica e se coloca a disposição das lutas sociais. E ela faz um alerta, que é possível mudar”, conclui o professor João Pedro.
Já Salviano Feitoza ressalta que a francesa para ele é um exemplo a ser seguido por todos que buscam coerência entre o que pensam e fazem. “Uma pensadora traz a partir do exemplo de vida dela, essa militância constante. Ela é uma pensadora fundamental para gente repensar a nossa própria posição no mundo em questões existenciais, como também os papéis sociais que a gente pode desempenhar para além do que a sociedade espera de nós”, finaliza o professor.
Simone de Beauvoir faleceu em decorrência de uma pneumonia, aos 78 anos, em 14 de abril de 1986. Seu corpo está enterrado em um cemitério na cidade de Paris, (cidade onde nasceu) justamente ao lado de seu amado Jean Paul Sartre. Sua luta se faz presente até os dias de hoje, sobretudo em um país no qual a taxa de feminicídio cresce a cada.
Sobre isso a professora Pantoja conclui que “quando se tem uma fêmea-feminista que se define e redefine como quiser, abraçando a autonomia de si, entendendo o machismo estruturado e despontando sobre ele, para luta no XXI, mais que Beauvoir, Simones, Marias, Cristianes, Marielles e Josicleides são mais que necessárias. Umas produzindo livros, outras lutando por uma legislação real, outras como propositoras de discussões e aprendizados e lutas”.