Assolado pela epidemia dos vírus da dengue, zika e chikungunya, o atual cenário de saúde do brasileiro não é bom. Diariamente, muitos debates são levantados sobre as diferentes formas de controlar e possivelmente eliminar as larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor das enfermidades. O que aconteceria se todos os mosquitos fossem exterminados do planeta? Esse é um dos questionamentos que incomoda a comunidade científca. No entanto, eliminar do ecossistema as mais de 3,500 mil espécies de mosquitos nomeadas ao redor do mundo trariam consequências muito negativas para a humanidade.
Presentes no mundo há cerca de 100 milhões de anos, os mosquitos são responsáveis por perpetuar doenças consideradas graves, como a malária, transmitida pelo vetor anopheles, que já infectou mais de 200 milhões de pessoas no ano de 2015, matando 438 mil. O que poucos sabem é que das milhares de espécies, apenas cerca de 6% dos pequenos e quase imperceptíveis causam malefícios ao homem. Exterminar o vetor causador da zika ainda causa controvérsias e divide a opinião de especialistas da biologia.
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Na cadeia alimentar, o equilíbrio ecológico de seres vivos e não vivos depende diretamente da interação, das trocas e das relações que esses seres estabelecem entre si. Por serem alvos mais fáceis, os mosquitos são tidos como alimentos de muitos animais na natureza, como diversos peixes, que escolhem a espécie como presa. Caso fosse possível, pesquisadores estimam que a com eliminação de todos os mosquitos, o desequilíbrio seria muito grande. O número de aves migratórias que formam ninhos em tundras cairia em 50%, por exemplo. Outros animais que se alimentam de insetos, como aranhas, lagartos e sapos, também seriam impactados com a perda de sua fonte primária de alimento.
De acordo com a Ecóloga Soraya El-deir, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) com ênfase em Gestão Ambiental, acabar com os mosquitos do mundo é uma tarefa impossível para o homem. "Os insetos no geral têm uma função ecológica extremamente importante na cadeia alimentar. Falando dos mosquitos, muitos deles são responsáveis pela polinização, que significa fecundar as flores para que deem frutos e sementes. Esse processo é conhecido como a interação animal/planta, em que ambos precisam um do outro". Ela ainda argumenta sobre importante função de decompositores de matéria orgânica morta. "Os mosquitos se alimentam de folhas, detritos e microrganismos mortos, sem eles, seria muito mais complicada a reciclagem no ambiente", pontua.
Saúde Pública
Em todo o mundo, milhares de pessoas estão sendo comprometidas com o vírus da zika, que em algumas pesquisas já é indicado como uma possível causa da microcefalia, doença que causa malformação e diminuição do crânio da criança. No fim do ano de 2015, o governo de Pernambuco decretou estado de emergência considerando uma quantidade alarmante de casos da doença, em comparação com o restante do país. Até o último dia 13 de feveiro, o Estado notificou 1.546 casos de bebês com microcefalia, de acordo com boletim divulgado na última terça-feira (16) pela Secretaria de Saúde do estado. Destes notificados, já foram confirmados 184 casos da doença.
Com o surto da doença, a Organização Mundial de Saúde chegou a informar que a epidemia podia ser mais ameaçadora para a saúde pública do que o ébola. O chefe do departamento de Imunobiologia e Infecção da Wellcome Trus, entidade dedicada à pesquisa na área biomédica, chegou a defender para eliminar o vetor o uso do pesticida DDT, proibido no Brasil desde 2009, quando comprovado que é totalmente nocivo à natureza.
Para Soraya El-deir, o uso de larvicídas, pesticídas e outros químicos utilizados para controlar Aedes aegypti pode afetar todo o ecossistema mundial, de forma que os produtos não só afetam as pragas, mas também outros predadores naturais delas."O homem utiliza produtos químicos genéricos e não específicos, que não só atingem as larvas do mosquito, mas também atingem as águas e outros espécies de insetos e essa constante intervenção desenfreada na natureza causará um grande problema no nosso ecossistema", explica.
Já a especialista em Ecologia Química com ênfase no Aedes aegypti, Daniela Navarro, acredita que o uso de químicos é fundamental no controle do vetor e afirma que o Aedes pode ser erradicado, assim como em 1957 quando Oswaldo Cruz, então Diretor Geral da Saúde Pública, afirmou ter zerado os casos de dengue. "O desequelíbrio já está estabelecido no nosso cenário, a partir do momento que temos uma alta população de mosquito no meio urbano. O larvicida vem tentar controlar essa disseminiação", conta. A professora explica que químico o BPI (bacilo purigenes israelenses), amplamente utilizado no combate às larvas do mosquito não afetará a natureza. "É um larvicída biológico, ele só atinge a larva do vetor específico".
Cenários
A pesquisadora de Gestão Ambiental, Soraya El-deir, argumenta que existem três possíveis cenários atuais. Em um primeiro, o homem pode não fazer nada com a epidemia do vetor, ocasionando mais doenças e o surgimento de novos vírus pela capacidade de mutação alta da espécie. Em um segundo cenário, o homem poderia continuar utilizando abusivamente larvicídas de forma não seletiva, atacando o efeito e não a causa do problema da explosão dos mosquitos no meio urbano. "Essas medidas de emergência só são temporárias, vamos continuar a ter novas doenças porque podem surgir novas derivações desses vírus", explica.
O terceiro cenário seria que o governo investisse mais em educação ambiental e em projetos a longo prazo de saneamente básico. "Não é explicar que o lixo tem que ser jogado devidamente no seu local, mas falar o porquê disso". Ela ainda explica que a importância do aumento do sanemaneto básico na cidade do Recife, que essa falha de gestão facilita a reprodução dos mosquitos no meio urbano. "Lixões a céu aberto e esgotos não tratados, além da não reciclagem correta dos lixos, tudo isso ajuda nos fatores cruciais e não limitantes para a reprodução dos mosquitos no meio urbano, trazendo uma explosão da espécie", fala.
A estudiosa diz que o homem tem que aprender a conviver com os mosquitos, achando maneiras viáveis de impedir a proliferação exacerbada nos grandes centros, como o mosquito transgênico, quando cientistas introduzem um gene nos mosquitos macho que impede os seus descendentes de se desenvolverem corretamente."As pessoas têm que entender que em um mundo sem insetos o homem morre, nós não somos um ser que produzimos nosso próprio alimento. Somos dependentes da cadeia alimentar, que significa que não produzimos nossso alimento", conclui.