Visto muitas vezes como indesejável e sujo, o período menstrual sempre foi considerado um tabu entre as mulheres. Apesar disso, nos últimos anos, um "copinho" feito com silicone medicinal, produzido para coletar o sangue da menstruação, tem ganhado cada vez mais espaço entre as brasileiras.
Embora tenha sido criado na década de 1930, o coletor menstrual só ganhou popularidade no Brasil a partir de 2010. O produto é uma alternativa diferente dos absorventes e armazena o sangue menstrual por um período de até 12 horas e tem duração de até dez anos. A recomendação é de retirá-lo, esvaziá-lo e lavá-lo com algum produto de limpeza antes de reinserir. Durante a menstruação, entre um ciclo e outro, a mulher deve fervê-lo em uma panela.
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Apesar de ainda pouco conhecido, só no ano de 2015, uma das fabricantes do produto no Brasil, a Inciclo, por exemplo, afirmou que o coletor registrou um crescimento de 938% nas vendas nacionais. De acordo com os fabricantes, "os copinhos" são hipoalergênicos e com isso apresentam baixa possibilidade de acometer reações alérgicas às mulheres. Cada coletor custa em torno de R$ 79 e como tem duração longa, é considerado mais sustentável por diminuir a produção de lixo contínuo no meio ambiente.
Ao contrário do absorvente interno, que é inserido ao fundo da vagina, o coletor fica na entrada e é vendido em vários formatos e tamanhos. O custo-benefício também é um fator que atrai muitas mulheres.
Dados da empresa Fleurity, marca que revende o produto, registram um faturamento mensal de até R$ 700 mil. Apenas em 2016, a estimativa da empresa é faturar R$ 2 milhões mensais. De acordo com a Fleurity, o coletor é uma alternativa mais econômica, ecológica, confortável e com baixo risco de vazamento. Para a paulista Juliana Sousa, 31 anos, usuária do produto há seis anos, a preocupação com o seu conforto e com o meio ambiente foram decisivas. "Eu me interessei muito pela ideia de não usar mais absorvente, já não usava o externo, mas o interno me incomodava. A questão ambiental também me fez refletir sobre quanto lixo eu ainda produziria na minha vida menstrual e quanto dinheiro eu gastaria", contou.
Para mulheres, coletor é libertação
Visto por algumas mulheres como "revolucionário" e "libertador", o coletor menstrual também ganha espaço nas redes sociais. Para Monique Zaioncz, 21 anos, a descoberta foi muito positiva. "Conheci o coletor através do Facebook e decidi usá-lo porque ao pesquisar mais sobre como era e como se usava, achei que parecia ser bem mais confortável que os absorventes descartáveis e mais higiênico. Eu tinha assaduras por causa dos absorventes", explica.
Embora o produto tenha vindo à tona nos últimos anos, Monique lamenta os estigmas culturais. "Várias marcas de coletores têm páginas no Facebook e muitas mulheres comentam que acham nojento e anti-higiênico e isso é reflexo de uma educação repressora", pontua.
Em muitas páginas sobre o assunto no Facebook, mulheres que já fazem uso do produto há mais tempo, se dedicam a repassar informações sobre como utilizar coletor menstrual, onde devem comprar e buscam atrair cada vez mais adeptas. Só a página 'Coletores Brasil - menstrual cups' já possui mais de 70 mil mulheres participantes.
O tabu com o corpo feminino, no entanto, ainda é um impedimento no uso do produto, aponta a operadora de telemarketing, Danielle Menezes, que começou a utilizar o coletor há dois meses. Para ela, desde a infância é ensinado que não devemos falar sobre menstruação em público. "As mulheres não têm o hábito de de conhecer seu corpo desde a adolescência, mas vejo algumas que são mais maleáveis a mudanças e acho que se o coletor fosse mais divulgado e acessível, elas se interessariam mais em experimentar", comentou.
Com o desejo de tornar o produto mais conhecido entre as mulheres, a professora Petra Ramalho, de 39 anos, passou de ser apenas usuária e agora também revende o coletor na cidade de João Pessoa, na Paraíba. "Eu faço isso porque eu tenho prazer em colaborar para um futuro melhor para o nosso planeta. Não faço muito pelo lucro, mas pela necessidade de fazer mais mulheres da minha cidade conhecerem o produto", explicou.
Petra diz que muitas vezes só recebe o pagamento meses depois da entrega do produto. "Fico feliz em fazer outras mulheres que desejam comprar o coletor e não podem pagar no momento que recebem". Para ela, não apenas os estigmas culturais com relação aos fluidos do corpo feminino impedem a divulgação do produto. "Acho que é mais o desconhecimento quase completo do seu próprio corpo por parte das mulheres", afirma.
Recentemente, a engenheira mecânica, Gisele Milanezi, 35 anos, optou por utilizar o "copinho" durante a menstruação para fugir dos anteconcepcionais. "Eu não menstruava por uso de contraceptivos hormonais por dez anos e estava pensando em descontinuar por causa de efeitos colaterais.Como sempre tive muito problema no uso de absorventes como alergias e assaduras e desconforto, resolvi dar uma chance ao coletor e isso mudou a minha vida", falou.
Feliz com a decisão libertadora, ela conta que pode utilizar o produto sem necessidade de troca durante o trabalho, sem preocupações com vazamentos e sem o incômodo do absorvente interno. "Ví que não preciso mais interromper de forma hormonal minha menstruação, ela não é mais um incômodo".
Benefícios
Em uma pesquisa recente, a empresa Intimina, responsável pela produção de produtos de higiene íntima, perguntou a 1.500 mulheres sobre as mudanças após substituir o uso do absorvente comum pelo coletor menstrual. De acordo com os registros, uma em cada quatro mulher disse além de enxergar uma melhora na vida sexual ter menos secura vaginal. Ainda segundo a pesquisa, um grupo de 62% afirmou sentir a diminuição do cheiro forte da menstruação. O odor é relacionado diretamente com o uso do absorvente porque o sangue entra em contato com o ar, diz a ginecologista e obstetra do Hospital da Mulher do Recife, Leila Katz, que também é usuária do coletor há pelo menos oito anos.
A médica explica que além da comodidade, da economia e de ser ecologicamente sustentável, o coletor menstrual também é mais higiênico. "Se a usuária seguir as regras de uso de forma contínua os benefícios serão inúmeros. O absorvente, que com a umidade pode levar à proliferação de bactérias e a infecções como a candidíase, as vezes pode ser muito prejudicial à saúde da mulher, diferente do coletor, que apesar de não ser algo de muitos estudos científicos, traz menos riscos", afirmou Leila.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o produto ainda não é regido por uma legislação sanitária específica no Brasil. Por meio de nota, a Anvisa informou que está trabalhando numa proposta de inclusão dos coletores menstruais no escopo regulamentar da Agência. "Estamos avaliando as características do produto para definir seu enquadramento e requisitos mínimos. Os critérios, quando publicados, serão válidos tanto para os produtos nacionais quanto para os produtos importados."
Para a ginecologista Leila Katz, a não oficialização de órgãos fiscalizadores prejudica a propagação do uso do coletor. "Isso dificulta muito o acesso das mulheres ao produto, às vezes não sabem onde podem comprar, por exemplo. No exterior, na maioria dos lugares, isso é vendido livremente em farmácia", argumenta a médica. Apesar disso, O InCiclo, um dos fabricantes do produto no Brasil, recebeu liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. De acordo com resoluções internas da Anvisa, o Departamento de Gerência de Tecnologia de Materiais de Uso em Saúde deferiu a liberação por não considerar o InCiclo um produto para saúde.
Além do impasse na legislação brasileira, a ginecologista também diz que muitas mulheres ainda enxergam como barreiras a manipulação do próprio corpo. Ela conta que muitas pacientes já contaram que têm medo de que o "copinho" entre na vagina e se perca lá dentro. "O coletor também é uma forma de autoconhecimento do corpo feminino porque muitas mulheres ainda tem informações equivocadas sobre o assunto. Eu já indiquei pra muitas pacientes e amigas". Para ela, quando a maioria das mulheres conhecer e se habituar com o uso do coletor menstrual, será libertador.